No dia 1º de outubro, em seu programa semanal de rádio empenhado na despolitização do povo, Luiz Inácio contou que pretende construir mais dez universidades federais até 2010, ano em que — a princípio — termina seu mandato à frente da administração FMI-PT. Uma administração que, em matéria de educação, tem sido marcada pelos mesmos pontos que a caracterizam em quaisquer áreas de interesse nacional: pelo oportunismo, pelo entreguismo e pela reprodução dos mecanismos de exploração.
Diante da declaração de intenções de Lula e da miséria do ensino superior público no Brasil — que vai desde a infra-estrutura à produção acadêmica — a pergunta imediata a ser feita poderia ser esta: qual o sentido de se construir mais dez universidades quando as que já existem estão degradadas em todos os sentidos pelo boicote sistemático praticado pela própria administração federal?
Mas essa é uma pergunta meramente instintiva, retórica, mas inevitável para quem conhece de perto e fica indignado com o sucateamento mais aparente das nossas universidades. A princípio, ela põe em xeque apenas os aspectos da questão que mais saltam aos olhos, que são a hipocrisia e o sufoco orçamentário com que sucessivos governos tratam as instituições públicas em nosso país.
Além disso, pode-se considerar com toda razão que a declaração de Luiz Inácio simplesmente não passa de mais uma mentira, mais uma promessa de cunho eleitoreiro, de olho na popularidade fácil — ainda mais quando, no mesmo dia e com a mesma dose de demagogia, ele anunciou a intenção de instalar ao menos uma biblioteca em cada município do país.
A indignação imediata com os sinais mais óbvios de empulhação, no entanto, pode dar lugar a uma compreensão mais abrangente dos propósitos dessa eventual construção de mais 10 universidades previamente condenadas ao boicote, ao vício e à degradação.
E a lógica é exatamente esta: diluir menos financiamento em mais instituições, disseminando o vício e a degradação próprios de um sistema educacional de matriz semi-colonial. Um sistema instrumentalizado para a exploração e opressão das massas, sem qualquer compromisso com um projeto de país minimamente sério, simplesmente porque, no Brasil, as classes dominantes e seus gerentes nunca tiveram um projeto nacional.
Pesquisando para as empresas
Na verdade, além da ausência de um projeto para o país, existe também um empenho por parte das sucessivas gerências que ocupam a administração federal para evitar qualquer risco de que esse projeto possa sequer ser esboçado — e muito menos que o seja em nome da emancipação das classes oprimidas e da real independência nacional.
No limite, o verdadeiro projeto que vigora sob a gerência FMI-PT é deixar o capital privado à vontade para levar a cabo todo tipo de usurpação do patrimônio público e exploração das massas trabalhadoras brasileiras.
No caso das universidades, essa lógica resulta na privatização branca do ensino superior, sem leilão, através da cumplicidade com a disseminação de faculdades particulares de quinta categoria, do boicote à geração de conhecimento não-lucrativo nas instituições públicas, e com o arrendamento para grandes corporações das estruturas de pesquisas principalmente tecnológicas e biomédicas.
… é o que acontece no Laboratório de Tecnologia Oceânica da UFRJ,
equipado com tecnologia de ponta e especializado em desenvolver
equipamentos que permitam maior
segurança e eficiência em operações marítimas
… tem entre suas parceiras empresas estrangeiras
ligadas ao monopólio mundial do setor
Dessa forma, as universidades — que são um bem público e existem para contribuir a longo prazo com um projeto de país — nada têm de relevante a produzir, salvo honrosas, mas pontuais exceções que, no fim das contas e por melhores que sejam, não chegam a arranhar a regra geral da mediocridade acadêmica; a regra de uma universidade pública completamente desvinculada de qualquer compromisso com a liberdade e a dignidade do povo brasileiro.
Muito pelo contrário: os projetos de contra-reforma do sistema universitário nacional — agora empreendidos pela gerência FMI-PT — contam com imposições da burguesia, seja do patronato industrial, através da Confederação Nacional da Indústria, a CNI, seja da nova elite dos chamados "serviços educacionais" privados, representados pelo Fórum Nacional de Livre Iniciativa na Educação.
Isso quando não são diretamente orientados pelo Banco Mundial, como A Nova Democracia demonstrou na edição 37, a propósito do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o chamado Reuni, que aprofundam a devastação das universidades que se iniciou com os acordos MEC-USAID, assinados ainda no regime militar.
A burguesia industrial exige que a educação universitária seja instrumentalizada para qualificar mão-de-obra útil ao capital monopolista, enquanto a burguesia dos "serviços educacionais" exige o apadrinhamento do ensino privado mercantilista e de péssima qualidade.
Neste panorama, prolifera a falácia e as medidas no sentido da "maior integração" e "mais parcerias" entre universidades públicas e empresas privadas, e abundam as fanfarronices acadêmicas, com pesquisas científicas encomendadas pelo patronato e produção intelectual marcada pela ausência de compromisso político com as massas.
Duplamente criminosos
É grande o afã do capital para instrumentalizar a pesquisa e a produção acadêmicas, e o desejo via de regra é prontamente atendido pelas gerências políticas à frente dos governos federal e estaduais — ainda que as mobilizações estudantis autênticas consigam brecar parte dessa farra com o ensino superior público do Brasil.
Em março de 2007o veio à tona a informação de que o Ministério Público do estado de São Paulo estava investigando as relações promíscuas entre o ex-governador Geraldo Alckmin e uma ONG especializada em agenciar facilidades para o patronato nacional e internacional junto às universidades brasileiras.
O governo Alckmin repassou 80 milhões de reais para o Instituto Uniemp realizar seu trabalho sujo de cooptação das universidades públicas paulistas a fim de que produzam segundo os interesses das empresas. A ONG, confirmando a lógica duplamente criminosa do negócio que pratica, subcontratou outras empresas e institutos, sempre utilizando dinheiro público.
O Instituto Uniemp — Fórum Permanente das Relações Universidade-Empresa — foi forjado na década de 1990 pelo então reitor da Universidade de Campinas, Carlos Vogt, e por um pequeno grupo de grandes empresários — pequeno, porém muito representativo do patronato mais ganancioso, como Jorge Gerdau, José Mindlin, João Ometto e Edson Vaz Musa, respectivamente dos grupos Gerdau, Metal Leve, Ometto e Rhodia.
A composição do conselho deliberativo desta ONG não deixa dúvida, seja sobre seus objetivos, seja sobre quem manda: a presidência é sempre ocupada por um empresário; a vice-presidência, por um reitor.
Hoje, são muitas as empresas que se valem do Instituto Uniemp para firmar "parceiras" com a universidades públicas brasileiras, que ficam vulneráveis a essas investidas por causa da deliberada falta de financiamento público. Na prática, essas empresas tiram proveito da estrutura pública para aprimorar seus produtos, cooptar talentos e manipular direitos autorais.
Entre as empresas que se aproveitam das universidades por intermédio do Uniemp estão, por exemplo, a multinacional de alumínio Alcoa, as integrantes do Farma, Cartel mundial Boehringer Ingelheim, Glaxxo e Bristol, e a brasileiríssima Votorantim — do patrão Antônio Ermírio de Moraes, que não por acaso gosta muito de abordar, de forma oportunista, a questão educacional nos espaços que lhe são ofertados pelo monopólio dos meios de comunicação no Brasil.
Essas empresas estão infiltradas nas principais instituições de ensino superior do país: na lista de universidades "parceiras" do Instituto Uniemp estão, por exemplo, as universidades federais do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul.
Do entreguismo ao revisionismo
O modismo da "cooperação" entre as universidades e a classe exploradora significa, na prática, que os principais projetos de pesquisa das universidades nacionais são direcionados para as estratégias de mercado das coorporações monopolistas, mais especificamente para os anseios das grandes empresas de tecnologia e biotecnologia ianques e européias.
O modelo de funcionamento da artimanha entreguista é o que acontece, por exemplo, no badalado Laboratório de Tecnologia Oceânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o chamado LabOceano, equipado com tecnologia de ponta e especializado em desenvolver equipamentos que permitam maior segurança e eficiência em operações marítimas quaisquer. O projeto, estratégico, tem entre suas "parceiras" exatamente grandes empresas estrangeiras ligadas ao monopólio mundial do setor, como a American Bureau of Shipping, a Bureau Veritas, e a Offshore and Artics Engineering Division.
Usando e abusando desse molde, o dos "convênios", "parcerias e "cooperações", o capital monopolista, e não o interesse nacional, vai ditando os rumos da pesquisa científica das universidades brasileiras.
Além desse entreguismo que vem marcando a produção da chamada área científica, o campo das chamadas "ciências humanas" está cada vez mais impregnado pelo revisionismo do pensamento socialista e pelo vale-tudo das correntes pós-modernas, abundando monografias, dissertações e teses que reproduzem as premissas e a linguagem das "modernosas" teorias elaboradas pelos algozes do povo.
Educação com emancipação
No dia 28 de julho de 2004 a cidade de Porto Alegre recebeu o professor húngaro István Meszáros para o Fórum Mundial de Educação. Destoando do tom reformista que costuma predominar em encontros deste tipo, Meszáros, que é marxista, ressaltou em sua conferência que é preciso articular o projeto de uma educação verdadeiramente democrática com as lutas em curso pela emancipação das classes oprimidas.
Disse ele:
"A nossa época de crise estrutural global do capitalismo é também uma época histórica de transição de uma ordem social existente para outra, qualitativamente diferente. Essas são as duas características fundamentais que definem o espaço histórico e social dentro do qual os grandes desafios para romper a lógica do capital, e ao mesmo tempo também para elaborar planos estratégicos para uma educação que vá além do capital, devem se juntar".
E concluiu:
"A nossa tarefa educacional é, simultaneamente, a tarefa de uma transformação social ampla e emancipadora. Nenhuma das duas pode ser posta à frente da outra. Elas são inseparáveis".