O Comandante da Aeronáutica, Brigadeiro Juniti Saito, e seus auxiliares estão sendo processados na Justiça Militar como responsáveis pelo abandono de postos de comando durante a operação-padrão dos controladores de tráfego, a ocultação de falhas do sistema e o treinamento inadequado de especialistas para uma tarefa que envolve risco de morte.
Enquanto o advogado Roberto Sobral cuidava de reverter o quadro das responsabilidades pelas duas maiores tragédias da história da aviação comercial, no Senado Federal a CPI do Apagão Aéreo se atolava na lama da Infraero, empresa responsável pela administração dos aeroportos, descobrindo falcatruas no montante de R$ 500 milhões. Entretanto, passou superficialmente pela volúpia do lucro máximo que faz as empresas transportadoras tratarem como lixo todos os que pagam pelos seus serviços.
Ao contrário do que ocorreu no Senado, na Câmara dos Deputados, os políticos encaminharam as investigações de modo a só incriminar os pilotos do jato executivo Legacy do USA que derrubou o Boeing da Gol, e os controladores de tráfego aéreo. Tomaram mais de 100 depoimentos, mas acabaram se fixando nos despachos do juiz federal de Sinop (MT), que indiciou Lepore e Paladino, cujos passaportes retivera, mas foram liberados para regresso ao USA após negociações entre Washington e Brasília. Isto quer dizer que eles estão a anos-luz da cadeia.
Inversão da culpa
Os suboficiais e sargentos do controle de tráfego aéreo que vinham sendo usados de bode expiatório pela gerência FMI-PT apresentaram notícia-crime na Procuradoria Geral da República contra o Comandante da Aeronáutica e seus auxiliares. Eles estavam presos por determinação da gerência FMI-PT, mas foram libertados pela juíza-auditora Zilah Petersen, da 11ª Circunscrição Judiciária Militar, que rejeitou, por impossibilidade de defesa, o inquérito policial militar instaurado por Saito contra eles. Como o brigadeiro tem prerrogativas de ministro, só o Supremo Tribunal Federal pode julgar o processo.
Os controladores afirmam que, passado um ano do acidente entre o jato Legacy e o Boeing da Gol, que resultou na morte de 154 pessoas, não houve melhoria nas condições objetivas que eles consideram que contribuíram para a colisão.
Corrupção crônica
Ao se instalar em Brasília, a Anac adquiriu um mobiliário no valor de R$ 1,9 milhão para ornar a sua sede, e na Infraero, em apenas quatro anos foram desviados cerca de R$ 500 milhões por meio de fraudes na execução de obras em 11 aeroportos, envolvendo 18 construtoras: Queiroz Galvão, Noberto Odebrecht, Camargo Corrêa, OAS, Mendes Junior, Via Engenharia, Planorcon, Estacom, Carioca Christiani e Nilsen Engenharia, Construcap, PEM Engenharia, Ansett Tecnologia, Serveng, Constran, Talude Comercial, Beter, Gemon Geral e Gautama.
O presidente da Associação Nacional em Defesa dos Direitos dos Passageiros do Transporte Aéreo (Andep), Claudio Candiota Filho, não hesita em afirmar que "a responsabilidade pelo colapso do sistema brasileiro de transporte aéreo é do governo federal que, de forma precipitada, e sem qualquer planejamento, criou a Anac e indicou militantes políticos sem nenhuma experiência na área, para ocupar os principais cargos estritamente técnicos"
Ele ressalta que os controladores de tráfego aéreo e os consumidores são vítimas da gradual desprofissionalização do sistema de aviação civil, patrocinado pelo governo federal, destacando que as gerências Cardoso e Luiz Inácio devem "repartir a responsabilidade com o Congresso Nacional que aprovou tudo o que foi encaminhado pelo Executivo com relação à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)".
Rebeldia geral
O advogado Roberto Sobral denuncia que "houve rebeldia contra a Presidência da República durante a operação-padrão dos controladores", já que os oficiais deixaram os postos em represália à decisão de Luiz Inácio de enviar um ministro civil, Paulo Bernardo (Planejamento), para as negociações. Saito reuniu o Alto Comando da Força Aérea para discutir a quebra de hierarquia e desobrigou-se, em nota oficial, da responsabilidade pelo controle de tráfego aéreo.
O "apagão aéreo" levou à substituição, no ministério da Defesa, de Waldir Pires por Nélson Jobim, que já se indispôs com os militares ao usar indevidamente um uniforme de campanha com galões de general e ameaçá-los por ocasião do lançamento de um livro acerca das torturas ao longo do gerenciamento militar.
Contra Jobim rebelou-se também Milton Sérgio Silveira Zuanazzi, o especialista em turismo posto por Dilma Roussef na presidência da Anac, que tinha mandato até 2010. O ministro da Defesa defrontou-se com extrema dificuldade para concretizar o sonho de ter sua escudeira Solange Paiva Vieira como manda-chuva do transporte aéreo nacional e internacional.
Nomeações políticas
O presidente da Andep recorda que "um diretor geral do DAC não chegava lá com menos de 60 anos, porque passava 40 estudando segurança de vôo, transporte aéreo, investigação de acidentes aeronáuticos, enfim, matérias específicas, altamente técnicas e extremamente complexas. Por isso tínhamos segurança de vôo e aviação de primeiro mundo em um país de terceiro. Hoje, na Anac, temos só falhas e em tal quantidade que é impossível remendar. Atualmente, os serviços aéreos públicos nivelaram-se por baixo aos demais."
A exemplo de Zuanazzi, Solange também não é do ramo. Técnica especializada do monopólio do capital financeiro, foi auxiliar de Waldeck Ornellas na Previdência Social durante a gerência Cardoso, quando criou o fator previdenciário para retardar as aposentadorias por idade mas acabou derrubada num atrito com os fundos de pensão. Dali foi assessorar Nelson Jobim na presidência do Supremo Tribunal Federal. Retornando ao Rio, assumiu a gerência de crédito do BNDES, em cujas portas as empresas aéreas batem com frequência. Como seu protetor, Jobim, ela é inteiramente favorável à privatização da Infraero e ao aumento da participação estrangeira no capital das empresas.
Os acidentes da Gol e da TAM deixaram cerca de 2 mil pessoas inteiramente desamparadas. Só a colisão do Boeing com o Legacy na Amazônica lançou mais de 100 crianças na orfandade, mas a assistência psicológica já foi suspensa e não se sabe quando as indenizações serão efetivamente pagas, já que as empresas têm recorrido das decisões judiciais de primeira instância.
Arrocho nas empresas
Para proteger os usuários do transporte aéreo dos desmandos das transportadoras, a Justiça Federal instalou juizados especiais nos principais aeroportos. Advogados estimam que haverá uma demora de dois anos até efetivar-se a indenização das famílias das vítimas das duas tragédias. A TAM anunciou que dispunha de mais de 1 bilhão de dólares de seguro para indenizar as famílias, mas já se verificou que este montante corresponde ao seguro de toda a frota da empresa em um banco londrino. Na verdade, existem na Justiça brasileira causas de 1962 ainda por decidir, sendo mais provável que os advogados contratados nos USA pelas famílias das vítimas obtenham resultados mais rápidos.
As empresas afirmam que seus procedimentos são respaldados nas regras do Código Brasileiro de Aeronáutica, que prefixam as perdas e danos e garantem ao passageiro o direito de reembarque em outra aeronave ou, na impossibilidade, de receber alimentação, transporte, hospedagem somente a partir da quarta hora de atraso. Essas determinações, entretanto, foram revogadas não só pelo Código de Defesa do Consumidor como também pela regulação conferida pelo Código Civil de 2002 ao contrato de transporte que, além de imporem às companhias aéreas obrigação de resultado, garantem a efetiva prevenção e reparação integral dos danos morais e materiais decorrentes da inexecução ou imperfeição da prestação deste serviço
Meia-sola nas pistas
No caso de Congonhas, a principal consequência foi uma meia-sola na pista principal e a determinação do ministério da Defesa para a transferência de 62 vôos da TAM e da Gol, líderes do mercado doméstico, para Guarulhos. O aeroporto doméstico de São Paulo deixou de ser o principal centro de distribuição de vôos — o chamado hub — do País.
Na verdade, as obras realizadas não permitem o pouso e a decolagem do Airbus-A380, o maior avião de passageiros do mundo. Posto em operação a 23 de outubro, quando é comemorado o 101° aniversário do primeiro vôo do 14-Bis de Santos Dumont, o novo gigante integra as frotas da Air France, Lufthansa e Emirates, mas as pretensões dessas empresas de trabalhar com eles no Brasil não pode ser atendida devido às péssimas condições da infra-estrutura aeroportuária.
As estimativas mais otimistas são de que só em três anos os brasileiros verão essa nova aeronave, que tem 73 metros de comprimento, 24,1 metros de altura, peso máximo de decolagem de 560 toneladas e capacidade de transportar 800 passageiros. Isto se for desmontado o esquema de corrupção e abertos, para a aquisição dos equipamentos necessários, os cofres do Banco Central, onde só há dinheiro para o colonizador.
Memória do caos
Em maio de 2007, a aviação comercial brasileira completou 80 anos. Ao longo dessas oito décadas, adquiriu fama por seu desenvolvimento, a despeito dos interesses excusos que varreram do mapa a Panair, a Cruzeiro do Sul, a Transbrasil, a Vasp e a Varig, e pela conquista de níveis de eficiência, segurança e comodidade comparável aos dos melhores países do mundo.
Tudo entrou em colapso em 29 de setembro do ano passado, quando um jato executivo Legacy, pilotado por dois ianques irresponsáveis, chocou-se com um Boeing da Gol nos céus da Amazônia, matando 154 passageiros e tripulantes. A partir daí, estabeleceu-se o caos em aeroportos e aerovias, culminando com o morticínio de outras 200 pessoas no pouso de um Airbus da TAM em Congonhas, São Paulo, em 17 de julho do corrente ano.
Investigações no âmbito do Congresso Nacional encaminharam-se para só incriminar os pilotos ianques e os sargentos da FAB. A situação tende a se reverter, mas com o escancaramento do setor ao capital financeiro transnacional.
A infraestrutura lamacenta
O relatório do senador Demóstenes Torres concluiu que pelo menos "duas organizações criminosas" atuaram na Infraero: uma a partir de Petrolina (PE) e outra com base operacional em Curitiba (PR). O esquema, segundo o relator, era comandado pelo deputado Carlos Wilson (PT-PE) que dirigiu a estatal entre 2003 e 2006, por indicação de Luiz Inácio.
A investigação, desencadeada após o escândalo envolvendo a empreiteira Gautama, do empresário Zuleido Veras, logo revelou o envolvimento das maiores empreiteiras do país. Os recursos desviados eram divididos entre empreiteiras, políticos e a direção da estatal. Só no aeroporto internacional de Cumbica, em Guarulhos (SP), foram desviados R$ 254 milhões. No aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, foram R$ 44 milhões.
Demóstenes pede o indiciamento de 21 pessoas, mas sua real intenção transparece no relatório no qual recomenda a privatização, ou seja, a entrega dos maiores aeroportos ao capital privado e o controle das empresas transportadoras a investidores estrangeiros. Para isso, já conta com o beneplácito da gerência Luiz Inácio, graças aos esforços da subgerente Dilma Roussef.
Segundo o próprio presidente da Infraero, Sérgio Gaudenzi, o objetivo é fazer algo "similar à Petrobras". O avanço da desnacionalização no setor acompanha, desta forma, a nova onda de privatizações desencadeada nas rodovias e portos federais. A diferença é que aqui os lucros aos agentes do imperialismo são acompanhados por cadáveres.