Desde que foi revelada a crise do capital financeiro mundial, o Estado espanhol vem atacando o povo retirando direitos, reduzindo a aplicação do dinheiro público em saúde, educação, previdência social e aumentam as políticas de perseguição aos estrangeiros (principalmente aos não europeus), enquanto o número de desempregados chega à cifra dos 20%.
Atualmente, a Espanha é gerenciada pelo PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), através da figura de Zapatero, que, apesar de estar levando a cabo pacotes e mais pacotes de medidas para recortar direitos do povo, ainda utiliza a estratégia de autointitular-se “esquerda” para dar sobrevida ao governo e garantir legitimidade.
No entanto, o povo vem, cada vez mais, entendendo a lógica da política oficial e a cada anúncio de recortes de direitos rechaçam promessas e ocupam as ruas, mesmo tendo que enfrentar as traições dos sindicatos cooptados pelo governo.
Este mês de maio ficará marcado na história como um mês de importantes lutas em toda Espanha. Por um lado, manifestações envolvendo dezenas de milhares de pessoas em mais de 60 cidades espanholas no dia 15 de maio se transformaram em acampamentos nas praças e estas viraram palcos de assembleias populares; por outro lado, estavam todos os partidos oficiais envolvidos nas eleições.
Os protestos foram se politizando cada vez mais: “Para que votar em políticos se quem manda são os bancos?”; “Onde está a esquerda? No fundo, à direita.”; “Eu voto, tu ganhas, ele perde, vocês esbanjam, nós nos damos mal, eles ficam desempregados” diziam faixas e cartazes na praça Catalunha, Barcelona.
O resultado das eleições foi catastrófico para o PSOE, que perdeu em quase todos os municípios, mas também o foi para o Estado e para os partidos que terão que governar sem legitimidade. Em toda a Espanha, registrou-se 33,77% de abstenções, 1,7% de nulos e 2,54% de brancos5. Prevendo que as movimentações pudessem influenciar nesse resultado, a junta eleitoral cogitou a proibição de manifestações na data e na véspera das eleições, no entanto, recuaram. E as pessoas se perguntavam: “quem é essa junta eleitoral para proibir manifestações se dizem que vivemos em uma democracia?”. Um cartaz dizia: “Informamos aos políticos que o povo declara ilegal a junta eleitoral”.
Com a palavra, os manifestantes
No dia 26 de maio, entrevistamos a Comissão de Comunicação dos Indignados acampados no município de Cerdanyola del Vallès, distrito de Barcelona.
O movimento começou a partir de uma manifestação em 15 de maio na Praça do Sol (Madrid), e organizado pela plataforma Real democracia já!. Uma vez finalizada a manifestação, de forma espontânea, os mobilizados acamparam na mesma praça. Real Democracia já! limitava suas reivindicações à política eleitoral: reforma da lei eleitoral para possibilitar o acesso de partidos minoritários e acabar com o bipartidismo (PP-PSOE). O movimento 15-M, criado por iniciativa popular e sem nenhuma plataforma ou partido político, ampliou seus protestos questionando a política, a economia, as grandes fortunas e a forma como vêm sendo dirigidos os serviços públicos. Em geral, o movimento ataca o sistema capitalista e a democracia atual. Os meios de comunicação confundem os termos porque não reconhecem este tipo de movimento.
Tudo começou a uma semana das eleições nas comunidades autônomas. Frente a um previsível bipartidarismo e a falta de candidaturas de esquerda reais e fortes, a população saiu às ruas para manifestar a distância entre os resultados eleitorais (com 50% de participação) e a realidade social. Desde o início da crise (2008), entre os desempregados (mais de 4 milhões), os estudantes sem expectativas e os movimentos sociais, foi gerado um sentimento de rechaço ao sistema atual, sistema esse que permite que o povo pague pela crise. Definitivamente, gerou-se um sentimento de que os governos e políticos, que permitem isso e ainda por cima recortam nossos direitos sociais, não nos representam!
O recorte de direitos ocorreu de maneira generalizada. Os funcionários públicos tiveram o salário diminuído em 5%. A idade para se aposentar passou de 65 para 67 anos e houve recortes nas pensões. Os recortes afetaram a saúde preventiva e demissões no setor. Depois das eleições do dia 22 de maio (a partir de agora), o governo aplicará recortes na educação. Os prejudicados são os trabalhadores, que depois de sofrerem demissões e cortes salariais, agora veem ameaçados seus direitos sociais e serviços públicos.
O número de desapropriados vem aumentando e a justiça não protege os afetados. As pessoas que não podem pagar a hipoteca vivem sob a ameaça de ficar na rua. Essas pessoas reclamam a modificação da lei hipotecária, para conseguirem o reembolso do que foi pago. Os bancos reduzem o valor das moradias para vendê-las rapidamente e obrigam aos afetados a seguirem pagando até alcançarem o valor da hipoteca. Isso, somado aos elevados juros, faz com que os afetados fiquem sem moradia e, além disso, tenham que seguir pagando ao banco pelo resto das suas vidas.
Os acampamentos são a culminação de um movimento que pretende mudar o sistema. Os acampamentos são apenas uma maneira de encontrar um espaço para colocar as ideias em comum e avançar no processo de transformação da sociedade. De certa maneira, os acampamentos servem para estarmos em contato uns com os outros.
O Movimento fala em deslocar seu trabalho para cada bairro e cidade. Na sexta-feira, 20 de maio, em Barcelona, éramos 30 mil pessoas. A nível simbólico, para ganharmos força e sermos notados, era necessário, mas, uma vez consolidado o Movimento, a ideia é descentralizá-lo para trabalhar de forma mais efetiva. Por outro lado, planeja-se uma greve a nível Europeu, ou quem sabe mundial, para do dia 29 de setembro, mas, como dizemos, esse tampouco é nosso objetivo final.
Para acrescentar, poderíamos encher infinitas páginas para transmitir todas as ideias e sentimentos que, por aqui, se está criando. Mas resumimos em “eles têm o relógio, nós temos o tempo”, De Barcelona, muita força a todo Brasil para mudar esse sistema.
Polícia tenta expulsar os manifestantes em Barcelona
A Praça Catalunha se tornou a praça dos indignados em Barcelona. Há uma semana, todos os dias às 20h30min, os moradores de Barcelona iniciam o panelaço. Começam dentro de casa e logo todos descem, ocupam as ruas e formam grandes manifestações que se dirigem à praça. Às 21h. começam as assembleias que reúnem cerca de 9 mil pessoas por dia.
As pessoas se revezam para passar a noite na praça. Durante as manhãs e as tardes, ocorrem atividades culturais, leituras de poesia, shows, atividades para as crianças nas creches improvisadas. Foram montadas comissões de comunicação, limpeza, infraestrutura, saúde, informação, alimentação etc. Montou-se também uma biblioteca improvisada e uma cozinha, e nas comissões de saúde, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e outros profissionais da área atendem aos indignados ao mesmo tempo em que esclarecem sobre os recortes na área da saúde.
Até o dia 26, a prefeitura assistia de longe às manifestações sem acionar a repressão. No entanto, na assembleia do dia 26, um representante da prefeitura informou aos manifestantes que eles deveriam deixar a praça, pois seria necessária uma limpeza e que, além disso, não poderiam estar ali no sábado devido ao jogo da equipe de futebol do Barcelona, pois poderia haver “tumultos”. Tudo não passava de desculpa para desmobilizar os manifestantes, que decidiram na assembleia do dia 26 que não deixariam a praça.
No dia 27 pela manhã, o Estado quis mostrar aos manifestantes que uma assembleia não pode ser superior ao poder dos que estão em cima e os Mossos d’Esquadra (polícia especializada em reprimir manifestações) foram acionados para retirar os manifestantes da praça. Chegaram propositalmente no horário em que se concentravam menos pessoas, havia cerca de 500 acampados, informaram aos ocupantes que estes teriam 15 minutos para deixar a praça. No entanto, cumprindo a decisão tomada pela assembleia, os indignados resistiram.
A polícia cercou a praça, fechou as saídas do metrô e trem para impedir que mais pessoas se juntassem aos acampados e começaram a usar cassetete e balas de borracha para expulsar os manifestantes. Depois de 7 horas de resistência e mais de cem manifestantes feridos, a polícia desocupou a praça, roubou os computadores usados pela comissão de informação, destruiu os livros, os panfletos, cartazes e utensílios domésticos. No entanto, ao mesmo tempo em que eles tentavam expulsar os acampados, manifestações espontâneas surgiam em diversos pontos da cidade, expressando o apoio popular aos acampados. Estudantes da Universidade de Barcelona fecharam a principal via da cidade, toda a cidade parou.
Os policiais cercaram os acampados na praça, no entanto, chegavam milhares de manifestantes vindos de todas as ruas que terminavam na praça, e a polícia se viu cercada. Assim, depois de roubar os materiais, não lhe restou alternativa senão recuar sob pena de causar um grande confronto generalizado em toda a cidade.
As 17h, aconteceu uma grande manifestação contra os cortes de recursos na saúde. Aos gritos de “mais saúde, menos polícia!”, um número que não se pode precisar de pessoas saiu da Praça Colombo em direção à Praça Catalunha para se juntar aos acampados, formando uma manifestação que ocupava 4 km em uma avenida de 30 metros de largura.
*Graduando em letras pela Universidade Federal de Goiás. Estudante de intercambio na Universidade Autônoma de Barcelona.