Dedicamos este espaço para as manifestações dos que lutaram e tombaram e dos que seguem lutando. AND prosseguirá publicando pronunciamentos e declarações dos ex-presos políticos, torturados, militantes, familiares dos assassinados e ‘desaparecidos’ pelo regime militar-fascista. Esperamos que com isso a imprensa democrática e popular sirva como tribuna da luta pelo fim da impunidade e por justiça.

Vera foi impedida de discursar no ato da Comissão da Verdade
Tentaram calar a voz de Vera Paiva, filha de Rubens Paiva, engenheiro civil e deputado federal, assassinado nos porões do regime militar-fascista em 1971. Os facínoras agentes do velho Estado, que nas câmaras de tortura seviciaram centenas de brasileiros no afã de arrancar delações e informações para usá-las contra o povo, dessa vez impediram a filha de um lutador de falar e exigir que os torturadores e assassinos do regime militar sejam julgados e condenados.
No dia 18 de novembro, durante o ato em que Dilma Rousseff sancionou a dita Comissão da Verdade, o pronunciamento de Vera Paiva foi cancelado. Segundo o Instituto Helena Grecco de Direitos Humanos e Cidadania, o cerceamento da voz de Vera Paiva foi articulado pelo ex-deputado e “guerrilheiro” arrependido José Genoíno, membro da direção do PT, assessor do Ministério da Defesa e documentadamente reconhecido pelo ato de delação contra a guerrilha do Araguaia.
Ele teria alegado que a fala de Vera poderia “constranger e desagradar os militares presentes na cerimônia”.
O que segue são trechos das anotações da fala preparada por Vera Paiva:
Sexta-feira, 18 de novembro de 2011, 11:00. Palácio do Planalto, Brasília.
“Ao enfrentar a verdade sobre esse período, ao impedir que violações contra direitos humanos de qualquer espécie permaneçam sob sigilo, estamos mais perto de enfrentar a herança que ainda assombra a vida cotidiana dos brasileiros. Não falo apenas do cotidiano das famílias marcadas pelo período de exceção. Incontáveis famílias ainda hoje, em 2011, sofrem em todo o Brasil com prisões arbitrárias, sequestros, humilhação e a tortura. Sem advogado de defesa, sem fiança.
Em março desse ano, na inauguração da exposição sobre meu pai no Congresso Nacional, ressaltei que há exatos 40 anos o tínhamos visto pela última vez. Foi preso em casa quando voltava da praia, feliz por ter jogado vôlei e poder almoçar com sua família em um feriado. Intimado, foi dirigindo seu carro, cujo recibo de entrega dias depois é a única prova de que foi preso. Minha mãe, dedicada mãe de família, foi presa no dia seguinte, com minha irmã de 15 anos. Ficaram dias no DOI-CODI, um dos cenários de horror naqueles tempos. Revi minha irmã com a alma partida e minha mãe esquálida. De quartel em quartel, gabinete em gabinete passou anos a fio tentando encontrá-lo, ou pelo menos ter notícias. Nenhuma notícia.
Apenas na inauguração da exposição em São Paulo, 40 anos depois, fizemos pela primeira vez um Memorial onde juntamos família e amigos para honrar sua memória.
HOJE, CONSENTE QUEM CALA.
Se a Comissão da Verdade não tiver autonomia e soberania para investigar, e uma grande equipe que a auxilie em seu trabalho, estaremos consentindo. Consentindo, quero ressaltar, seremos cúmplices do sofrimento de milhares de famílias ainda afetadas por essa herança de horror que agora não está apoiada em leis de exceção, mas segue inquestionada nos fatos.
O Brasil foi o último país a encerrar o período de escravidão, os recentes dados do IBGE confirmam que continuamos um país rico, mas absurdamente desigual… Hoje somos o último país a, muito , mas com esperança, começar a fazer o que outros países que viveram ditaduras no mesmo período fizeram. Somos cobrados pela ONU, pelos organismos internacionais e até pela Revista Economist, a avançar nesse processo.
E que hoje, quem cala, consente, mais uma vez.”