Fazendo teatro do bom na Cia. do Feijão

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Fazendo teatro do bom na Cia. do Feijão

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Grupo teatral paulistano de criação coletiva, a Cia. do Feijão, criada há dez anos, com objetivo de falar do Brasil, sob o ponto de vista histórico e contemporâneo, tendo por base ‘investigação, questionamento e circulação’, procura gerar perguntas que tragam propostas diante da pobreza na educação e na arte, escândalos políticos e politicagens, tentando circular o máximo possível, por acreditar que ‘fazedores de teatro’ devem procurar públicos em lugares onde a arte não chega.

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O espetáculo de estréia Movido a Feijão, falando sobre catadores de lixo da cidade de São Paulo, acabou dando o nome a essa trupe de sete atores, dramaturgos, diretores, narradores, envolvidos com arte popular.

Durante o período de criação, vimos pelas ruas de São Paulo um homem que puxava sua carrocinha, recolhendo papelões e entulhos, e atrás da carroça estava escrito ‘movido a feijão’ (risos). Sabemos que todo brasileiro que pode come seu ‘feijãozinho’ todos os dias, e escolhemos para ser o nome do espetáculo explica Pedro Pires, dramaturgo, diretor e ator da Cia.

Temos nossas funções no grupo, mas ao mesmo tempo, somos responsáveis por seu funcionamento como um todo, artisticamente e administrativamente, e procuramos falar de questões que nos incomodam enquanto brasileiros, seres críticos. Partindo dos nossos questionamentos individuais, passamos para o coletivo, primeiramente o grupo, e a partir daí o coletivo maior que é o Brasil, sempre olhando para tráscontinua.

Movido a feijão estreou em 1998, e no ano seguinte, Ó da Viagem, partindo de relatos de uma viagem da trupe para o nordeste, e dos diários de viagem do escritor Mário de Andrade, O turista aprendiz.Em 2001, Antigo 1850, sobre as periferias das cidades e sua população, novamente usando Mário de Andrade, Piá não sofre? Sofre. Em 2003, Mire veja, falando do centro da cidade de São Paulo.

Esses três primeiros formam uma trilogia do sertão ao centro. A realidade da caatinga, passando pela periferia das cidades e chegando ao centro, onde investigamos o indivíduo em meio a muitos, como se pudéssemos botar uma lupa na multidão e, enxergando alguns lá de dentro, projetar suas histórias, seus desejos — fala Zernesto Pessoa, também dramaturgo, diretor e ator da Cia.

Em 2004, estreou Reis de fumaça, espetáculo de rua e interativo, baseado em personagens do universo dos fazedores de cultura popular. Nonada, 2006, abre um novo período de investigação, mergulhando nas obras de Machado de Assis, Mário de Andrade e Clarice Lispector.

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Através desses autores observamos a situação que o Brasil está faz tempo, essa ‘modernização conservadora’ em que se moderniza, mas conserva relações e estruturas que vem da época da escravidão explica Pedro

Pálido colosso, 2007, é o mais recente espetáculo, conta a história do Brasil nos últimos 40 anos, tendo como base ‘por que a esquerda se endireita?’.

Fizemos uma análise dentro desse contexto histórico das sucessões, das nossas esperanças sempre malogradas de que ‘agora vai melhorar’, ‘será uma nação realmente democrática, com uma renda bem distribuída’, utilizando as nossas próprias experiências de vida para construí-lo. Tem momentos de ‘rolar de rir’ e outros desesperadores, tudo isso dentro de um cabaré diz Pedro, acrescentando que o grupo está se preparando para estrear um novo espetáculo, provavelmente no final de julho, sobre o mesmo assunto.

Como agentes sociais e artistas nos recusamos a encerrar as discussões com o Pálido colosso, e partimos para novas pesquisas, que geraram esse novo espetáculo, que deverá ser de sala — declara Zernesto.

Compromisso com a arte

Temos conseguido circular bastante pelo país, participando de festivais e turnês. Vendemos nosso espetáculo sem nenhuma conotação lucrativa, porque nosso compromisso é com a arte, e a troca com esse público que está longe das salas é muito gratificante — fala Pedro.

— Não fazemos teatro dramático com ‘personagensinhos’, e sim um espetáculo crítico, onde o ator ocupa as funções de contador de histórias e personagem. Usamos a narrativa como elemento eixo e cabe à imaginação do público completar os quadros, inclusive de cenários, que são demonstrados ou sugeridos. Nossa característica principal é instigá-lo a fazer perguntas a si próprio, uma inquietação que gera mudanças — explica.

Segundo Pedro e Zernesto, a pouca verba é o limite que a Cia. tem que enfrentar ao tentar circular.

— Não temos políticas públicas que democratizem o teatro como uma expressão que coloca em xeque as questões desse sistema hegemônico em que vivemos, rebaixador de tudo ao nível da mercadoria, fazendo com que, por não termos patrocínio para circular, tenhamos que fazer teatro para ‘nós mesmos’ — diz Pedro.

— Durante anos se falou ‘quando o PT chegar lá a coisa vai mudar’, e hoje constatamos que para ‘chegar lá’ ele teve que se vender antes, fazer um documento ‘cor de rosa’ para ser eleito, e hoje não temos uma força política que não esteja corrompida, e que queira um futuro diferente para a nação. E nesse momento de angústia usamos a criação teatral para reflexão e possibilidade de mudança — continua Zernesto.

Esses ‘fazedores de teatro’ dizem que têm conseguido realizar seu trabalho artístico, oficinas e alugar uma sede, em grande parte, por conta da lei de Fomento ao teatro para a cidade de São Paulo.

— É uma lei que, apesar de não ser do agrado dos últimos governos de plantão, tem que ser executada todo ano, privilegiando grupos de criação em continuidade e pesquisa teatral, gerando uma produção artística muito interessante, até mesmo um ‘momento artístico’ a partir dessa continuidade desse programa — explica Zernesto.

— Já a lei Rouanet é puramente instrumento da mercadologia, dos departamentos de ‘marketing’ das grandes empresas, que geralmente escolhe aqueles que venderão melhor os seus produtos, as ‘estrelas’, e dificilmente favorecem grupos parecidos com o nosso — comenta Pedro.

— Viemos de escolas que queriam ensinar alguém a ser artista de verdade: crítico e responsável pelo que produz. Grande parte da educação no país só serve para sustentar o sistema, e formar cidadãos ‘meros receptáculos’ de uma enxurrada de lixo. Enxergamos que o ator funciona como uma projeção do expectador para o bem ou para o mal: vendo uma ‘novelinha’, sua projeção vai para os níveis mais superficiais do consumo, e um dos nossos espetáculos, sua projeção fará com que passe da ‘flor da água à profundidade’, descobrindo que existe um outro ‘lado da moeda’ — fala Zernesto.

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