Evo Morales, após dois anos e meio de duros enfrentamentos com latifundiários e frações da burguesia compradora boliviana, conseguiu instalar uma hegemonia no cenário político boliviano. Para isso, mobilizou inúmeros recursos econômicos e manteve em alerta permanente o maior número de camponeses, comerciantes informais e operários manietados graças às suas hábeis alianças sindicais e corporativistas, as quais sabe manejar muito bem, dada a sua vasta trajetória sindical.
Durante esse tempo, Morales não se importou em usar como bucha de canhão centenas de massas operárias e camponesas dos departamentos (estados) de Cochabamba, Chuquisaca, Tarija, Santa Cruz, Beni e Pando, dezenas das quais perderam suas vidas em enfrentamentos contra os bandos de pistoleiros mandados pelas elites compradoras e latifundiários desses Estados, que se autodenominam "Media Luna" (Meia Lua).
Os mortos e feridos nas fileiras dessas massas manejadas pelas máfias de sindicatos seguidores de Evo Morales, encabeçados por gente acostumada a se manter às custas do povo, vem sendo uma ótima justificativa para empreender uma investida repressiva de maneira seletiva a certos ativistas da "Media Luna" em Santa Cruz, Beni e Chaco boliviano, mas, fundamentalmente, para dirigir um golpe certeiro ao aliado mais vulnerável dessa aliança latifundiária-burguesia compradora: o Prefeito de Pando, Leopoldo Fernández.
Devido a tal justificativa, não tardou em estabelecer um estado de sítio em Pando, deter aproximadamente uma dezena dos seguidores de Fernández e provocar a revolta de mais de 300 trabalhadores da prefeitura da capital desse Estado, que se refugiaram no município brasileiro de Brasiléia no Estado do Acre, gente que sem dúvida mantinha relações e agiam sob as ordens do ex-prefeito, hoje levado a desgraça, Leopoldo Fernández.
O referendum anulado de 10 de agosto último e os confrontos dos aliados de Morales contra as forças da "Media Luna", principalmente nas áreas rurais e metropolitanas dos departamentos de Pando, Beni, Santa Cruz e Tarija, possibilitaram a Evo Morales a convocatória de um novo Referendum para 25 de janeiro de 2009 — um enésimo referendum — e que certamente aprovará seu projeto de Constituição Política do Estado, no marco de seu plano de reestruturação estatal que estabelece a hegemonia da fração burocrática da burguesia boliviana no poder, que é encabeçada pelo próprio Evo .
Morales conseguiu também neutralizar seus opositores com a possibilidade de ser reeleito como presidente, dado que ,com a aprovação da nova Constituição Política do Estado, delineiam-se as chances de uma reeleição presidencial. Por isso planejou destacar seu atual mandato presidencial até o mês de dezembro de 2009, período em que se abrirão novas eleições presidenciais na Bolívia, nas quais Morales poderá se reeleger e prosseguir seu plano de consolidar as estruturas burocráticas do Estado boliviano que cada vez mais assume maiores funções, entre elas empresariais, econômicas e políticas.
De qualquer forma a crise econômica mundial apagou significativamente as vitórias obtidas pela aprovação fictícia da Constituição Política tida como certa em janeiro de 2009 e que afirma o poder dos burocratas no Estado boliviano, pois por um lado, a redução dos preços de minerais como o zinco, o chumbo, e principalmente o estanho e hidrocarbonetos, diminuirá a arrecadação do Estado boliviano e consequentemente debilitará a disponibilidade de recursos econômicos, promoverá o desemprego massivo no setor mineiro, o que colocará em risco a aliança de Evo Morales com o setor de cooperativas de mineiros, como também, no plano internacional, a aparente queda do preço do barril de petróleo deixa mal situado o principal aliado de Morales na frente internacional: Hugo Chávez.
Nestas circunstâncias de queda dos preços das matérias primas que tradicionalmente a Bolívia exporta, surge a dúvida sobre a capacidade de sustentabilidade do projeto de fortalecimento burocrático boliviano, porque paralelamente houve redução de lucros, mas até agora o volume das exportações se mantiveram invariáveis e só aumentavam os rendimentos fiscais por inércia, devido ao alcance dos preços internacionais que agora estão caindo.
Definitivamente, a burocracia só é considerada forte enquanto mantém em suas mãos uma vasta clientela que possa engordar com cargos, empregos e quotas de poder, que exige uma expansão do Estado, mas sem dinheiro, sem cargos e sem favores as assembléias sindicalistas e corporativas que sustentam o governo de Evo Morales desapareceram de imediato, pois como já se sabe a aliança construída por eles não se sustenta em bases ideológicas, nem em princípios revolucionários, como costumam discursar aos quatro ventos.
Pretexto não faltará para que as máfias dos sindicatos deixem de apoiar Evo Morales. Recentemente um dos mais sérios questionamentos que seus aliados vêm fazendo ao seu governo é de ter negociado com a "Media Luna" e o partido de direita Poder Democrático e Social (PODEMOS), a redação de mais de 100 artigos dos 411 que tem o projeto de Constituição Política do Estado, transferindo competências garantidas por lei e sem a menor participação dos membros da Assembléia Constituinte, que servem somente para dar um ar democrático a construção da nova Constituição Política, mas que de fato foram apenas "esquenta bancos" que aprovaram as diretrizes dos partidos políticos dos quais dependiam formal ou informalmente.
No momento, Morales desfruta de seus instantes mais felizes desde que assumiu o governo, tendo derrotado temporariamente seus principais opositores da "Media Luna" e PODEMOS, conquistando a simpatia e aproximação de alguns membros dessas forças e possível aprovação de seu projeto e o referendum será um mero ato para cumprir os trâmites legais.
No entanto, cabe a pergunta: Morales poderá manter a seu lado as máfias de sindicatos e corporativas no contexto da crise econômica? De fato, no panorama político, econômico e social tem um reforço maior das contradições de classe, que até o instante foram contidas pela demagogia oportunista dos sindicatos aliados a Morales, mas isso tem limites, ainda mais quando o contexto é de crise, onde cada palavrinha demagógica será desvendada diante das necessidades expostas, agora que a hegemonia de Morales é evidente.
As longas filas para adquirir produtos de primeira necessidade como o arroz, óleo, pão ou gás são cada vez mais frequentes , elevando também o preço dos alimentos, constatando que as políticas de subsídios que o governo aplicou temporariamente são bastante insuficientes. Por outro lado, setores da panificação, de transportadores e de mineiros assalariados estão preparando mais uma onda de protestos.
E à esta situação se somam os operários industriais têxteis que temem demissão massiva de suas fontes de trabalho, porque o governo boliviano não conseguiu renovar o convênio de preferências tarifárias com os Estados Unidos. Com isso, reduziram as exportações têxteis desse país, o que demonstrou uma política de confronto com a potência imperialista totalmente inconsciente, pois enquanto demagogicamente se expulsava o embaixador ianque e por debaixo dos panos negociava com o imperialismo, o governo de Evo Morales mostrou que não tem uma verdadeira alternativa política e econômica frente ao imperialismo, mas segue o discurso pseudo-revolucionário.