Uma das grandes questões que a democracia revolucionária em nosso país deve empenhar-se em elucidar e tornar claro ao povo é quanto ao caráter e significado do processo eleitoral brasileiro, o papel chave que passou a desempenhar para a manutenção do sistema de exploração e opressão, segundo os interesses imperialistas. As recentes eleições e todo o ambiente que as cercam constituem-se um abundante material de investigação para responder corretamente a estes problemas. Exatamente porque, nunca o Estado e suas instituições, do parlamento à imprensa, se empenharam tanto em glorificar as eleições como a expressão da "democracia brasileira". Mais que isto, da "maturidade e fortalecimento da democracia" no país. Tudo isto é um plano, um ardil e exige uma luta por desmascará-los.
De uma forma geral todos os partidos políticos, independentemente de como se autoqualificam ou de como são qualificados pelos meios de difusão, brandiram a todos pulmões e em uníssono o canto das eleições como a "grande festa democrática". Nunca se viu a existência do aparelho da justiça eleitoral movimentar-se tanto, particularmente através da mídia, para alardear a todos os "cidadãos" o seu direito do dever de votar. Realmente, o TSE, com o sr. Nelson Jobim à cabeça caprichou nas vinhetas que disputavam mesmo com as criações dos iluminados marqueteiros.
É fato notório, desde que os militares foram afastados da administração do Estado e retomou-se a via eleitoral para a escolha do presidente da República, pleito após pleito, o marketing eleitoral passou a nos ofertar verdadeiros paraísos como programa de realizações dos candidatos. É de encher os olhos toda a maravilha de panoramas radiosos com pessoas bem vestidas e nutridas saltitando alegremente e confiantes num Brasil de felicidades.
O TSE não ficou para trás com sua modernização e tecnologia eleitoral, a urna eletrônica e seu inesquecível jingle "vota Brasil, chegou a hora!!!" martelando dia e noite pela televisão e rádio. Não se pode deixar de ressaltar um elemento que pode passar despercebido como algo comum: cada inserção de apelo ao direito do dever de votar e de adestramento de como votar na urna eletrônica, sutilmente finalizava alertando "não esqueça de levar sua cola, anote os nomes e os números de seus candidatos". Também nunca vimos uma instituição esforçar-se tanto para parecer tão democrática, tão interessada e empenhada na participação do povo nas eleições. Tantas boas ações que chegam mesmo a convencer que estamos noutro Brasil, anos luz distante das trevas do regime militar fascista instalado para assegurar o poder para os mesmos burgueses, latifundiários e imperialistas que estão onde sempre estiveram.
Mal surgiam os primeiros resultados das urnas do primeiro turno e a mídia em coro comemorava em letras garrafais: "cai abstenção e votos nulos e brancos", "políticos das oligarquias foram rechaçados". Com mais ênfase ainda celebravam: "inegavelmente o Brasil mudou. O eleitorado amadureceu, é o amadurecimento e fortalecimento da democracia no país". De forma geral, tem sido unânimes todas as análises em notas e editoriais dos maiores jornais, dos comentaristas políticos das emissoras de rádio e televisão, sem faltar, claro, a apreciação de nossos respeitados especialistas, os cientistas políticos. Enfim, aplausos para nossa democracia e seus promotores. Até o povo desta vez foi elogiado, fato raro nesses meios, ressaltando-se que ele "amadureceu".
O que pretendem fazer passar por análise objetiva, como não podia deixar de ser, nada mais é senão que uma forma de manejar os fatos no sentido da tese em voga do fortalecimento da democracia. Assim, o balanço das eleições aparece como chuva de confetes sobre o processo eleitoral como comprovação da democracia brasileira e o vilipêndio de conhecidos políticos derrotados como Maluf, Newton Cardoso, Orestes Quércia, Brizola, etc., para abrilhantar mais o balanço. Quanto à eleição de Luiz Inácio Lula para presidente dão uma no cravo outra na ferradura. Dizem que a democracia amadureceu e que o novo presidente assumiu honrar todos compromissos com o FMI, sobre o superávit primário, com o controle da inflação, a estabilidade da moeda, etc. Aí se divide a mídia: parte trabalha para condicionar o novo governo batendo desde já e parte age martelando para toda sociedade que ele está comprometido em cumprir o anunciado.
Há que tomar tudo isto com bastante atenção porque aí se oculta a verdade. Faz-se necessário examinar um a um estes artifícios a partir da análise de classes de nossa sociedade, da análise do caráter de classes do Estado brasileiro, do seu sistema político, das suas instituições, dos partidos políticos e suas personalidades.
Há que começar por revelar que o que se esconde por trás da fachada caiada que carimbam como democracia não passa da estrutura apodrecida de um Estado em decomposição. Estado este que é instrumento das classes reacionárias que há mais de século, se estruturaram em poder a partir da herança do domínio colonial escravocrata, num sistema social que evoluiu lentamente como um capitalismo burocrático, atrasado, que mantém secularmente o povo sob a mais feroz exploração, que restringe ao máximo sua liberdade e submete o país à condição semicolonial. Nas bases deste sistema estão as causas de todo o atraso e subjugação internacional do país e da miséria e desolação de nosso povo.
Um sistema dominado pelos monopólios onde o imperialismo norte-americano assenhoreou-se do controle a partir da Segunda Guerra Mundial, principalmente, aprofundando essa dominação ao extremo nos dias atuais. A grande burguesia brasileira, juntamente com a classe de latifundiários, para realizar seus interesses servindo ao imperialismo, principalmente norte-americano tem, ao longo de décadas, moldado uma forma estatal na qual de democracia só mesmo o nome se assemelha. E isto se dá por uma razão simples, a necessidade da manutenção desta dominação. De forma que o Estado brasileiro é expressão direta desta condição. Conforme a gravidade da crise de dominação gerada pelas crises econômicas, pela luta de classes antagônicas e pugnas entre as diversas frações dessas classes dominantes, o Estado assume um sistema conveniente de governo, sem tocar sequer o sistema de poder. Assim tem sido quase que em ciclos, os pequenos períodos de escassas liberdades democráticas entremeados por períodos mais longos de regimes militares fascistas.
Democracia imperialista
A democracia em nosso país nunca tem passado de simulacros e caricaturas de democracia. Basta que a participação popular ganhe expressão impondo um alargamento democrático para que as parcas liberdades e direitos sejam varridos a ferro, fogo e sangue. Isto é fato. Durante todo o século XX Estados Unidos interviu em muitos países através de invasões militares, promovendo golpes militares, o assassinato de mandatários, além das inúmeras guerras, para impor sua vontade assegurando no poder de Estado essas classes reacionárias que lhe dão suporte. Já na fase final da "guerra fria", para preparar seu manejo ideológico-político de neoliberalismo levantaram a bandeira de defesa dos "direitos humanos" e de "eleições livres". Não podia mais defender "democracia" sustentando os regimes gorilas.
A defesa da "democracia", as "eleições livres", a defesa dos "direitos humanos" passou ser a via para manter seu domínio. E isto por si só, nos parece claro, é revelador do seu caráter. Para tal propósito tornou-se crucial sustentar e manter toda uma farsa a exemplo do que se faz no próprio Estados Unidos.
Nos últimos vinte anos, em nosso país, têm sido experimentados planos econômicos encabeçados por diferentes partidos, como forma de salvar e manter o sistema de exploração. O processo eleitoral brasileiro como expressão da inexistência de democracia, senão de arremedos de direitos, serve exatamente à essa lógica de aparentar democracia e meio para dirimir quem — por uma fração das classes dominantes — vai administrar a exploração e subjugação do país. Não podendo mais governar como antes, é necessário às classes dominantes locais serviçais do imperialismo apresentar a cada eleição um "novo" plano para o engano das massas.
Com a crise econômica crescente e sem perspectivas de saída nos próprios marcos, imerso na crise mundial de todo sistema capitalista em marcha para uma grande bancarrota global, as contradições entre as diferentes frações das classes dominantes se agudizam e potencializam crises maiores ainda. As classes dominantes não podendo unir-se mais como antes, como nos períodos de expansão do sistema, vêem-se obrigadas a fazer manobras arriscadas. Mas, desde que tudo siga o figurino nada de grande importância ameaça ao sistema de dominação. A grande questão sempre é o controle sobre as massas exploradas, de como tangê-las, principalmente nos momentos de crises, como controlar sua rebeldia. Canalizar todo seu descontentamento para as vias institucionais e obrigá-las a comportar-se dentro de seus limites tornou-se a forma por excelência de exercer a dominação, mediante a inevitabilidade das crises. Neste sentido essas eleições são a forma adequada de controle ao criar um sistema de partidos políticos, destacando-se o monitoramento de uma oposição, a domesticação de partidos de "esquerda", enfim um conjunto de regras que expressam exatamente a falta de democracia.
A nossa sociedade está dividida em classes sociais, em que as dominantes, que segundo a sua condição de proprietária dos meios fundamentais de produção exerce todo o poder político e submete as restantes, não proprietárias e expropriadas, à exploração do seu trabalho na produção da riqueza e as oprimem por todos os meios para assegurar sua dominação. O Estado não é senão o aparelho administrativo-burocrático-policial-militar para realizar de forma permanente esse domínio. Nas eleições, os partidos políticos que se submeteram a este sistema, não importa que nome levem ou em que setor da população colham seus quadros, dirigentes e militantes, farão o papel de contendores por um modo de administrar o sistema. Ao fazerem isto legitimam e concorrem na defesa do sistema de dominação, ainda que apregoem mudanças a favor do povo. Em nosso país e nos dias atuais, mais do que nunca se tornou decisivo para a perpetuação deste sistema cruel de exploração e opressão do povo e subjugação da Nação Brasileira, sua legitimação como democracia, através dos artifícios de uma bem arquitetada farsa.
Então, o caráter de classes do Estado, de todas suas instituições, da imprensa e dos partidos políticos que o integram, é o das classes de grandes burgueses e latifundiários serviçais do imperialismo, mas principalmente do norte-americano. Os partidos políticos e os políticos proeminentes são em geral a expressão concentrada desta dominação em suas diferentes frações, bailando no controle do aparelho de Estado segundo o grau de crise objetiva na economia e na política. E é exatamente isto que tergiversa e elude a mídia com sua manchetes, editoriais e comentários. São os ossos de seu oficio. É o seu papel de escribas da colônia. De qualquer forma, com este ocultamento da verdade, só expressa toda a podridão do que quer dar status de "democracia".
De fato não há democracia alguma. É preciso que gritem que as abstenções e votos nulos e brancos estão caindo, precisam brandir isto para esconder a verdade. De fato segue como tendência a rejeição a essa farsa eleitoral como expressão do rechaço a todo este sistema de exploração e opressão do povo e subjugação da nação. O que ocorreu neste pleito, mais que noutros, foi a mais brutal e sofisticada repressão ao direito e à liberdade de expressão. Primeiro, pelo monopólio da mídia, pelas manipulações descaradas das chamadas pesquisas de opinião; segundo pelo condicionamento e constrangimento a votar e votar em algum candidato. É o primeiro direito, na história do direito, que é dever ao mesmo tempo para um mesmo indivíduo. Na verdade pior, é um dever, uma obrigatoriedade que querem passar por direito.
Democracia podre e fascismo sofisticado
A propaganda crescente e massacrante como pressão para que se vote, diz que votar é votar em algum candidato. Daí a receita da cola manhosamente apresentada como uma ajuda e ensinamento ao povo a votar corretamente. O direito de escolha, a liberdade de escolher desapareceu e só existe na propaganda. Como um fascismo que corporativisa as massas o sistema trabalha pela perpetuação do sistema. Toda esta orquestração maquiavélica revela o temor dos círculos de poder ao rechaço popular. Afinal, são 38 milhões (eleições de 98) e os 30 milhões e 28 milhões (primeiro e segundo turnos respectivamente) de insubordinados. Uma Argentina inteira que diz não. De fato não há democracia alguma nesta fanfarronada democrática.
É também para dar um lustro nessa pantomima toda que alardeiam a derrota de oligarcas. Cadê, onde? Ora, ora, Paulo Maluf, Orestes Quercia, Newton Cardoso, Brizola, na escala de importância com que costumam qualificar e enumerar as pessoas, estes aí estavam por baixo já faz anos. E essa de oligarquia derrotada, como é possível se a mídia segue intacta e ditando a política! Afinal, o fato do presidente eleito dar horas de presença nos estúdios da Globo e seu Fantástico, são apenas coisas de praxe. De fato, as oligarquias para seguir dominando, após mascar os políticos que lhes servem, cospem fora o seu bagaço e começam a engolir os novos enganadores do povo e a mastigá-los. Por acaso o sr. Paulo Maluf não foi durante tantos anos apresentado no primeiro plano por esta mesma mídia? De quando data sua iniciação na carreira de corrupto? Ah sim, não sabiam à época! Claro!
Essa tese podre de fim das oligarquias é para proteger seus novos representantes e encobrir o seu domínio. Quando ACM foi obrigado a renunciar, gritaram: acabou-se o coronelismo no Brasil! Quando a mesma mídia, a mando do poder palaciano, trucidou a candidatura rebelde do PFL, gritaram: vejam só o PFL não é o que se fazia crer, não passa de um partideco regional em desaparecimento. As urnas e a democracia tão decantadas por essa democrática máquina de desinformação revelaram o PFL em seguida do PT, como os partidos que mais cresceram. Interessante não? Não há um pingo de democracia em tudo isso que querem fazer crer democracia.
A farsa de democracia em nosso país não pode conduzir por suas vias senão ao engano e ao simulacro de mudanças. Um sistema que está atado pelas vísceras ao imperialismo, guardado por uma confraria de patifes e safardanas, chupa-sangues e verdugos não pode evoluir em democracia. Ele precisa ser removido, abolido por completo e só o pode ser pelos explorados e oprimidos que edificarão em seu lugar um novo Estado e uma nova democracia, ainda que tarde. A eleição de Luiz Inácio Lula através deste processo podre e corrupto tornou-se a esperança de mudanças para muitos brasileiros, assim ele prometeu com a bênção de Dom Roberto Marinho, ACMs, Sarneys e velhos personagens que têm nas mãos o sangue de democratas brasileiros. Antônio Carlos Magalhães redobrou sua força e seu controle feudal sobre a Bahia e o nordeste, ao contrário do que essa mídia mentirosa quer fazer crer com seus "fim de coronelismo", "derrota de oligarquias" e "amadurecimento do eleitorado e da democracia". Resmungam que ele voltou por cima, mas ao custo do crescimento de outras forças políticas no seu estado. Pois é, é isto mesmo. A história marcha é para a frente ao contrário do que sonham e maquinam os reacionários se utilizando de novas caras para seguir enganando, pela salvação deste velho Estado feito secularmente de opressão e opróbrio.
O que chamam de democracia e embelezam na propaganda é uma farsa, aleivosias para encobrir a miséria, a fome, a doença, a indignidade, a violência policial sobre dezenas de milhões de brasileiros e brasileiras. Não há amadurecimento de democracia coisa alguma, pelo simples fato que não há democracia alguma neste velho Estado em decomposição. Vossa democracia engendrada pelo capital financeiro internacional e o latifúndio nasceu podre nessa Terra. O povo brasileiro caçoado mil vezes como incapaz para votar é promovido agora em eleitorado amadurecido.
Enganam-se senhores! Não há mudança alguma pelo fato de se eleger um novo presidente, mesmo no caso que se lhe consagram o título de "esquerda amadurecida" e imbecis e dementes o taxem de comunista. Os meios fundamentais de produção em nosso país seguem nas mesmas mãos, o domínio imperialista norte-americano está penetrado até as vísceras do velho e podre Estado e suas honoráveis instituições.
O processo eleitoral, essas eleições, são o mais fiel retrato deste sistema decrépito. E só podemos qualificar de patético um Serra, já batido, assacar o ensebado anticomunismo para combater um presidente eleito que diz ser "a bola da vez".
Algo de novo há sim, e que se esgota, são as últimas ilusões no povo infundidas em sua mente pelos artifícios e alaridos para desorienta-lo. Já raiou mesmo a liberdade no horizonte do Brasil. E nele já se pode vislumbrar a esperança dos oprimidos. Por sua realização eles sacudirão a terra.