Poetisa, compositora, cantora, instrumentista e produtora cultural, autora do projeto Memória Musical da Paraíba, Socorro Lira cresceu ouvindo aboios e as cantorias de viola, no meio de um povo simples da roça, na zona rural de Brejo do Cruz, sertão da Paraíba, onde nasceu, sem luz elétrica e outras regalias das cidades maiores, mas de intensa cultura popular. Hoje, morando em São Paulo, traz em seu trabalho a impressão de um povo, lembrança da infância e um lado urbano adquirido, e tem levado essa cultura para várias partes do mundo.
— A vida ali na roça acontecia de forma simples. As pessoas trabalham e procuravam se divertir dentro das suas possibilidades, e era uma comunidade bastante musical. Os aboios, que é o canto dos vaqueiros, eram o som mais comum por lá, mas também tinham os sanfoneiros e violeiros, os tocadores de baiões, xotes — lembra Socorro, com alegria.
— Em casa não era diferente, porque minha mãe gostava muito de aboiar, e tínhamos um rádio, no qual ouvia Luiz Gonzaga, Marinês, Jackson do Pandeiro, enfim, um rico ambiente sonoro. Trago isso na minha canção, porque não acredito numa música desenraizada. Minha arte reflete minha realidade, e a infância está dentro de mim — declara.
— Aos quatorze anos saí do meu lugar para estudar em Brejo do Cruz. Mais tarde mudei para Campina Grande, onde cursei psicologia na Universidade Federal da Paraíba. E nesse mesmo tempo trabalhava com famílias canavieiras, nos movimentos sociais, por conta dos meus trabalhos no grupo estudantil — continua.
Quando terminou a faculdade, Socorro gravou um disco e foi se envolvendo ainda mais com movimento cultural.
— Nesse momento tive vontade de morar em uma cidade grande, para tomar contato com outros universos musicais. E como já tinha viajado para São Paulo e paquerado o ambiente, em 2004 me mudei para cá. Sem dúvida isso influenciou na minha música. Tenho um espetáculo chamado Meu Interior Urbano, de voz e violão, com uma viola e um contra baixo acústico, onde isso aparece bem — conta.
— Começo com o aboio. Declamo, canto baiões e chego em temas mais urbanos em que percebo a vida maluca que levamos aqui, e por outro lado um São Paulo generoso que recebe os migrantes e com eles também se transforma. Porque vamos modificando essa grande cidade, aos poucos, com a nossa cultura, enquanto isso ela modifica, e interfere na nossa obra. É uma relação bilateral entre migrante e cidade, que acredito ser muito rica — declara.
Quando se fala em regionalismo, Socorro tem algumas restrições. Um cuidado no sentido de não segregar culturas.
— Se por um lado o termo regional pode identificar a música de cada região, por outro, a meu ver, serve para segregar, dizendo que tal música é regional não podendo ser tocada em qualquer época do ano e em todas as rádios, aprisionando-a e separando-a dessa maneira. Creio que o universo nordestino que canto está inserido no contexto de Brasil e de mundo, e não algo isolado — explica.
— E é interessante que seja assim, que um coloque sua vivência, suas raízes naquilo que faz, para enriquecer culturalmente o povo em geral. Tem muita gente para cantar o amor, isso é muito bom, mas a vida não se faz só de amor, ela também se faz de lutas. Então eu e outros companheiros temos algumas particularidades para cantar, que estão de alguma maneira inseridas no contexto de região, mas, cantamos a vida. E a vida do ser humano é a vida de qualquer parte — acrescenta.
MPB de todo o Brasil
Socorro Lira observa que as músicas de São Paulo e Rio de Janeiro são as únicas no país que não são consideradas regionais.
— Digo que existe uma música popular brasileira em cada canto desse país, mas é a desses grandes centros que aparece, para o resto do país, como música popular brasileira. As dos outros estados ficam restritas a regionais. Mas isso é porque são nesses estados que estão as emissoras de TV e rádio que mandam no país, e sempre mandaram — fala.
— Respeito os gêneros musicais nascidos no Brasil inteiro, porque acredito que fazem parte da impressão de uma vida, de um povo, mas são feitas para serem ouvidas por todos os brasileiros. Hoje toco muito com amigos daqui de São Paulo, trocando experiências. São músicos urbanos, que nasceram aqui, e tenho uma relação preciosa com todos esses — continua.
— Acredito que primeiro sou uma pessoa e depois faço o que faço. Não sou aquela artista, digamos, de espetáculos, e sim uma pessoa que tem a arte como função e forma de expressão. Sou uma operária da arte, servindo à cultura brasileira, e dentro das minhas possibilidades. Modestamente vou levando a vida, dando minha colaboração — declara.
Neste momento Socorro conta que está fazendo trabalhos que vão desde cuidar da produção de seus shows, discos e projetos próprios, até produzir discos e projetos para colegas.
— Estou trabalhando em shows o meu disco Lua Bonita, que é uma homenagem a Zé do Norte, um importante compositor paraibano que viveu no Rio de Janeiro. Há pouco houve a comemoração pelos seus cem anos — conta.
— Tenho vários convidados nesse trabalho, entre eles a Vanja Orico e o Geraldo Azevedo, e estou viajando com ele por muitos lugares. Em agosto começarei a circular no circuito SESI de São Paulo. E sigo tocando e me apresentando em outros shows, ora com parceiros, ora sozinha — continua Socorro, que tem cinco CDs lançados, todos com músicas de sua autoria.
— E estou me preparando para uma viagem para a África. Ficarei dois meses por lá, passando por vários países. Vou para a África do Sul, depois Angola, Moçambique, entre muitos outros. Inclusive estou trabalhando na edição de um vídeo documentário sobre o coco de roda de Caiana dos Crioulos, um quilombo lá da Paraíba, para levá-lo para lá, e tentar estabelecer uma ponte entre a Paraíba e Angola/Moçambique. Creio que esta será uma experiência muito bacana para mim, como pessoa e artista — finaliza Socorro.
Para entrar em contato com Socorro Lira e adquirir seus trabalhos: www.socorrolira.com.br