Centro do Rio de Janeiro, 11 de novembro, cinco horas de uma tarde de calor intenso. Debaixo das colunas do prédio do Ministério da Educação (MEC), na Rua Araújo Porto Alegre, um grupo de cerca de 50 estudantes protesta contra a Reforma Universitária proposta por Luís Inácio/FMI/ Banco Mundial. Um funcionário distribui prospectos que enaltecem “ações do governo”.
A resposta vem rápida: os estudantes queimam os papéis, acendendo uma fogueira com os embustes da gerência FMI/PT. O representante do MEC, William Campos, aparece e pede para conversar com os “líderes estudantis”. Em seguida, chega ao ponto de distribuir rosas. O grupo rechaçou os batidos argumentos a favor da reforma entreguista, chamando pela participação dos que ficaram parados na rua, distantes da porta do MEC, seguindo orientação do carro de som que puxava a passeata.
Bandeiras vermelhas dos partidos PSTU e P-SOL*— ambas organizações “alternativas”, dissidências do PT — eram desfraldadas na multidão, que, dividida por apelos conflitantes, ficava indecisa entre assistir a uma peça de teatro na calçada ou reforçar a pressão do grupo que protestava em frente à entrada principal. Para alguns, aquelas bandeiras vermelhas, mantendo-se tão distantes, pareciam, de repente, ter ficado amarelas.
Esse foi o quadro final do ato contra a reforma universitária, que teve início no Largo de São Francisco, Rio de Janeiro, em frente ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, às 15h. A manifestação foi marcada pela heterogeneidade dos participantes, embora alguns partidos — notadamente o PSTU e o P-SOL, ao colocarem suas bandeiras no meio da massa, — buscassem passar a idéia de capitanear a liderança do ato. Para algumas alas estudantis mais independentes, no entanto, tal “liderança” não tinha legitimidade, o que ficou claro pelo “racha” em frente ao MEC, indício de que a velha direção do movimento estudantil já não mais representa os anseios da juventude.
Spray de pimenta
O ato teve início por volta das 15h, quando cerca de 400 estudantes ocuparam a pista da esquerda da Avenida Rio Branco, na altura da Rua do Ouvidor. A manifestação em meia pista foi fruto de uma negociação entre um grupo de estudantes e policiais. Contudo, tal acordo não foi aceito por todos os manifestantes.
Um estudante protestou:
— Meia pista? Deveríamos ocupar toda a avenida!
Um carro de som puxava a passeata, recheada de faixas como: “Não pago. Não pagaria. Educação não é mercadoria”. Logo quando as pessoas tomaram a avenida, o aparato repressor do Estado já deu suas “boas-vindas”: policiais jogaram gás de pimenta na multidão, forçando os estudantes a correrem para a calçada. O locutor do carro de som alertava: “Não vamos cair na provocação deles!”.
A camiseta de um estudante ostentava a sugestiva frase: “Spray de pimenta nos olhos dos outros é refresco (ditado policial)”. A partir desse momento, os estudantes foram seguidos de perto pelos PMs.
Além dos universitários, professores e funcionários administrativos, havia muitos estudantes secundaristas. Carlos Oliveira, 17 anos, assim opinou sobre a manifestação:
— Acho que tem de fazer pressão mesmo. Esse governo quer privatizar o ensino público, na cara de pau, sem esperar por protestos? A tendência é ter cada vez mais manifestações.
“Abaixo os supermercados da educação”, “Não á reforma universitária de Lula/FMI”, “Rosinha destrói UERJ”. Essas e outras frases davam a tônica do protesto, que marcou o profundo desprezo dos presentes com a União Nacional dos Estudantes (UNE). Em coro, os estudantes repetiam:
— Reforma vem, a UNE some… Não fale em nosso nome!
O carro de som parou em frente ao Museu Nacional de Belas Artes, onde uma grande faixa mostrava o quanto a gerência Luis Inácio vem depauperando diversas categorias: “Trabalhadores da cultura em greve”. Também os funcionários da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ, parados há mais de 140 dias), da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF, parados havia duas semanas, até o dia da passeata). Uma estudante pega o microfone e dispara contra a UNE, a CUT e a gerência FMI-PT: — A UNE hoje não fala mais em nome dos estudantes. A UNE está do lado de Lula e da burocracia do PT. E nossa luta é contra esse governo que quer aprovar a reforma universitária. E para aqueles que ainda acreditam na CUT, fiquem sabendo que o último conselho do Andes — Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior fechou pelo rompimento com a Central!
Outros também discursaram, o que atrasava muito a chegada dos manifestantes ao MEC. Dário Andrade, integrante do Movimento Estudantil Popular Revolucionário (ME PR), perdeu a paciência e esbravejou:
— Assim vamos pegar o MEC fechado!
Racha e depuração
Enfim, a multidão dobra a Rua Araújo Porto Alegre. Quase chegando ao MEC, contudo, mais discursos. Os estudantes se impacientaram:
— Viemos para fazer discursos de eleições ou pra protestar?
Quase às 16h30, os manifestantes, bastante animados e gritando as palavras de ordem, finalmente chegam em frente ao prédio do MEC. Houve, no entanto, uma dispersão que fez o movimento perder a unidade que vinha mantendo na passeata. Cerca de 50 estudantes independentes — entre eles integrantes do MEPR, resolveram se manifestar diante da entrada do MEC. Gritando as palavras de ordem e chamando os demais para engrossar o ato: “Vem pra luta, vem!”. Ao mesmo tempo uma encenação teatral contra a reforma, atraía a atenção de grande quantidade de estudantes presentes. Como surgido do nada, um funcionário do MEC veio distribuir prospectos do governo federal. Uma estudante indignada rasgou um e jogou fora. Vários estudantes fizeram o mesmo e, em seguida, atearam fogo à pilha de papéis no chão. A Internacional — hino do proletariado revolucionário internacional — foi entoada. O carro de som, na calçada, tocava Geraldo Vandré. A PM espreitava, enquanto, da janela, um funcionário do MEC filmava a manifestação, lembrando o velho estilo do gerenciamento militar.
Inesperadamente o próprio William Campos, representante do MEC no Rio, desceu para “conversar” com os estudantes. Todos sabiam o que ele trazia: uma série de argumentos estéreis que buscavam legitimar a contra-reforma universitária. William fez papel de bobo, sentando no chão e tentando distribuir rosas vermelhas para os presentes (ninguém as aceitou). Ficou alguns minutos ouvindo o coro: “William Campos, cara de pau! Funcionário do Banco Mundial!”. Ele desistiu de “dialogar” quando começaram a atirar pedaços de papel e água em seu rosto. A personagem representado pelo infeliz William Campos — que teve lances bem mais cômicos do que àquele encenado na rua — encerrou o último ato.
Estudantes peitam Luís Inácio em Alagoas
Insistindo em bancar as contra-reformas do Banco Mundial o gerente Luís Inácio cria cada vez mais situações vexatórias, para si próprio, onde quer que vá.
Assim foi em Alagoas, por ocasião de celebração montada para amedalhar oportunistas, usando como pretexto o aniversário da proclamação da República. Os estudantes vaiaram, atiraram ovos e acusaram de traição pela tentativa de privatizar, mais ainda, a educação brasileira.
Luís Inácio, visivelmente perturbado, disse, entre outras coisas, que os estudantes não sabiam por que estavam vaiando, o que não era o caso. Quanto a ele, com certeza, sabia por que estava sendo vaiado.
Repressão em SP e MG
Em São Paulo, na noite do mesmo dia 11, a “peça” teve ares de tragédia. Cerca de 200 estudantes e professores da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) foram agredidos por policiais enquanto protestavam na Avenida Sumaré, em ato semelhante ao do Rio de Janeiro.
A polícia avançou contra o bloqueio dos manifestantes, que fizeram uma barricada de pneus e atearam fogo. Os manifestantes impediram os bombeiros de apagar as chamas, o que motivou ação mais violenta por parte da polícia, que usou spray de pimenta e desferiu golpes de cassetetes. Em seguida, uma tropa de choque da PM entrou em cena disparando balas de borracha. Cinco alunos foram detidos. Um morador da Rua Minerva teve seu apartamento alvejado por três balas de borracha. Um dos tiros acertou o rosto de uma mulher que o acompanhava. O rapaz registrou queixa na 23ª DP, onde se encontravam detidos alguns estudantes, que foram liberados somente na manhã do dia 12.
Em Minas Gerais, estudantes da PUC-MG também foram agredidos por PMs na manhã do dia 11. O protesto era contra o aumento das mensalidades, por bolsa na matrícula (sem exclusão), pela autonomia das unidades (Betim, Contagem e São Gabriel) e pela democracia dentro da Universidade. Cinco estudantes invadiram a reitoria e se acorrentaram às pilastras, dizendo que só sairiam dali se fossem atendidos pelo reitor. Os seguranças acionaram os policiais militares (que invadiram o campus) e lançaram bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta contra os estudantes.
Tropa de choque do PC do B
O peleguismo no movimento estudantil parece não medir mais esforços para calar vozes independentes da burocracia da UNE. O MEPR manifestou seu repúdio contra a atitude do PC do B através de uma nota — PC do B e polícia atacam estudantes em luta—, relatando que militantes ligados à Associação Municipal de Estudantes Secundaristas (AMES) haviam invadido o Encontro Municipal dos Estudantes em Luta, no dia 6 de novembro, nas dependências da UERJ.
Segundo a nota, trinta militantes entraram no local “gritando palavras de ordem e fazendo ameaças aos participantes”, que ali se reuniam para dar “um passo definitivo na construção de um novo movimento estudantil; movimento que não esteja a reboque dos interesses eleitoreiros destes partidos oportunistas, tal como o PT e o PC do B, e tantos outros.”. Os estudantes resolve-ram ignorar as ameaças e sair da sala, a fim de organizar grupos menores de discussão. Contudo, conta o MEPR, os integrantes do PC do B tentaram impedir, dando início às agressões contra os estudantes.
O documento descreve o momento em que a polícia militar atacou os estudantes, sob aplausos dos militantes do PC do B:
— o PC do B, mostrando sua verdadeira face policialesca e repressora, chamou a polícia militar para acabar com o encontro, que, de fuzil na mão, usou de toda a sua conhecida truculência (…) para reprimir estes estudantes com cassetetes e spray de pimenta, prendendo um e ferindo outros tantos (…). Enquanto isso, militantes do PC do B/UJS (União Juventude Socialista) aplaudiam — literalmente — a chegada da PM, e gritavam apoio à polícia enquanto esta batia e agredia estudantes com gás de pimenta.
Mesmo após a primeira agressão, os estudantes resolveram continuar a assembléia na concha acústica da UERJ. A PM, contudo, interveio mais uma vez, “arrastando estudantes (…), jogando quentinhas (do encontro) no chão e agredindo indiscriminadamente (…)”. A nota do MEPR registra que o PM, comandante da operação, chegou a sacar a arma e esbravejar:
— Agora acabou a conversa!
O manifesto reforça a posição independente dos estudantes, por um novo movimento estudantil.
*Nota da Redação: Ambas as organizações são dirigidas pelo trotskysmo e o clericalismo e, tal como o PT, foram criadas para rivalizar com o Partido Comunista. Apresentam-se como oposição ao sistema, mas fazem o jogo dos pelegos. Apressam-se a monitorar os movimentos espontâneos de massa e a “unificar” a esquerda, mediante “alianças táticas”, quando passam a mapear integrantes de outras organizações.
O velho e o novo na direção do movimento estudantil
A divisão ocorrida entre os manifestantes é a demonstração de que o que há de novo no atual movimento estudantil é o total desgaste da velha direção PT/PC do B. Ainda assim, outras correntes também oportunistas e eleitoreiras — como PSTU e P-SOL — ainda conseguem influenciar parte das massas. Os velhos métodos permanecem — como a verborragia dos discursos de “líderes” que brigam para falar ao microfone e ganhar notoriedade para se lançar , num futuro breve, em alguma campanha eleitoral. Na hora do embate, entretanto, amarelam.
Ao que tudo indica, o conflito entre novos movimentos (como o MEPR) e as frações oportunistas no meio estudantil, tende a ser mais frequentes, até que a massa dos estudantes afastem de vez o carreirismo no seio do movimento.
Grupos como o MEPR, embora ainda minoritários, vêm fomentando uma nova filosofia de luta entre os estudantes. De acordo com o artigo Por uma nova bandeira, veiculado no sítio do grupo — www.estudantesdopovo. hpg.ig.com.br —, a ação do movimento estudantil nas lutas pelas transformações da sociedade só é possível quando este se dedica a servir ao povo. Ao invés de se isolar numa luta sectária ou ser manipulado por partidos eleitoreiros, o movimento estudantil deve, de acordo com o MEPR, tomar “parte ativa na frente única revolucionária juntamente com a classe operária, os camponeses pobres e a pequena burguesia democrática”, contra o imperialismo ianque e seus lacaios. Voltando-se contra o oportunismo entre os estudantes, o grupo critica os “mesquinhos projetos eleitoreiros, processo que só fomenta o personalismo, a hipocrisia, a vaidade e a sede de poder pessoal”.