No último dia 22 de abril, o jornal ianque The New York Times publicou a história da brasileira Rita Yamaoka, ou melhor, da proposta indecente que o governo japonês lhe fez, e que o maior baluarte da imprensa liberal chamou em suas páginas de "proposta irrecusável".
Rita, mãe de três filhos, perdeu o emprego recentemente em uma fábrica no Japão. Agora que se tornou inútil para a burguesia, virou também um estorvo para o Estado burguês. Então, a oligarquia nipônica fez as contas e decidiu: o governo pagou US$ 3 mil (mais US$ dois mil por cada um dos seus dois filhos) para se livrar dela de uma vez por todas, para mandá-la de volta para casa com garantias de que não irá voltar nunca mais.
Diante da falta de perspectivas de ter seu ganha-pão de volta, das grandes chances de viver como pária na pequena cidade industrial onde morava, e do fato de estar absolutamente desamparada em terra estrangeira, Rita e o marido decidiram pegar o dinheiro e vir embora para o Brasil. É como ela própria falou ao New York Times antes de embarcar de volta: "Não podemos nos dar ao luxo de ficar aqui muito mais tempo".
Afinal, que fazer diante do "pegar ou largar" que lhe foi imposto pelas classes dominantes? O duplo suborno – para mandar o imigrante ir embora, e para que ele aceite nunca mais voltar a fim de procurar emprego – é mais um capítulo da profunda degradação que os capitalistas em crise querem impor ao mundo do trabalho, e desmente a lengalenga liberal do mundo sem fronteiras e dos países ricos acolhedores. E a proposta indecente dos dirigentes japoneses tem um alvo certeiro. Ela foi feita como milhares de latino-americanos descendentes de japoneses – como o sobrenome do casal Yamaoka não deixa mentir – que foram trabalhar na terra dos seus antepassados. Trata-se de uma seletividade que acrescenta à nova artimanha dos poderosos um caráter racista.
Muitos dos trabalhadores latino-americanos que agora estão sendo convidados a se retirar do Japão são filhos e netos de trabalhadores japoneses que emigraram para a América Latina fugindo do desemprego e em busca de melhores condições vida, mas que acabaram servindo de mão-de-obra barata para a oligarquia cafeeira de São Paulo.
Casal Yamaoka sem opções
E assim vai se escrevendo a história dos fluxos migratórios internacionais mediados pelas relações capitalistas: com os Estados burgueses manipulando e humilhando as populações migrantes, adaptando as políticas migratórias segundo os interesses de momento do patronato. Agora, em tempos de aperto e sob pressão, querem se livrar dos trabalhadores estrangeiros por meio do aviltante estratagema da deportação velada, caçando vistos por meio dos odiosos subornos.
Já em meados de maio, o Japão fez uma pequena retificação do seu pacotão antilatinos, um adendo aos termos do seu subsídio xenófobo, uma correção pretensamente atenuante ao vil auxílio-deportação: em vez de serem banidos para sempre, os imigrantes poderão voltar em no mínimo três anos, durante os quais deverão conviver com o desemprego e a precarização em seus próprios países de origem. E o cerco se fecha ainda mais: há vários projetos parlamentares no Japão para revogar o visto especial para os "nikkeis" – designação do idioma nipônico para os descendentes de japoneses nascidos em terra estrangeira.
A alardeada "mobilidade" serve à burguesia
Oferecer suborno a trabalhadores precarizados parece ter virado moda também na Europa do capital – do capital em crise. Na República Tcheca, onde recentemente os imigrantes chegaram a ocupar 40% dos postos de trabalho nas fábricas, desde fevereiro o governo mantém um programa nos moldes do acinte japonês, ou seja, voltado para mandar os estrangeiros desempregados de volta para casa (oferecendo um auxílio-deportação mais modesto, de 500 euros).
Latinos são forçados a deixar tudo
Mas, na Europa, o grosso do refluxo migratório vem sendo observado mesmo é no sentido inverso. São milhões de trabalhadores despedidos em países como Grã-Bretanha, Alemanha e Espanha voltando para países como Romênia, Ucrânia e a própria República Tcheca, a maioria sem qualquer esperança de uma vida mais digna, buscando apenas um custo de vida menor onde possam aguentar melhor a sina do desemprego, ou simplesmente o apoio da família. No fim das contas, é para isso mesmo que a União Européia foi concebida: para que o capital monopolista pudesse tirar o melhor proveito possível da livre peregrinação de trabalhadores desempregados, pressionando os mercados de trabalho dos diferentes Estados no sentido da redução dos salários e do sarrafo nos direitos e garantias duramente conquistados pelo proletariado europeu.
Tudo isso em se tratando dos imigrantes legalizados, com a papelada toda em dia, que não têm maiores problemas com o serviço de estrangeiros e fronteiras dos países onde vivem. Para aqueles que se equilibram sobre a corda bamba da ilegalidade, a precarização chega em doses ainda mais cavalares.
As políticas migratórias vão ficando cada vez mais draconianas. Só na Grã-bretanha nada menos do que oito brasileiros por dia, em média, foram barrados nos postos de controle de imigração no primeiro trimestre deste ano. A Itália acaba de aprovar uma lei que qualifica a imigração ilegal como crime. Quem for pego sem visto terá que pagar 10 mil euros de multa (como?), e as mulheres sem autorização de permanência não poderão registrar seus filhos que eventualmente nascerem em solo italiano.
Por outro lado, na Espanha, os governantes estão à cata de imigrantes brasileiros que tenham filhos e que aceitem ir povoar cidades rurais com problemas demográficos, verdadeiras cidades-fantasma, devastadas pelo desemprego. A contrapartida é uma casa e um subemprego qualquer arranjado pelo Estado, o que não deixa de ser uma variação do "pegar ou largar" indecente que vem sendo proposto em larga escala a quem tem muito pouco a perder.
Não obstante, muitos trabalhadores vêm recusando os subornos de toda espécie, que visam perpetuar o manejo dos fluxos migratórios ao bel prazer dos poderosos. No Japão do pacotão antilatinos, os brasileiros vêm se organizando para rechaçar tanto as demissões quanto o subsídio-xenófobo. Eles têm ido para as ruas e organizado piquetes nas portas de fábricas. Mas as condições são demasiadamente adversas, e mais do que nunca precisam da solidariedade dos compatriotas que aqui estão.