Fartura e terror nas terras da antiga Fundação Bradesco

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Fartura e terror nas terras da antiga Fundação Bradesco

Na esteira do terror desencadeado contra os camponeses pobres, posseiros, pequenos produtores e pequenos comerciantes do Sul do Pará, no dia 23 de novembro de 2007 a Operação "Paz no campo" chegou à antiga Fazenda Bradesco, atual Projeto de Assentamento Padre Josimo Tavares, em Conceição do Araguaia. Policiais queimaram barracos de camponeses com tudo que havia dentro. Mais de 600 alqueires de roça "vingada" estão sendo pilhados e destruídos.

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A fartura da plantação

Pelo menos 200 camponesas e camponeses despejados da área conhecida na região por "Reserva da Bradesco" participaram, no dia 08 de janeiro, em Redenção, da Audiência Pública convocada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Pará para apurar as denúncias da Liga dos Camponeses Pobres, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Redenção, Fetagri, CPT e Conselho Estadual dos Direitos Humanos, sobre as atrocidades, torturas, roubos e violações dos direitos humanos cometidas pelas forças repressivas que atuaram na operação "Paz no Campo" na Fazenda Forkilha, como denunciou, com exclusividade, a edição 39 de AND.

E as denúncias dos camponeses da Bradesco revelaram de forma cristalina todas as contradições da luta pela terra no país, tanto em seu caráter particular na região, como no geral, comprovando os argumentos que advogam a atualidade e necessidade de uma revolução agrária e democrática no Brasil.

Escravidão e semifeudalidade

O Sul do Pará é a região do Brasil que registra mais casos de trabalho escravo, Cerca de 70% dos casos denunciados ocorrem neste estado. Quase todas as grandes propriedades da região utilizam trabalho escravo ou análogo à essa situação. No segundo semestre de 2007 foi notícia a intervenção do Deputado Giovani Queiroz, do PDT, porta-voz dos latifundiários da região, para barrar a fiscalização do próprio Ministério do Trabalho (sob a gestão de seu partido) que identificava trabalho escravo na fazenda Pagrisa.

A Fazenda Bradesco é conhecida nacionalmente por sua grande extensão, cerca de 60 mil alqueires, e por seu histórico de trabalho escravo. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), foi de lá que veio a primeira notícia veiculada nacionalmente de trabalho escravo no Brasil republicano, em 1977. Na ocasião, trabalhadores que conseguiram escapar da propriedade denunciaram a situação. Inclusive, à época, denunciaram que em 1974 (período do gerenciamento militar em que ocorreu a Guerrilha do Araguaia) sessenta trabalhadores da Fazenda foram queimados vivos.

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Uma família na hora do despejo

A luta pela terra

Em 1997 (gerenciamento Cardoso, com Almir Gabriel no Pará, ano em que ocorreu o Massacre de Eldorado dos Carajás), a Fazenda Bradesco foi ocupada pela primeira vez por 800 famílias de camponeses. As famílias conseguiram ser assentadas. A gerência Cardoso, sob grande pressão internacional, propagandeava transformar o "Projeto de Assentamento Padre Josimo Tavares" num assentamento modelo para o país.

A área total do latifúndio da antiga Fundação Bradesco era de cerca de 60 mil alqueires. Mais de 29 mil ficaram para a área de reserva. O governo então convenceu os camponeses a reduzir o tamanho dos lotes de cada família, dizendo que promoveria o "manejo sustentável da floresta".

Há cerca de quatro anos (gerenciamento FMI-PT), as 400 famílias de camponeses pobres, posseiros e pequenos produtores da região, espremidas pelo latifúndio e por uma reforma agrária que nunca aconteceu, acampadas à beira da estrada, decidiram entrar em parte destes 29 mil alqueires, por ser terra pública.

— No começo, nós estávamos acampados na beira da estrada e houve um incentivo do Frei Henry, da Comissão Pastoral da Terra, e de mais um monte de gente, para que procurássemos uma terra. Uma terra para que acampássemos dentro. Nesta época éramos umas 300 famílias. Aí fomos para a Bradesco. Achamos que ela era a terra ideal para nós ficarmos — explica o camponês Lourival Almeida, que vivia na Bradesco há mais de quatro anos.

A questão ambiental

Um ano após entrarem na área, estas famílias passaram a ser pressionadas principalmente pelos órgãos federais (Incra e Ibama), sob os argumentos mais variados (um afirmando que a área era reserva do Assentamento Padre Josimo Tavares, e o outro uma reserva ambiental). No entanto, estes órgãos jamais se deram ao trabalho de identificar se a área em questão era realmente uma reserva ou se estaria destinada a futuros assentamentos.
Os camponeses chegaram a ser despejados, mas sem outra opção, retornaram à área.

Mesmo porque o tal "manejo sustentável da floresta", assumido pelo governo federal em sucessivas gerências, até hoje não deu sinal de vida.

E em todos estes anos, em que estas famílias viveram e produziram na Bradesco, elas assistiram a conivência do Incra e Ibama com madeireiros ilegais, garimpeiros e turistas, na mesma área em que eram perseguidas e ameaçadas.
Se levarmos em conta a cobiça internacional pela exploração mineral da região, capitaneada pela Vale do Rio Doce, é preciso ouvir as denúncias dos camponeses despejados de que a área "reservada" é rica em minerais como níquel, ouro e cobre, na serra que corta a propriedade.

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Fruta pisoteada pela polícia

Reforma Agrária oficial X camponeses independentes do Estado

Ainda que sem um grau de organização avançado, só pelo fato de estarem produzindo sem a tutela do Estado, as 400 famílias da "Reserva da Bradesco" prosperaram, enquanto as 800 famílias de "colonos" (como são chamados os camponeses que foram assentados oficialmente pelo Incra), não por seu caráter ou vontade (como querem os reacionários que pretendem criminalizar os camponeses que abandonam ou comercializam seus lotes) mas, por sua condição, estão literalmente falidas, afundadas em dívidas e tendo muitas vezes de apelar para o extrativismo.
Sem dúvida nenhuma, este foi um dos motivos que fizeram calar fundo durante a audiência pública as vozes dos camponeses da Bradesco:

Existe todo tipo de grão na lavoura da Bradesco — levantou a voz um dos camponeses, Raimundo de Oliveira, um senhor de mais idade, que para comprovar "suas" verdades apresentou um mapa de satélite identificando exatamente a área em que se encontravam os camponeses, vídeos e fotos das plantações, e com a coragem e dignidade que só os justos podem expressar, fez o representante do Ibama na Audiência Pública se explicar dizendo que só estava "há um ano na região".

As denúncias de outros camponeses da Bradesco não deixavam o Sr. Raimundo falar sozinho. Frutas, grãos, galinhas, porcos, gado, peixes… Alguns chegaram a contabilizar o que tinham plantado, o que ia "vingar", o que estava sendo pilhado por outros enquanto a área permanecia ocupada pelas forças repressivas do Estado.

A violência policial do Estado gerenciado pelo oportunismo

A operação "Paz no Campo" chegou ao acampamento da Fazenda Bradesco no dia 22 de novembro. Para a ação nesta área, a Polícia Federal contou com a parceria do Incra, Ibama e da Prefeitura de Conceição do Araguaia, através da Secretaria de Meio Ambiente.

Os policiais, fortemente armados, apenas avisaram às famílias que deveriam retirar todos os pertences de dentro das casas e sair da área.

— Nós não tivemos nenhuma comunicação da operação. Eles davam de 10 a 20 minutos para que nós tirássemos nossas coisas de dentro, numa época chuvosa. A gente tinha que tirar nossos mantimentos, móveis, tudo lá de dentro e colocar pra fora. Eles não nos mostraram nada e só diziam que tínhamos que resolver com o Incra, que era o responsável. Aí, nós saímos pacificamente. Quem conseguiu tirar, tirou. Quem não conseguiu, perdeu — conta Lourival Almeida.

A maior parte das 400 famílias que viviam no acampamento não conseguiu retirar todos os pertences das casas. E ali mesmo, na frente de pais, mães e crianças, os policiais colocaram fogo em tudo. Houve quem viu os documentos serem consumidos pelo fogo, assim como a comida e poucos móveis que, com muito trabalho, conseguiram adquirir. Perderam todos os pertences as famílias que não estavam no acampamento na hora da operação ou fugiram com receio da violência policial, uma vez que todos ficaram sabendo dos absurdos e das torturas de que haviam sido vítimas os camponeses da Forkilha.

— Eles queimaram as casas na nossa frente, na frente das crianças. Uma criança de três anos pedia para não queimar a casa dele, implorava, chorava, daí o policial lhe deu R$50 — afirma Lourival.

— Eles (Incra) disseram que iam tirar a gente de qualquer jeito. Lá, nós tínhamos casas de verdade e eles queimaram tudo. As famílias perderam muitos mantimentos porque pegaram chuva após a queima das casas. Nós saímos sem direito a nada — acrescenta Raimundo Alves, morador da Bradesco há mais de quatro anos.

Após o despejo violento, os camponeses decidiram ocupar a sede do Incra, em Conceição do Araguaia.

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Cinzas da casa queimada

O Incra sob gerenciamento petista

Criado pelo gerenciamento militar do velho Estado, atualmente o INCRA no Pará é administrado, em sua grande maioria, por quadros oriundos da CPT. Quase todos com militância na "luta pela terra". E como agiu?

Que respondam os fatos. As 400 famílias da Bradesco, expulsas de suas posses após instalado o terror da operação "Paz no Campo" da Governadora Ana Júlia Carepa (trotskista, "esquerda" do PT), após ocuparem o Incra, foram transferidas para uma área de aproximadamente 50 alqueires, que ainda vai ser desapropriada, toda comprometida por veneno aplicado pelo antigo latifundiário que, inclusive, já matou animais das famílias que para lá foram transferidas.

Sabedores da "questão da Bradesco" há pelo menos três anos, os "senhores" do Incra não foram capazes de providenciar neste tempo nenhuma alternativa capaz de permitir que os camponeses, ao invés de terem suas casas queimadas e suas roças roubadas, fossem ressarcidos por seu labor e transferidos para uma área em que ao menos pudessem plantar.

O Incra puniu a fartura da Bradesco com terra envenenada e cesta básica estragada, em uma região de terras férteis e latifúndios improdutivos, escravagistas e assassinos.

Hipócritas, o Incra e o Ibama impedem que os camponeses colham os frutos de seu trabalho, que estão diuturnamente sendo roubados por terceiros.

É o Estado policial, serviçal do latifúndio e da grande burguesia, impondo o terror e a miséria onde os camponeses comemoravam a fartura e a liberdade.

Fica a revolta

E enquanto as mais de 400 famílias da reserva da Bradesco que lutaram, plantaram, produziram, construíram casas, educavam seus filhos e planejavam seu futuro, e estão hoje sem nada, o Banco Bradesco anuncia lucro líquido de 8 bilhões em 2007, 60% a mais do que em 2006. E então, quem são os bandidos? E o que fazer? A resposta dos camponeses é uníssona:

— Voltar para a terra!

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