Esquecimento global

Esquecimento global

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A propaganda imperialista culpa a humanidade como um todo pelo aquecimento global do planeta, embora se saiba que a maior parte da poluição seja causada pelas classes exploradoras, suas corporações e governos. Como esconder, agora, que a crise ecológica nada mais é que a crise do imperialismo?

Um aumento entre 1,8 e 4,0 ºC da temperatura global ainda neste século causará o degelo das calotas polares, enchentes, secas, tornados e furacões, terremotos, maremotos, chuvas ácidas e outras desgraças. Esta é uma possível interpretação do quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, realizado em Paris no início de fevereiro.

De acordo com o documento, divulgado em uníssono e com grande estardalhaço pelo monopólio da imprensa, há 90% de certeza de que “o homem seja o responsável” pela mudança no clima do planeta e, ato contínuo, por suas consequências desastrosas.

Como resposta imediata, os 46 países reunidos na capital francesa, liderados por Jacques Chirac, divulgaram um texto ostensivamente catastrófico: “Hoje, sabemos que os humanos estão destruindo, em um ritmo alarmante, os recursos e equilíbrios que lhes têm permitido evoluir e estão determinando o seu futuro. Estamos compreendendo que todo o planeta está em risco, que o bem-estar, a saúde, a segurança e a própria sobrevivência da humanidade estão na balança… Devemos entender que atingimos um ponto sem retorno e temos causado danos irreparáveis. Devemos admitir para nós mesmos que não podemos mais dar-nos ao luxo da inação e que os riscos e perigos se exacerbam a cada dia que passa”.

A divulgação desse relatório sem ressalvas e a abordagem acrítica do monopólio da imprensa fazem crer que os seres humanos são igualmente responsáveis pelo aquecimento global do planeta, embora esteja evidente que o impacto causado por uma colônia de pescadores não pode ter a mesma dimensão das alterações climáticas provocadas por uma corporação petrolífera, por exemplo.

A propósito, a Fundação American Enterprise Institute, criada pela Exxon Mobil — mais conhecida como Esso, no Brasil — passou a enviar cartas para renomados cientistas oferecendo até 10 mil dólares, além de passagens e outras despesas, para que escrevessem relatórios questionando o documento divulgado pela ONU. Levam o cheque os cientistas que “provarem” que o aquecimento global não está ligado à queima de combustível fóssil. Em bom português, o elegante suborno oferecido por um dos maiores símbolos do imperialismo se destina a provar que a queima de petróleo não tem nada a ver com a história.

Proposta indecente

AND teve acesso a uma dessas cartas, mais precisamente a que foi enviada ao professor Steve Schroeder, vinculado ao Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade do Texas. “O objetivo desse projeto é ressaltar os pontos fortes e fracos do processo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, especialmente porque ele resvala em potenciais políticas sobre mudança climática”, diz o documento.

Mais à frente, a fundação mantida pela Esso é a que melhor esclarece onde quer chegar: “Assim como em qualquer processo ‘consensual’ em larga escala, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas é suscetível a preconceitos cometidos por seu próprio pessoal, resistente à crítica racional e dissenso, e propenso a conclusões sumárias que são pobremente suportadas pelo grupo analítico do relatório completo do Grupo de Trabalho”.

Na sequência, a carta aos pesquisadores sugere que uma “revisão independente” do relatório da ONU poderia contribuir para o debate público e clarear as bases para diversas estratégias políticas. A Esso, entretanto, não explicou como um relatório comprado por dez mil dólares pode ser considerado independente. A carta enviada ao professor Steve Schroeder é datada de 5 de julho de 2006 e o prazo dado ao cientista para entregar seu relatório com 7,5 mil a 10 mil caracteres, caso aceite a proposta, é o dia 15 de dezembro de 2007.

Antes de prosseguir, é bom deixar claro que a estratégia não é nova. Até há poucos anos, a Phillip Morris não apenas subornava cientistas para “comprovarem” que seus cigarros não faziam mal à saúde, como chegou a fazer com que seus diretores jurassem no Congresso Nacional que ainda não estava provado que a nicotina, o alcatrão e outras dezenas de substâncias cancerígenas contidas num cigarro tradicional causavam câncer.

O processo de aquecimento

O planeta Terra tem sido capaz de auto-regular seu equilíbrio térmico durante milhões e milhões de anos. Nesse processo, há o chamado aquecimento natural, ou o controle natural do clima, que se dá pelas emissões radioativas do próprio planeta e tem uma escala de tempo de milhares ou milhões de anos. Entretanto, há um segundo processo que interfere no aquecimento global e é chamado de aquecimento antropogênico, ou seja, causado pela ação do homem. Esse aquecimento tem uma escala de tempo menor (centenas de anos) e passou a causar impacto significativo no clima terrestre a partir da Revolução Industrial.

Desde a primeira metade do século XX, o consumo cada vez maior de energia com a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento e o acúmulo de resíduos orgânicos e químicos passaram a causar um maior impacto no aquecimento global. Destacam-se aqui as emissões dos chamados gases do efeito estufa: dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e outros menos conhecidos, assim chamados por reter a radiação térmica e impedir que o calor da Terra atravesse a atmosfera e seja dispersado no espaço.

Para tentar conter o processo de aquecimento global, algumas iniciativas foram elaboradas. A política de crédito de carbono, por exemplo, tem como objetivo reduzir as emissões dos gases do efeito estufa. A proposta é bem-vinda, mas insuficiente.

De acordo com Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e um dos maiores estudiosos brasileiros sobre aquecimento global, “qualquer iniciativa onde uma redução acelerada e pronunciada das emissões dos gases do efeito estufa é extremamente bem-vinda e válida. Agora, a quantidade de carbono sendo negociada hoje, dentro do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, é extremamente reduzida. É muito, muito, muito pequena, e não faz absolutamente nenhum efeito do ponto de vista global. Então, é um mecanismo acessório, mas ele evidentemente não substitui cortes globais de emissão de carbono”.

Um exemplo desses cortes globais poderia vir do Protocolo de Kioto, caso suas metas não fossem tão modestas — além de ter sido boicotado pelos USA. “Trata-se de um mecanismo extremamente importante, porque ele é o primeiro acordo internacional que limita a emissão de gases do efeito estufa. Entretanto, as suas metas são muito, muito modestas. Uma redução de somente 5% das emissões é insuficiente se a gente realmente quiser controlar o clima no planeta — o que deve ser feito. O Protocolo de Kioto é o primeiro passo importante, mas as suas metas são muito modestas perto das necessidades que o planeta tem”, afirma Paulo Artaxo.

Hoje em dia, estima-se que as atividades humanas correspondam à emissão de 8 bilhões de toneladas de carbono por ano à atmosfera, sendo 80% provenientes da queima de combustíveis fósseis — petróleo, gás natural e carvão mineral — e 20% das queimadas. Desse total, cerca de 4,8 bilhões de toneladas são reabsorvidas pelo grande ciclo do carbono e o restante, 3,2 bilhões de toneladas de carbono, permanecem na atmosfera e potencializam o efeito estufa.

Portanto, quando o monopólio da imprensa responsabiliza a destruição da floresta amazônica — e o faz de modo a culpar o povo brasileiro, quando a maior parte do lucro fica com as madeireiras privadas, muitas das quais estrangeiras — pelo aquecimento global em iguais proporções à queima de combustíveis fósseis, está incorrendo em erro crasso. Não deve ser à toa, pois a omissão da responsabilidade do cartel que controla a exploração de petróleo no mundo também diz muito. Embora dez entre dez cientistas garantam que a queima de combustíveis fósseis é responsável por 80% do superaquecimento do planeta, em nenhum momento o monopólio da imprensa se lembrou de responsabilizar as corporações de petróleo — geralmente grandes anunciantes, ressalte-se.

A serviço do imperialismo

É preciso ser cego, surdo, mudo e principalmente tapado para não perceber que a quase totalidade da imprensa brasileira está a serviço da exploração imperialista. A maior parte do planeta tem seu estilo de vida forjado pelo petróleo e seus derivados. O tal american way of life, divulgado como se fosse o conceito supremo de felicidade, pressupõe gastos vultuosos para que uns poucos consumam muito enquanto a maioria sobrevive de ilusões. O USA possui apenas 5% da população mundial, mas é responsável, sozinho, por 26% da poluição em todo o globo. Quem vive lá faz piada: “No verão, o ar-condicionado deixa a casa fria demais, como no inverno; e no inverno, o aquecedor deixa a casa muito quente, como se fosse verão”.

Novamente é o físico Paulo Artaxo quem explica. Para ele, o planeta Terra não suportaria se todos os países atingissem o mesmo nível de consumo do USA. “O planeta não tem recursos naturais para sustentar um padrão de consumo para toda a sua população, por exemplo, similar ao padrão de consumo de países como USA. Isso é inviável do ponto de vista da exploração dos recursos naturais do planeta”, garante.

É preciso ser muito ingênuo ou então agir de má-fé para tratar deste tema sem relacioná-lo ao modelo de exploração imposto pelo imperialismo. No início deste ano o governo do USA solicitou ao Congresso o aporte de mais 100 bilhões de dólares para sustentar seus planos de invasão ao Oriente Médio. Segundo pesquisa realizada por Joseph Stiglitz, Nobel de Economia e professor da Universidade de Columbia, apenas a invasão do Iraque custará entre US$ 1 e US$ 2 trilhões.

O estudo inclui o aumento dos gastos médicos para tratar soldados feridos, a acelerada desvalorização do material bélico no campo de batalha e o efeito indireto na alta do preço dos combustíveis na economia americana, que em parte pode ser atribuído a esta campanha militar. O objetivo é um só: controlar o petróleo iraquiano, segunda maior reserva do mundo, que é de boa qualidade e próxima à superfície. A indústria da guerra é a indústria do aquecimento global. Guerra global, indústria aquecida.

Mesmo contra todas as evidências, o monopólio da imprensa afirma que a responsabilidade pelo aquecimento global e a destruição do meio ambiente é de toda a humanidade. Nesse sentido, publicam-se edições especiais repletas de exemplos de “cidadãos de bem” reciclando lixo, catando papel na praia e outras ações “ecologicamente corretas”.

Com esta campanha irresponsável, enfia na cabeça de milhares de pessoas que elas são culpadas pelo aquecimento global por demorar dez minutos a mais no chuveiro elétrico, sem se dignar a contextualizar esse consumo dentro da lógica global, o que poderia se traduzir, por exemplo, no esclarecimento de que as termoelétricas (cuja construção teve apoio entusiástico da maior parte da imprensa durante a gerência de Fernando Henrique Cardoso) poluem muito mais que as hidroelétricas. E assim cumpre os desígnios daqueles que se julgam donos do mundo, acostumados desde sempre a capitalizar os lucros sozinhos e a dividir os prejuízos com o povo.

Por trás das manchetes sensacionalistas sobre a crise ambiental está a inconfessável crise do imperialismo, que sofre uma derrota histórica no Iraque e no Afeganistão, que já percebe que não controlará, como antes, os povos da América Latina, assim como os da China, Índia e da Rússia. O planeta já não sustenta e não quer mais trabalhar para sustentar os caprichos de uma meia dúzia de magnatas, os maiores ladrões dos trabalhadores e da natureza.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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