Arte: Alex Soares
Por mais que se tomem providências e que se manifeste revolta e assombro (com relação à roubalheira escancarada em administrações estaduais e na federal), os desvios e ladroíce não têm como ser evitados. Os crimes de prevaricação e de peculato no Brasil colonizado vêm desde que aqui aportaram as naus portuguesas. Sedimentaram-se desde as origens. É só visitar a história e constatar.
Vamos relembrar fato recente que nada tem a ver com a degenerescência atual (ou tem?), deixando transparente e lúcido o sentimento de apropriação da máquina do Estado que desliza mansamente pela representação mental de deteriorada elite dirigente.
Quem vai à aprazível e miserável cidade de São Luiz, capital do Maranhão, não deve deixar de incluir uma visita ao Convento das Mercês. Trata-se de um imóvel "com mais de cinco mil metros de área construída e outros sete mil de área livre". Construído no século XVII (entre 1651 e 1655), localiza-se no Centro Histórico de São Luiz e é considerado um dos pontos turísticos da capital.
O prédio serviu de morada ao padre Antônio Vieira (que o inaugurou em 1654) e foi tombado em 1974 pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O Maranhão o adquiriu em 1905 pela quantia de quatro contos de réis.
Pois bem: no dia seis de abril de 1990, o então governador João Alberto (PMDB), editou uma lei "que autorizava a incorporação do Convento aos bens da Fundação da Memória Republicana". E por quem foi instituída a tal Fundação? Pelo então presidente da República (1985-90), José Sarney (PMDB), "um mês antes de deixar a Presidência da República e cerca de dois meses antes de receber de presente o Convento das Mercês".
A história está toda contada na página do iBest (), em matéria assinada por Leonardo Fuhrmann. Ali é relatado o espírito de compadrio entre os caciques da vida política e administrativa nacional, onde tudo é largamente financiado pelo dinheiro público. Sarney, somente para recordar, esteve à frente de uma das administrações mais corruptas de nossa história republicana, sendo superada apenas pela de Cardoso (1995-2003).
João Alberto, hoje senador, referindo-se certa feita à sua gestão, em discurso no Senado, classificou-a como 90% honesta, deixando implícito que pelo menos dez por cento dela devem ter funcionado na base do trambique.
Hoje, quem vai ao Convento das Mercês encontra até mesmo um veículo que serviu a Sarney, enquanto esteve no Palácio do Planalto, desviado indevidamente para o acervo de sua Fundação. Ele pretende ser ali sepultado e lembrado como espécie de faraó nacional. Financiado de forma generosa pelos cofres públicos, pois a nação inteira se encontra submissa e refém desses predadores.
Em 1990, no mês de outubro, "o Conselho Curador da Fundação da Memória Republicana aprovou a mudança de nome para Fundação José Sarney". E a partir de 2004, quando José Tavares assumiu o governo no lugar de Roseana Sarney (que foi disputar o Senado), passou a receber 80 mil reais dos cofres públicos (através de convênio), para a manutenção do Convento.
Quando foi presidente do país, o bigodudo maranhense só não sofreu processo de impeachment porque teve pedido arquivado às pressas, na Câmara dos Deputados, num instante em que o deputado federal Inocêncio Oliveira (PMDB), então no PFL, ocupou a Presidência daquela Casa. Este cidadão, que o hoje Luiz Inácio jurava ser "o pior ladrão do país", chegou à Presidência do Senado com o empenho do PT.
E, no comando daquela Casa, como recompensa à ajuda petista, fez tudo para impedir a constituição da CPI dos Bingos que iria investigar as relações de Waldomiro Diniz com o então ministro-chefe da Casa Civil, Zé Dirceu (PT-SP), até que o STF — Supremo Tribunal Federal —, determinou sua instalação.
É um eterno encadeamento de negócios ilícitos, numa podridão sem fim.