Carlos Nicolau Danielli
Carlos Danielli nasceu em 14 de setembro de 1929, em Niterói, Rio de Janeiro.
Começou a trabalhar muito jovem nos estaleiros de construção naval em São Gonçalo, RJ e aos 15 anos integrava o movimento sindical.
Em 1946 ingressou na União da Juventude Comunista e em 1948 passou a integrar as fileiras do Partido Comunista do Brasil — PCB, sendo eleito para o seu Comitê Central no IV Congresso em 1954.
Em 1962 ocorre a ruptura entre os comunistas marxistas-leninistas e o velho PCB revisionista de Luiz Carlos Prestes, e Danielli passa a integrar a direção central do PCdoB.
Em 1972, ano da deflagração da Guerrilha do Araguaia, Carlos Danielli respondia pela Secretaria Nacional de Organização e pela imprensa do partido, dirigindo o jornal A Classe Operária, órgão central do PCdoB.
Foi preso no no dia 28 de dezembro de 1972, às 19 horas, na rua Loefgreen, no bairro de Vila Mariana – SP, pelos agentes do DOI-CODI, quando iria se encontrar com a combatente do Araguaia Criméia Alice Almeida, enviada por Maurício Grabois afim de reatar o contato entre o comando da guerrilha e a direção do partido.
Durante quatro dias, Carlos Danielli foi barbaramente torturado sob o comando do então major do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, do capitão Dalmo Lúcio Muniz Cirillo e do “Capitão Ubirajara”, codinome do delegado de polícia Aparecido Laerte Calandra.
Ele resistiu com heroísmo às sevícias e seus algozes não conseguiram arrancar-lhe nenhuma informação. Relatos de outros presos políticos contam que Danielli, já desfigurado pelas torturas, respondia altivamente aos seus carrascos quando indagado pela gráfica do partido e pela luta guerrilheira do Araguaia: “É disso que vocês querem saber? Pois é comigo mesmo, só que eu não vou dizer”.
Carlos Nicolau Danielli foi lentamente assassinado pelos verdugos do regime militar-fascista aos 43 anos de idade. Ele completaria 81 anos em 14 de setembro de 2010.
Entre uma sessão e outra de torturas, ele escreveu com seu próprio sangue na parede do infecto cubículo: “Este sangue será vingado.”
Pedro Ventura Felipe Pomar
23 de setembro de 1913
Trechos do “depoimento de um amigo”, por Arnaldo Mendez *
Cabe neste relato um esclarecimento: trata-se de depoimento de quem nunca pertenceu aos quadros do Partido, e simplesmente, mesmo em períodos de legalidade e clandestinidade, foi amigo pessoal de Pedro. Hoje, que a tragédia de sua morte se abateu sobre nós, é necessário que se diga quem foi Pedro, mesmo àqueles que não participaram de nada como revolucionários.
É necessário também que se diga que com a chacina de que foi vítima, a ditadura pretendeu atingir o melhor dos revolucionários. Eles sabiam quais os homens que realmente ofereciam perigo às suas injustiças, ao seu regime de terror. Se pensam que a chacina apaga a história de nosso povo, estão enganados. Antes mesmo de ser chacinado, Pedro já estava na História. Agora, estará para sempre em nossa memória.
Conheci Pedro por volta de 1960, quando me foi apresentado por uns amigos que dirigiam o Partido numa região pobre de São Paulo. Pedro chegara com a família para morar numa pequena casa. Para ganhar o sustento traduzia livros. Lembro-me que traduzira De Moncada à ONU, de Fidel Castro, e Ascensão e Queda do III Reich, e iniciara um livro inacabado, O Estado Brasileiro.
Pedro era alto e calvo. Não fumava, não bebia, tinha uma postura e um andar inconfundíveis, calmo, corpo sempre reto. Vestia roupas simples, sempre limpas e bem passadas, apesar de serem antigas. Com maior observação, podia se notar que as roupas não eram dele, eram ajustadas, muitas vezes dadas por outros companheiros. Muito afetuoso, adorava crianças. Tinha um rosto expressivo, um olhar direto e indagador. Podia se ver na sua expressão tudo aquilo que estava sentindo. Sorria muito ao falar e quando nos via de longe. Escutava muito e quando interrompia a conversa, suas observações eram sérias e suas palavras marcavam pela sabedoria e justiça de quem tinha experiência da vida e do trato dos homens.
Sua memória era algo de incrível; podia localizar um militante no passado remoto, uma família em qualquer região do país. Pedro comia pouco, tinha costume de chamar as pessoas de “mestre”. Quando nos cumprimentava, tocava nos ombros, olhava dentro dos olhos e sorria. Não dirigia automóveis. Andava a pé, de ônibus, estava sempre no meio do povo, nos coletivos apertados, sempre no meio da multidão. Viajava muito.
Como todo ser humano, tinha suas preferências culturais, os artistas, os escritores de que mais gostava. Achava Graciliano Ramos um escritor honesto, que teria morrido sem ter compreendido o Partido. De Jorge Amado ficara aborrecido com uma entrevista, na qual aquele tratara os membros do PC do Brasil como aventureiros. De Caio Prado Júnior, dizia que via a realidade do ponto de vista da classe em que vivera, apesar de respeitá-lo.
Gostava muito de Frei Caneca. Nos momentos de calma gostava de ler a vida de Spartacus, escravo trácio que se rebelara contra o Império Romano. Essa história ele gostava de ler em conjunto com outras pessoas. De Guimarães Rosa dizia frequentemente sua frase famosa: “Viver é um perigo”. De Castro Alves apreciava os trechos de Seara Vermelha: “Cresce Seara Vermelha, cresce seara feroz”.
Dos compositores, gostava, entre outros, de Chico Buarque, João Bosco e Paulo César Pinheiro. Temia que algo pudesse acontecer a Chico Buarque. Ficara satisfeito com a homenagem de João Bosco a João Cândido, o velho marinheiro que rebelou-se contra a chibata. Quando ouvia Mestre-sala dos mares ficava orgulhoso. Para ele, a música, como toda arte, devia estar ligada aos sentimentos do povo.
Quanta coisa fica dentro da gente, e só o tempo vai devolvendo para a memória!
Outubro/1979
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* Retirado do livro Pedro Pomar. Coleção Brasil Memória Volume 2, Editora Brasil Debates, 1980.