No dia 8 de setembro, o jovem Cristian Soares Andrade, de 12 anos, foi assassinado com um tiro de fuzil pelas costas na Favela de Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro. Os moradores denunciam que policiais civis e militares faziam uma operação na favela e começaram a disparar ao lado de um campo de futebol, acertando Cristian. Um vídeo gravado por um morador e publicado nas redes sociais mostra a revolta das pessoas em torno do corpo de Cristian momentos depois de seu assassinato.

Agente da Core lança bombas contra moradores que contestavam assassinato de criança
Quando a reportagem de AND chegou à Favela de Manguinhos, o corpo de Cristian ainda estava estirado no chão, cercado por policiais civis que estariam supostamente periciando a cena do crime. No entanto, moradores acusam policiais de esconderem evidências, como as cápsulas de fuzil que estavam espalhadas no local de onde partiram os tiros que mataram Cristian. Além disso, policiais dispararam gás lacrimogêneo contra a multidão enfurecida que acompanhava a perícia, causando ainda mais revolta e indignação.
Nos acessos à favela, PMs da Unidade de Polícia Pacificadora davam tiros de munição letal a esmo e moradores bloqueavam as avenidas que cercam Manguinhos erguendo barricadas com sofás e caçambas de lixo. Três “caveirões” — nome dado ao blindado da polícia — entraram em Manguinhos para reprimir a justa rebelião das massas. Nossa equipe testemunhou o momento em que policiais dispararam mais de cem tiros de fuzil em direção ao beco onde moradores protestavam. Por sorte, ninguém mais se feriu.
Enquanto isso, os veículos do monopólio dos meios de comunicação especulavam em seus programas da hora do almoço que Cristian seria um traficante, o que revoltou moradores e fez dos repórteres desses famigerados veículos mais um alvo da fúria das massas. Durante a noite, o clima em Manguinhos era de tensão e medo: comércio fechado, ruas vazias e muitos policiais nos acessos à favela. Nossa equipe foi à casa da família de Cristian, onde o clima era de luto e revolta.
— Eu não sabia que era o meu neto que estava no campo, porque se eu soubesse eu teria ido buscá-lo. Deram um tiro pelas costas do meu neto e ainda estão falando que ele era bandido. O que é isso, gente? Agora todo ser humano na favela é bandido? Eu amava o meu netinho, o meu bebê. Eu estava dentro do bar, as pessoas pedindo socorro, desesperadas, pedindo para os policiais pararem de atirar. Que morra todo mundo que é favelado. É assim que eles pensam. Eles que mataram meu neto. Essa maldita UPP entrou aqui para desgraçar a vida do trabalhador. Eles vieram detonar todo mundo — protesta a avó de Cristian.
No dia seguinte, o corpo do menino foi enterrado no cemitério do Caju, região portuária do Rio. Repórteres do monopólio dos meios de comunicação foram hostilizados pela família de Cristian por conta da cobertura mentirosa publicada nos noticiários do dia anterior. Ao fim daquela tarde fúnebre, os abutres do monopólio foram impedidos de filmar o momento do enterro do menino.
— Eles têm que provar que meu neto era bandido, uma criança. Bando de repórteres safados, desgraçados e mentirosos — disse a avó do menino revoltada.
No dia 10 de setembro, aconteceu na estação Central do Brasil um grande protesto organizado espontaneamente pelas redes sociais em repúdio ao assassinato de Cristian e à crescente violência policial nas favelas militarizadas. Na ocasião, manifestantes fizeram falas para a população que passava pelo local e distribuíram panfletos aos trabalhadores com detalhes da rotina de terror vivida cotidianamente pelos habitantes dessas favelas e bairros pobres.
‘Era polícia trocando tiro com polícia’

Corpo do menino Cristian é periciado
Segundo informações dos veículos do monopólio e da própria Secretaria de Segurança, a operação da Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil que resultou na morte de Cristian tinha o objetivo de prender o suposto assassino do PM Clayton Fagner Alves Dias, lotado na UPP de Manguinhos e assassinado dias antes com 20 tiros pelas costas à queima roupa na Ilha do Governador. Segundo informações da SSP, Clayton foi morto em um assalto.
A Polícia Civil, que investigava o assassinato do policial, já havia feito uma operação no Morro do Dendê dias antes que resultou na morte de um homem de 26 anos e uma criança de 12, que não tiveram seus nomes divulgados.
Depois de concluída a investigação, a morte do policial foi atribuída ao tráfico varejista de Manguinhos e a operação que vitimou Cristian teria sido realizada para prender os supostos assassinos do agente. PMs que não sabiam da ação, segundo moradores, avistaram policiais civis do outro lado do campo onde crianças jogavam futebol e não titubearam em disparar, o que resultou em um grande tiroteio entre policiais civis e militares.
— A Core estava dando tiro de um lado do campo e os policiais da UPP atirando do outro lado. Era polícia trocando tiro com polícia. Meu neto correu para a casa de uma amiga da família e depois saiu para socorrer uma senhora que caiu no chão na correria. Foi quando dispararam contra o meu neto e o acertaram pelas costas. Ele estava socorrendo uma senhora e acabou sendo baleado e morto — explica a avó de Cristian.
‘Bandidos de farda e carteira assinada’

A morte do jovem gerou dor e revolta
No dia 28 de agosto, a equipe de reportagem de AND foi ao acesso principal ao Morro Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, de onde partiu uma manifestação de moradores contra a militarização. O destino final do ato foi o cemitério São João Batista, na Zona Sul da cidade, onde foi sepultado o corpo de Clayton da Silva Modesto, de 17 anos. O jovem despareceu depois de ser visto por moradores do Morro da Babilônia sendo levado sob custódia por policiais da UPP. Temendo que Clayton se tornasse mais um ‘Amarildo’, moradores do PPG e dos morros Babilônia e Chapéu Mangueira se entranharam na mata que cerca a favela a procura do rapaz.
Lamentavelmente, o corpo de Clayton foi encontrado no dia 27 com sinais de tortura e um tiro na cabeça à queima roupa. Moradores de ambas as favelas acusam policiais pelo crime. No enterro de Clayton, sua avó Maria Margarida de Oliveira de 69 anos lamentou muito a morte de seu neto e se queixou da rotina de terror imposta aos moradores do Morro do Cantagalo por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora.
— Eu falei pra eles [PMs] dentro da 13ª DP que eles não prestam. São bandidos de farda e carteira assinada. Essa polícia fez a nossa vida no morro ficar pior do que na época dos bandidos. Nós não aguentamos mais — protesta a avó de Clayton.