Cantor, compositor, ritmista, passista, produtor e pesquisador de samba, Osvaldinho da Cuíca é personagem da história do samba paulistano. Com pouco estudo acadêmico, mas profundo conhecimento da arte que escolheu, Osvaldinho compõe, grava e escreve livro, sempre procurando preservar e divulgar o samba.
— O samba veio na minha vida pelo cordão umbilical. Acho que fui contaminado por essa festa, porque quando fui nascer, em pleno carnaval, minha mãe estava assistindo ao desfile, que era ali na Rua do Palácio do Governo, na Av. Rio Branco, no Centro de São Paulo – conta Osvaldinho.
— Ela me contou que estava passando um cordão branco e roxo, porque naquela época não existia escolas de samba e sim ranchos e cordões. E pela cor do cordão que me descreveu, descobri que era o Campos Elíseos.
— Minha mãe não sabia qual era por não ser exatamente adepta do carnaval, e ser uma pessoa muito simples, pobre, sem informações. Já meu pai saía em um rancho chamado ‘Garotos Olímpicos’, no Bom Retiro — acrescenta.
Ainda bem criança os pais se separaram e Osvaldinho foi levado para o interior do estado.
— Fui viver em Poá, sendo praticamente criado por parentes, amigos, uma vida difícil. Lá, no carnaval, tive contato com as tribos. Tinha a dança do Caiapó, que eram negros que saiam vestidos de índios.
— O pessoal dizia ‘vamos ver a tribo’, porque eles vinham batucando com pena na cabeça, arco e flecha. Naquele tempo existiam duas manifestações grandes de negros carnavalescos: Caiapó e Cucumbis — continua.
— Íamos para a cidade a pé, andando uns cinco quilômetros no meio do mato, sem luz elétrica, só para ver o carnaval do centro do interior. Foi assim que a ressonância do tambor ficou na minha mente, e nunca mais esqueci.
De volta para a capital, já rapazinho, Osvaldinho foi morar na casa de uma tia.
— Ficava horas ouvindo rádio, sambas cantados por Aracy de Almeida, Roberto Silva, e assim fiquei apaixonado pelo gênero. Ainda muito novo, em 1955, montei um grupo de batuque e dois anos depois já era profissional — fala.
— Tocava em rádio, gravava, acompanhava artistas, e ainda saía nos cordões em São Paulo. Acho que por ser um apaixonado pelo que fazia, tocando dia e noite, muito rapidamente já tinha uma história na música.
– E, além de tocar, construía meu instrumento, porque a indústria não era como hoje, sendo comuns os instrumentos artesanais, feitos por nós mesmos. Aprendi a fazer instrumentos com o pessoal dos blocos, dos cordões, e não parei nunca mais.
Na escola e no cordão
— Antigamente, aqui em São Paulo, o carnaval era feito basicamente pelos cordões, enquanto no Rio eram mais os ranchos. O rancho se originou dos trios de rancho nordestino e das festas de reis. Já o cordão é um cortejo nos moldes imperiais, com toda a corte — conta Osvaldinho.
— O rei vem com aquele chapéu enorme na frente, é a única alegoria do cordão. Aqui em São Paulo ele tinha a baliza que vinha com aqueles pauzinhos na frente da bateria, que não era bateria e sim batuque. Ele não tinha enredo, cantava marcha, sambas de sucesso da época.
Em 1972, os últimos cordões — Camisa Verde, Vai Vai e Fio de Ouro — resolveram passar a ser escolas de samba.
— Participei dessa transformação no Vai Vai. Acredito que, acabando os últimos cordões, perdemos a identidade do samba paulista e passamos a copiar os padrões cariocas, porque escola de samba é invenção do carioca, inspirados nos ranchos — declara.
— Atualmente, o carnaval de rua voltou com força total no Rio e São Paulo através dos blocos, porque o carnaval das escolas de samba, além de caro, virou uma espécie de marcha. A pessoa vem com tudo certinho, não pode brincar de verdade.
— O bloco é algo mais espontâneo, o integrante tem liberdade de brincar, pode ficar bêbado, enquanto na escola, se tiver bêbado, o diretor de harmonia tira. Além disso, tem que colocar roupa pesada, que é a alegoria.
Mas Osvaldinho mantém uma forte ligação com a escola de samba Vai Vai.
— Sou da velha guarda, fundador da ala dos compositores. Já ganhei seis sambas de quadra na Vai Vai. Costumam dizer que meu samba é muito bom para a avenida, que ele não cansa. O último samba que ganhei foi em 2013.
—E, fora isso, continuo fazendo viver os cordões, ainda que em pequeno porte. Vou me apresentar agora durante dois dias de carnaval nos Sescs Vila Madalena e Itaquera e pretendo levar um mini cordão para o palco, porque o normal era com mil, duas mil pessoas — continua.
— Eu e o Zé Roberto acabamos de fazer os chapéus do cordão, que é aquele de três bicos. Esse é um show especial e os outros também. Lancei um disco há pouco e tenho me apresentado com uma banda muito boa.
Osvaldinho conta que seu trabalho é todo calcado no samba paulista.
— Não é questão de bairrismo, é porque acho que cada região tem que cultivar a sua cultura senão ela se perde. Não podemos deixar isso acontecer e tem muita gente lutando em suas cidades nesse sentido — afirma.
— Em várias partes do país tem muito samba, e todo lugar tem um sotaque diferente. Para mim a riqueza do Brasil é essa informação cultural diversificada, tanto musical como em vários outros segmentos.
Nesse sentido Osvaldinho entrou também para a área da literatura, com o livro Batuqueiros da Pauliceia.
— Tive ajuda de um jornalista, estudioso, meu amigo, porque não sou tão alfabetizado para poder escrever um livro. Costumo dizer que tenho vivência e conheço a história, mas pouca informação acadêmica, escola mesmo.
— Ele nasceu principalmente porque convivi com muita gente dos batuques. Na verdade sou uma das pessoas que mais gravou nesse país. Gravei com todo mundo, não dá nem para fazer uma lista, e isso só foi me acrescentando.
Segundo conta, é um livro bem abrangente, com personagens e momentos dos anos cinquenta até os anos dois mil.
— Começou a ser escrito em 2003 e saiu um ano e meio mais ou menos depois. Ele traz a minha visão do samba rural, que convivi bastante, do samba urbano de rua dos cordões e das escolas de samba, que participo até hoje — diz.
— E tem a minha visão profissional do samba urbano e de vários segmentos, modalidades do samba. Não sei se sou um pesquisador, acho que sou um interessado dentro do assunto samba paulista, e minha própria história está dentro desse tema — conclui Osvaldinho da Cuica.
A página www.osvaldinhodacuica.com.br é o contato do sambista.