Três anos se passaram desde que Evo Morales assumiu a presidência da Bolívia. Para trás ficaram os velhos e conhecidos discursos que costumam ser feitos no início do governo criticando os governos de seus antecessores, de corruptos e ineficientes que eram, insinuando que a história ou uma nova história se iniciava com o ingresso do novo presidente.
No caso de Morales, as promessas, bem como as expectativas, se elevaram como espuma por uma série de motivos: o primeiro, a promessa de mudança revolucionária de maneira pacífica, através das eleições, o apoio dos chamados "movimentos sociais", suas posturas de fachada por atraentes discursos anti-imperialistas, antineoliberais e o principal deles sendo utilizado até a sua saturação, de ser o primeiro presidente indígena e surgido de uma das muitas áreas paupérrimas da Bolívia.
Algumas daquelas promessas se destacavam como as seguintes:
- Redução dos salários do presidente, ministros e parlamentares.
- Nacionalização dos hidrocarbonetos.
- Nova Constituição Política do Estado.
- Transparência na luta contra a corrupção e eliminação dos gastos de reserva.
- Alfabetização.
Depois de 3 anos temos plenas condições de apontar com segurança, que grau atingiu ou não tão ambiciosas promessas, ou se simplesmente não passavam de mais uma conversa fiada demagógica, como da mesma forma é de praxe dos governantes da América Latina.
Evo Morales mal ingressou e propôs a redução dos salários dos mandatários dos maiores níveis hierárquicos, entre eles o dele, para a metade do que ganhavam anteriormente, com isso, reduziu como efeito dominó os salários nas instâncias burocráticas de menos importância hierárquica. No entanto, à margem desta redução salarial demagógica, a hiper-corrupta nova elite boliviana se compensou e recuperou de fato cada centavo e muito mais através de "álibis" e complexos mecanismos de corrupção que abundam no novo atual governo.
Por outro lado, o controle do gasto público é inócuo e inútil quando se expande a limites estratosféricos a clientela burocrática dentro do governo. De fato, o Poder Executivo do Estado boliviano alcançou o recorde histórico em número de ministérios — que agora são 20 — muitos desses sem grande importância nas tarefas política, econômica, nem sequer cultural do país. Sua existência só se justifica como forma de acalmar os ávidos desejos desta vasta clientela — chamada inegavelmente de militância ou bases — por ocupar espaços no poder para pressionar os dirigentes do partido do governo, o MAS, das maneiras mais imprevisíveis, inclusive várias vezes ocorreram bate-bocas e pontapés entre os dirigentes dos "movimentos sociais" que acompanham este governo no marco do que autodenominam "processo de mudança".
Além disso, não se sabe sobre o desaparecimento das tão mencionadas Superintendências, cuja existência na organização político-administrativa dentro do Estado boliviano se explicava sob a lógica neoliberal que as concebia como regulamento e controle das atividades econômicas privadas, principalmente estrangeiras. Estas instituições também foram tomadas pela massa clientelista do MAS e sua existência se justifica por garantir as cotas de poder dos "movimentos sociais", isto é, permite cobrir sem desarrumação os custos da cooptação de muitos movimentos sindicais e organizações sociais.
Quanto à nacionalização dos hidrocarbonetos, também não deixou de ser um discurso barato que não afetou de forma significante os interesses das transnacionais petroleiras que operam no país. O discurso serviu somente para regatear o incremento de impostos ou das chamadas regalias.
Serviu também de pretexto para aumentar a burocracia ao se rearticular a empresa estatal petro leira Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), na qual segundo os informes do próprio governo do MAS, não só empregou seus partidários, como também um agente da CIA, que se infiltrou na YPFB para informar ao governo do USA detalhes das atividades da empresa, apesar de ser somente uma agência arrecadadora de impostos e dilapidadora dos cada vez mais escassos ingressos, devido a queda dos preços internacionais dos hidrocarbonetos.
No seio da YPFB foi revelado o maior caso de corrupção — até o momento — do governo dos "movimentos sociais", perpetrado nada mais nada menos que pelo ex-senador do MAS, Santos Ramírez, um homem de confiança de Evo Morales, que nos primeiros anos desta década clamava por transparência na gestão dos recursos naturais, principalmente os hidrocarbonetos da Bolívia.
Mesmo assim, as autoridades do MAS continuam mantendo a velha promessa de investir 1 bilhão de dólares para a refundação da empresa estatal YPFB, cujo burocratismo, parasitismo e corrupção estão amplamente escancarados.
Na ocasião da promulgação da Nova Constituição Política do Estado, o que viabiliza esta constituição é a afirmação do partido do governo com o uso de artifícios do poder dentro dos próximos anos, conseguindo fortalecer o caráter corporativo do Estado boliviano, dotando alguns sindicatos e organizações indígenas cooptados de presença formal dentro da mesma estrutura estatal. Um exemplo disso é a criação de uma cota indígena dentro do parlamento boliviano, tendo como critério para classificar uma pessoa como indígena pertencer as "organizações indígenas" aliadas e conduzidas pelo MAS.
Um dos pontos centrais na discussão da Nova Constituição Política do Estado era o reconhecimento de funções territoriais às organizações camponesas e indígenas. Mesmo assim, no texto final da Constituição foi cortada toda a possibilidade de autonomia aos governos comunais. A tendência do reconhecimento da autonomia indígena que enfoca a Constituição está baseada em critérios folclóricos, quando não reforçam as alianças coorporativas do MAS e certas organizações indígenas.
Outro dos pontos latentes da Constituição tratou do tema da extinção do latifúndio. Na realidade os critérios argumentados foram vazios, sem um esclarecimento prévio dos fundamentos teóricos, econômicos e políticos, fazendo com que houvesse uma discussão inadequada, sem o mínimo de parâmetro para se definir o que é latifúndio, a decisão a ser eleita estava entre 5 e 10 mil hectares, ficando definida em 5 mil hectares. O mais curioso, porém, é que a Constituição não tem efeito retroativo, os direitos dos atuais proprietários de terras que possuem acima de 10 mil hectares serão respeitados. Uma verdadeira demonstração de cinismo, já que na Bolívia todas as terras têm proprietários, apesar da desatualização do cadastro rural. Com isso será algo absurdo buscar ou frear o aparecimento de novos proprietários de terras com extensão superior aos 5 mil hectares.
Sobre a Transparência, a Luta contra a corrupção e o fim do desperdício dos gastos públicos, em três anos este mal se alastrou pela maioria das instâncias governamentais e partidárias do MAS, como já foi citado anteriormente. A corrupção não foi descoberta apenas na YPFB, mas também dentro da Administradora de Estradas da Bolívia (ABC), presidida por Pat rícia Ballivián, e a empresa estatal arrecadadora de pedágios (Vias Bolívia), o Serviço Nacional de Migração com o tráfico de liberação de passaportes bolivianos a cidadãos chineses, envolvimento de altas autoridades governamentais e altos dirigentes dos "movimentos sociais" aliados ao governo do MAS com o contrabando em diversos postos de fronteira do país.
Por enquanto é o processo de alfabetização que aparece como principal êxito do MAS, conseguindo alfabetizar aproximadamente 1,2 milhão de pessoas, a maioria delas das áreas rurais e na faixa etária acima dos 15 anos. Ainda que represente um significativo resultado num primeiro momento, a verdadeira avaliação só se verá daqui a algum tempo, porque a principal causa que impede a consolidação da alfabetização, além do ensino das primeiras letras e números a todas as pessoas, sem dúvida é a continuidade destes programas no decorrer do tempo.
De fato, grande parte dos atuais analfabetos num determinado momento foi alfabetizada, porém, o caráter efêmero destas políticas fez com que muitos alfabetizados de ontem, se transformassem em "analfabetos funcionais", que pelo desuso da leitura e da escrita com tempo se esqueceram daquilo que lhes foi ensinado.
O programa "Yo sí puedo" (Sim, eu posso) foi o responsável pela alfabetização de 1.200.000 pessoas, com um corpo de 70 mil alfabetizadores coordenadores, supervisores e facilitadores entre bolivianos, cubanos e venezuelanos que atuavam pelo marco de um convênio da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), através de recursos áudio-visuais que Cuba aplica há 40 anos em 17 países: Venezuela, Haiti, Argentina, México, Equador, Bolívia, Peru, Panamá, Guatemala, Uruguai, Honduras, Nicarágua, Moçambique, Colômbia, Granada, Guiné-Bissau e Timor Leste.
Em todo caso, o governo boliviano estaria atribuindo "que os milagres são produtos de ave marias alheias", porque o grande mérito de Evo Morales foi ter deixado o corpo de coordenadores e profissionais cubanos e venezuelanos trabalhar na Bolívia em condições ainda não esclarecidas, mas que conseguiram em três anos este impressionante número de alfabetizados, já reconhecido pela UNESCO. Mesmo assim restam duas grandes dúvidas: 1) Quais são os parâmetros para considerar que uma pessoa está realmente alfabetizada? 2)Esta alfabetização será suficiente ou será como várias experiências de alfabetização na Bolívia, terminará formando analfabetos funcionais1?
A primeira pergunta deveria estar disponível nos diversos portais da internet ou da UNESCO que garantem o método "Yo sí puedo", um ato mínimo de transparência não ficaria mal. Quanto à segunda pergunta; só poderá ser respondida com o transcorrer do tempo, aparentemente o governo pretende seguir se apoiando nos governos de Cuba e Venezuela para um programa de continuidade chamado "Yo sí puedo seguir", sem ter feito nenhum esclarecimento sobre as condições de tal convênio, só se explica que é um marco de "solidariedade". De qualquer maneira esta política educativa não está inserida no Plano Geral de Educação do governo de Morales, cujo caráter errático alcançou o clímax quando Félix Patiz assumiu o Ministério da Educação, que se enredou num discurso "descolonizador", cujos extremos, alcances e fundamentos nunca foram coerentemente explicados.
Outros dois méritos que são atribuídos ao governo de Evo, confusões a parte, são duas medidas assistencialistas: o Bônus "Juancito Pinto", um bônus de 200 bolivianos2 por ano que é concedido às crianças do ensino fundamental por terem assistido às aulas. Os dados oficiais afirmam que este bônus não aplacou altos níveis de evasão escolar, mas serviu para angariar certa "popularidade" nas áreas mais distantes do país, onde o Estado boliviano praticamente inexiste.
A outra medida assistencialista é a aplicação da chamada "Renda Dignidade" que também é um bônus, só que de 2.400 bolivianos3 anuais que é entregue aos idosos maiores de 60 anos. Os fundos utilizados para o pagamento desta renda foram obtidos através de um corte orçamentário das prefeituras (governos departamentais ou estaduais), municipalidades e universidades, situação que implicou duros enfrentamentos contra esses setores, mas que foram superados pelo governo do MAS.
Estas medidas assistencialistas, segundo o governo do MAS, tendem a redistribuir a riqueza no país, apesar dos dados indicarem justamente o contrário, pois tal redistribuição vem se realizando num período que se tem registrado altos níveis de inflação e no qual paradoxalmente se somam 170 mil novos pobres.
1 "Yo sí puedo" não é a primeira tentativa de alfabetização na Bolívia. Em sua história vários programas foram aplicados: em 1956 — Campanha de alfabetização; em 1970 — Campanha de Alfabetização e Educação de adultos; em 1983 — Plano Nacional de Alfabetização e Educação Popular "Elizardo Perez"; em 1992-1994 — Campanha de Alfabetização: Plano de Desenvolvimento Madraga, Campanha de Alfabetização em Guarani Tetaendi e em 1997 — Plano de Alfabetização para a vida e a produção.
2 Aproximadamente R$70,54.
3 Aproximadamente R$799,51.