Estudantes de Pedagogia de todo o país realizaram o 8º Fórum Nacional de Entidades de Pedagogia (Fonepe) com uma combativa manifestação em Brasília no dia 22 de maio. Eles esperavam ser recebidos pelo Ministro da Educação, Fernando Haddad, para exigir a revogação da lei que regulamenta o curso, recentemente aprovada; mas foram recebidos pela Polícia militar, que agrediu e prendeu vários manifestantes.
Foto: Ana Lúcia Nunes
Estudantes enfrentam PMs que faziam a guarda do MEC
O movimento estudantil de Pedagogia se destacou nacionalmente pela luta contra as reformas anti-povo da gerência FMI-PT. A "reforma" da Previdência marcou o início das mobilizações deste setor do movimento estudantil. Eles estiveram presentes em todas as manifestações, demonstrando apoio concreto aos trabalhadores. Em 2004, prosseguiram no combate à implementação da "reforma" universitária, organizando manifestações, paralisações e debates de norte a sul do país.
Em março de 2005, foram surpreendidos com um projeto de "regulamentação" do curso de Pedagogia, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), propostas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão do Ministério da Educação — MEC. Estas DCNs são parte de uma série de medidas impostas, há anos, pelo sistema de governo aos cursos de licenciaturas, chamadas "reformas" curriculares — que separam licenciatura e bacharelado, ou seja, desligam a investigação científica do exercício da difusão do conhecimento. Esse é o denominador comum dos ataques sofridos pelos demais cursos de licenciatura e, agora, pelo curso de Pedagogia. O projeto do CNE, além de limitar a Pedagogia à docência, ainda excluía a formação em áreas de gestão, organização e pesquisa em educação.
Desde o início, os estudantes e professores denunciaram a forma antidemocrática com que o CNE encaminhou a formulação das DCNs, excluindo a comunidade acadêmica da discussão. Mesmo não ouvidos pelo MEC, os estudantes debateram amplamente em suas faculdades a proposta de resolução, resultando num farto argumento que lhes possibilitou não apenas negar a "reforma" do MEC, mas construir seu próprio projeto para o curso de Pedagogia.
Sem palavra
Em junho de 2005, os estudantes ocuparam o CNE, em Brasília, para exigir audiências públicas nas universidades. O Ministro da Educação ignorou a exigência e obteve uma resposta em novembro de 2005, quando eles realizaram manifestação na sede do MEC, também no Distrito Federal. Durante a manifestação, o ministro Fernando Haddad se viu obrigado a receber uma comissão de estudantes e assinou um documento, onde se comprometeu a não homologar as DCNs do CNE sem discutir com a ExNEPe — Executiva Nacional de Estudantes de Pedagogia -, entidade que representa os estudantes de Pedagogia de todo o país.
No dia 4 de abril deste ano, o Ministro da Educação revelou não respeitar os acordos que ele mesmo faz e homologou as DCNs propostas pelo CNE sem debater com a ExNEPe, conforme havia se comprometido com os estudantes. Haddad aprovou as DCNs na surdina e os estudantes só souberam porque permaneciam vigilantes. À notícia da homologação, seguiram-se mobilizações ainda mais radicais. Eles tomaram as ruas, ocuparam reitorias das universidades, delegacias regionais do MEC e até mesmo sedes dos governos estaduais. E os estudantes queriam mais, precisavam dar o recado ao vivo para o ministro.
Na toca do leão
A ExNEPe realizou em Goiânia — GO, de 20 a 22 de maio, o FONEPe, que congrega as entidades de base como C.A's, D.A's e Executivas regionais. O evento reuniu cerca de 180 estudantes — inclusive estudantes de outras licenciaturas, convidados pela executiva de pedagogia, para aprofundar os debates e unificar a luta contra as "reformas" curriculares e a "reforma" universitária.
O encontro foi marcado desde a abertura por muita comoção e combatividade. No início do encontro, 20 de maio, foi exibido um vídeo com as cenas do ministro Fernando Haddad se comprometendo a não homologar as diretrizes da Pedagogia e imagens do movimento estudantil brasileiro e do movimento de pedagogia durante as várias lutas para barrar as DCNs do Banco Mundial/MEC. Imagens da última manifestação realizada em Curitiba — PR, no mês de maio, contra a homologação das DCNs também foram exibidas.
Após o filme, um exemplo de democracia: durante a aprovação do regimento interno do fórum, os delegados presentes decidiram por unanimidade conceder o direito de voz e voto a todos os estudantes presentes. Segundo os delegados, esta era uma forma de democratizar ainda mais as discussões e decisões. O informe sobre o histórico de luta dos estudantes de Pedagogia — desde a publicação pelo Conselho Nacional de Educação do primeiro projeto de resolução — animou a plenária porque ficou claro que as Diretrizes Curriculares Nacionais só não foram aprovadas antes devido à forte organização dos estudantes que barraram o projeto por mais de um ano.
Após intensos debates, a Plenária Final aprovou por unanimidade uma histórica e ousada deliberação: fechar os prédios das faculdades de educação, visando envolver todos os estudantes de licenciatura que tenham aulas nos departamentos de educação; deflagrar a Greve nacional dos estudantes de pedagogia a partir do 8º FONEPe e anunciar a grande decisão a todas as regiões não presentes , sendo a ocupação do MEC, na segunda-feira, 22 de maio, a primeira manifestação da greve.
— Nosso intuito, ao realizar esta manifestação, era expressar todo o nosso repúdio a esta verdadeira secretaria do Banco Mundial e àquele que se proclama Ministro da Educação. Nossa manifestação não estava aberta à negociação de nossas bandeiras ou a reuniões de comissões de tipo "tapinha nas costas" com o ministro — explica o estudante de Pedagogia da Universidade Estadual de Minas Gerais, David Batista Batella, membro da Executiva Nacional de Estudantes de Pedagogia.
O leão se enfurece
Na segunda-feira, após grande mobilização na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), cerca de 200 km de Brasília, onde ocorreu o Fórum Nacional de Entidades de Pedagogia, os estudantes partiram para a capital federal. Ao chegar à esplanada, organizaram-se em colunas, com faixas, cartazes e bandeiras. Marcharam até o prédio do Ministério da Educação, onde policiais militares os esperavam, fortemente armados.
A PM, orientada pelo MEC, tentou impedir a entrada dos estudantes no prédio onde solicitariam uma audiência com o ministro. A agressão policial, neste momento, deixou uma estudante desmaiada e outro com um corte na cabeça. Mas os estudantes gritaram suas palavras de ordem: "Pedagogia é profissão, não deixe o MEC acabar com a educação!".
Finalmente, um funcionário do MEC apareceu, talvez porque os estudantes falaram mais alto e ele pôde ouvir ou porque percebeu que nem mesmo a violência os faria desistir. O bajulador oficial disse aos estudantes que o ministro só receberia uma pequena comissão de estudantes. Priscila Damaceno, estudante de pedagogia da UFRN, membro da ExNEPe, explica porque a proposta foi rejeitada:
— Em dezembro, levamos uma comissão para falar com o ministro. Ele garantiu que não homologaria as DCNs propostas pelo Conselho de Educação sem antes se reunir com a Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia, mas não honrou sua palavra nem o documento que havia assinado. Achamos que o ministro deveria se explicar a todos os estudantes e não somente a uma "comissão". Esta foi uma decisão discutida por todos os estudantes na plenária final do nosso encontro.
— Afinal de contas, porque não poderiam entrar em um prédio daquelas proporções pouco mais de cem estudantes? Ou mesmo o ministro descer até à porta? A verdade é que o ministro estava com medo de receber os estudantes, porque vergonhosamente havia traído o acordo e nada tinha a dizer. Palavras, assinaturas, cartas, vídeos [tudo documentado!]; nada mais poderia amenizar a revolta estudantil -completa Priscila.
Diante da negativa dos estudantes em participar do circo que seria armado pelo ministro, e mais bajuladores de plantão, a "operação" foi transferida para as mãos da Polícia Militar , PM-DF, que agrediu os estudantes, ascendendo ainda mais a revolta juvenil. Utilizaram então o único recurso que faltava: as armas. Um dos PMs, provavelmente insatisfeito por não ver o medo habitual ante sua farda e sua arma, atirou em direção aos estudantes, fazendo pontaria.
A PM assume
Rapidamente, chegaram ao local várias viaturas, motos e policiais, provenientes de todas as guarnições das Asas Sul e Norte. Os estudantes foram cercados na calçada do Ministério da Defesa, colocados contra a parede. Em seguida, os policiais desencadearam violenta agressão contra os jovens. Ameaças e cerrada pancadaria caíram sobre os estudantes. Alguns, pareciam estar morrendo diante da brutalidade dos PMs. Ocorreram desmaios, fraturas de braços e pernas, surgiram estudantes ensangüentados, portando hematomas diversos. Mesmo assim, não baixaram a cabeça e em nenhum momento se calaram. A cada prisão, era possível ouvir à distância os gritos de resistência dos jovens.
Após encurralar os estudantes no prédio do Ministério da Defesa, a polícia iniciou uma varredura nas redondezas. Motos e viaturas da PM percorreram a região em alta velocidade, entrando pela contra-mão, parando a cada fisionomia jovem que era avistada. Adolescentes encontrados pelas ruas eram rendidos e espancados, manifestantes ou não. A população — revistada e agredida— ficou indignada ao presenciar a prisão dos manifestantes. Até um helicóptero foi utilizado na perseguição.
Cárcere ilegal
Trinta estudantes foram presos, colocados num microônibus da PM e levados para a sede da Superintendência da Polícia Federal. Foram mantidos no veículo, estacionado em frente à sede da PF, por onze horas, aproximadamente. Muitos permaneceram algemados por mais de seis horas. O ônibus estava cercado por policiais federais e militares e nem mesmo o advogado dos estudantes teve acesso ao interior do veículo. A PF e a PM não liberaram, sequer, a lista com o nome dos estudantes presos.
A PM tentou intimidar os estudantes de todas as formas, mas eles deram uma resposta à altura.
— Cantávamos, gritávamos nossas palavras de ordem e batíamos palmas o tempo todo. Mostramos a eles que não estávamos com medo, que tínhamos plena certeza da justeza das nossas ações e que nos manteríamos firmes; não importa o que eles fizessem. Eles ficaram muito irritados com isso e tentaram tirar alguns estudantes do ônibus para "acabar com a agitação" — afirma Marcos Alves, estudante de Letras da UFG.
Os estudantes só saíram do ônibus para prestar depoimento, por volta da meia-noite, quando finalmente puderam falar com o advogado. A maioria utilizou o direito de permanecer calado, mas continuaram as intimidações, ora com a presença dos militares que os agrediram ora com a tentativa de fazê-los assinar documentos incriminatórios.
Joana Maria Piassi, Ciro Jordano Cunha, Rafael Ayan, Marcos Moraes, Gabriel de Oliveira, Wender Francisco, Enver Dias, Nathália Gomes e Flávio Pereira foram indiciados por desobediência, desacato à autoridade, dano ao patrimônio público, lesão corporal e resistência (?!). Eles só puderam aguardar o julgamento em liberdade após pagar fiança.
— Entendemos a ação do MEC como o prosseguimento do tratamento que os estudantes vêm recebendo, ao longo dos últimos anos, seja com a "reforma" Universitária, as DCNs e a homologação. As agressões, disparos, prisões e processos representam de forma clara o caráter arbitrário e truculento desse ministro antipovo — avalia David.
E o estudante completa:
— A ação do ministro não nos surpreende, faz parte da verdadeira correria da gerência oportunista para implementar o conjunto de medidas e reformas anti-povo ditadas pelo imperialismo. A aplicação destes projetos esbarra em um grande obstáculo que é o povo, tornando claro o porquê da arbitrariedade e da forma antidemocrática que essas medidas são implementadas. Como tudo na política oficial — é isso que chamam de república — este projeto vem sendo empurrado goela a baixo do povo.
Cinicamente, numa nota dirigida à imprensa e aos servidores do MEC, duas horas depois da polícia ter deflagrado o conflito, o ministro diz não ter solicitado, "em momento algum, a intervenção da Polícia Militar", mas se esquece de dizer que não moveu uma palha para conter o espancamento dos estudantes, que teve início no prédio — de livre acesso do povo (em tese) — que é patrimônio da União, em particular, administrado pelo seu ministério.
Greve geral: resposta
De volta às universidades, os estudantes receberam o apoio de dezenas de entidades estudantis e sindicais, também de algumas reitorias. Após as prisões, o que se evidenciou não foi a repressão, mas a postura firme dos estudantes que já anunciam a deflagração de uma greve nacional.
— Não será com prisões, processos, cacetetes, que nos intimidaremos, e não nos intimidamos. Pelo contrário, tudo isso deixou os estudantes de Pedagogia ainda mais dispostos a lutar. O acontecido apenas revelou mais uma vez que a democracia em nosso país só existe no discurso, e que a única democracia presente naquela Esplanada estava nos manifestantes, em sua organização, em suas faixas e cartazes, e em suas palavras de ordem. Agora, precisamos elevar a luta pela revogação das DCNs, aplicando as decisões da plenária final do nosso encontro. Iniciaremos imediatamente a greve nacional para derrotar o governo e construir uma autêntica formulação feita por estudantes e professores. Temos profunda consciência que é em nossa luta e em nossa greve que se encontram os espaços mais democráticos de nossa universidade e de nossa nação no que diz respeito à educação — finaliza David.
As primeiras paralisações de aulas em resposta à homologação das DCNs do CNE ocorreram no mesmo dia da manifestação em Brasília, 22 de maio. No dia 30 de maio, os estudantes da UFG, reunidos em assembléia geral, deflagraram a greve nacional em defesa da formação científica do pedagogo. Decisão seguida pelos estudantes da UEMG, UNIRIO, UFPR e que, em breve, se espalhará por todo o país.