A farsa eleitoral em si mesma aconteceu em outubro do ano passado, mas o desfecho do processo eleitoreiro dominado pelo poder econômico só aconteceu no dia 1º de janeiro deste ano, com a posse dos novos gerentes dos municípios. O desfecho não poderia dizer mais e melhor sobre a “democracia” e o sufrágio burgueses: depois das promessas de maravilhas mil e de investimentos sem fim nos serviços públicos que costumam povoar as campanhas eleitoreiras de políticos que se acotovelam pedindo o voto do povo, o que vem é arrocho e desrespeito com os trabalhadores.
Novos gerentes municipais de capitais brasileiras, como ACM Neto, em Salvador, Arthur Virgílio, em Manaus, e Geraldo Júlio, no Recife, assumiram suas funções para o próximo quadriênio falando em “apertar o cinto”, “corte de gastos” ou “cortar na própria carne” para se referir ao arrocho que pretendem implementar (na verdade, intensificar) nos próximos meses, nos próximos anos.
Isso sem contar as medidas tomadas pelos gerentes no apagar das luzes dos seus mandatos, no fim de 2012, como o aumento das passagens de transportes públicos em Belo Horizonte, cujo prefeito “reeleito” assinou no primeiro dia do seu novo mandato um aumento de até 34,15% nos salários dos vereadores e dos integrantes do alto escalão do executivo.
Mas o arrocho de maior porte entre as capitais dos estados brasileiros foi anunciado na cidade do Rio de Janeiro, onde Eduardo Paes, também “reeleito”, cacarejou “maior rigor” com o funcionalismo público e decretou um verdadeiro pacote de austeridade carioca que visa economizar para a prefeitura até R$ 1,5 bilhão em um ano e meio.
Enquanto arrocha o funcionalismo e corta nos serviços públicos, Paes alavancou o “investimento” da sua Secretaria de Obras, de R$ 700 milhões para nada menos do que R$ 4 bilhões, mas isso certamente nada tem a ver com o fato de que grandes empreiteiras foram as principais doadoras da sua campanha à reeleição…
‘Construtoras, é?’
E vejam o que disse o próprio Paes em setembro do ano passado quando perguntado sobre esse fato: “Construtoras, é? Eu confesso que não sei nada da minha prestação de contas, isso você tem que ver com o coordenador da campanha. Sou contra [o financiamento público] porque acho que é tirar dinheiro da saúde e da educação para pagar panfleto para candidato”.
Outros decretos do prefeito carioca — do gerente de turno da velha política de achaque aos trabalhadores, das benesses para as empresas amigas e da repressão aos pobres na cidade do Rio de Janeiro — servem apenas para mascarar, a nível municipal, a total inoperância, inabilidade, incapacidade e desinteresse do velho Estado em fazer qualquer coisa em prol do povo, caso do decreto que institui a identificação biométrica de trabalhadores da rede municipal de saúde.
Este decreto foi incluído por Paes no seu pacotão de medidas pós-posse depois da grande repercussão do caso do neurocirurgião irresponsável que faltou (na verdade, vinha faltando) ao seu plantão no Hospital Municipal Salgado Filho, fazendo com que uma menina de dez anos baleada na cabeça esperasse por atendimento horas a fio, até a morte.
Paes passou então a culpar o médico irresponsável e faltoso por todos o caos na saúde pública do Rio. Mais fácil fazer isso do que explicar como os hospitais municipais do Rio de Janeiro vão melhorar logo no momento em que o prefeito manda cortar gastos em todas as secretarias da prefeitura, incluindo a secretaria de saúde.
“Esse desvio do foco do assunto, falar que precisava de dois neurocirurgiões, neurologistas, isso é tudo besteira”, disse Eduardo Paes em entrevista à Rede Globo no último dia 2 de janeiro, demonstrando profundo desprezo pelos serviços públicos essenciais que o Estado (não) presta à população.