Finalmente, o congresso operário

Finalmente, o congresso operário

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Ao culminar 10 anos de sua ruptura com o sindicalismo de Estado e colaboração de classes, a Liga Operária realizou, no dia 15 de novembro último, o seu 3º Congresso. Nele reuniram-se dirigentes sindicais e trabalhadores de base representando organizações classistas de várias regiões do país.

Esta combativa organização vem sustentando ao longo de sua existência a bandeira da luta irreconciliável contra todo tipo de oportunismo e da construção de um sindicalismo classista e combativo. Ela se tornou conhecida nacionalmente durante a histórica resistência da Vila Bandeira Vermelha, em Betim, MG (AND ano I, nº 5 — Quando o povo resiste), momento em que a imprensa do imperialismo no Brasil dá à Liga a alcunha de “radical” e “terrorista”. Naquela ocasião, a Liga foi o alvo predileto de toda a reação por ter prestado apoio incondicional à luta das famílias trabalhadoras pela moradia. Hoje, segue sustentando as posições mais combativas do movimento operário brasileiro, e é referência para todos os setores do movimento sindical classista e independente.

Diferentemente dos outros congressos e encontros promovidos pelas organizações oportunistas, que em regra são marcados pelos bate-bocas, diluição política e brigas pelas composições de suas diretorias, o congresso da Liga Operária foi marcado pela seriedade e consciência de todos os delegados e observadores presentes.

Para aprofundar o debate e permitir uma ampla discussão com as bases do movimento sindical, a Liga decidiu realizar seu 3º congresso em duas fases: Nesta primeira etapa, foi apresentada a tese sobre a Situação Política Nacional e Internacional e o documento O Movimento Sindical no Brasil; para um balanço histórico. A segunda etapa do congresso começou desde o encerramento do primeiro dia de trabalho, e seu conteúdo veremos mais adiante.

Ordem do dia

No inicio da manhã, as diferentes delegações de representantes dos sindicatos e organizações classistas foram chegando pouco a pouco ao auditório da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Velhos conhecidos e novos militantes do movimento sindical saudavam-se e iam se acomodando quando a coordenação da Liga anunciou o início dos trabalhos. Composta a mesa do Congresso, todos foram convocados para de pé cantarem o hino da classe operária em todo mundo, A Internacional 1.

A discussão da situação política ocupou todo turno da manhã e parte da tarde, e foi marcada pela intensa participação dos trabalhadores de base. Toda a plenária acompanhou atenta o desenrolar dos debates. Os ânimos foram ao auge quando um representante da Liga dos Camponeses Pobres, com simples palavras ressaltou a importância do Congresso para os milhares de homens e mulheres que, “tão distantes da cidade lutam pela terra, e que naquele momento as distâncias eram reduzidas pelo fortalecimento da aliança operário-camponesa e a Liga dos Camponeses se sente fortalecida com esta iniciativa”.

Velha guarda, a palavra

Em um dos intervalos entre as discussões, a reportagem pôde ouvir um quadro histórico da luta do proletariado brasileiro, Luiz Vergatti, de São Paulo.

Vergatti, foi integrante da direção central do Partido Comunista do Brasil, desde o processo de reconstrução de 1962 — quando houve a ruptura com o rebatizado Partido Comunista Brasileiro, revisionista, de Prestes —, até o fim da resistência armada contra o regime militar-fascista na década de 70.

O experiente militante proletário passou todo tempo rodeado de jovens que o bombardeavam com perguntas acerca de tudo, principalmente a respeito da luta armada contra o gerenciamento militar. Com um sorriso franco, ele respondia um a um.

— É necessário estudo e luta, paciência e dedicação. Resistimos à cadeia e à tortura. Eu me encontrava preso durante a barbaridade que cometeram contra os companheiros da Lapa [refere-se à queda do comitê central do Partido, em 1976, conhecido como “Massacre da Lapa”]. É necessário compreender o marxismo, e muitos que capitularam e traíram a luta após a Lapa jamais o entenderam inteiramente. O melhor quadro foi ceifado do nosso meio [refere-se a João Baptista Franco Drummond, militante oriundo da AP-ML, incorporado ao comitê central do PCdoB quando da integração desta organização à estrutura do Partido] — declarou Vergatti que, já octogenário, não se curva diante dos anos e encarou com ânimo juvenil todos os debates.

Nascimento e juventude

A Liga Operária iniciou sua trajetória em setembro de 1995 como corrente classista e combativa do movimento sindical no Brasil. A segunda etapa dos debates tratou justamente sobre este tema.

A síntese do balanço histórico do movimento sindical foi apresentada por Albênzio Dias de Carvalho, metalúrgico e líder da histórica greve da Mannesmann, um dos fundadores da Liga Operária.

Cronologia do novo

Em 1995 acontece o processo de ruptura. Defendendo o caminho da luta classista e do combate implacável ao oportunismo, ao corporativismo, à colaboração de classes e ao oficialismo — tão característicos do velho e falido sindicalismo brasileiro representado pelas atuais centrais sindicais — os representantes da corrente que viria fundar a Liga percorreram o inicio de sua marcha como pequeno grupo. Não abriu mão dos princípios de classe, e depurou-se para persistir na tática combativa.

A Liga Operária foi fundada em 1997, partindo da concepção de que se constitui como uma coordenação de lutas nas bases do movimento sindical, no combate sem quartel ao oportunismo assim como à patronal. Ela proclama que uma verdadeira central sindical será definida em um longo processo de luta, e que somente assim poderá se produzir um grande e combativo movimento sindical.

Em sua intervenção, Albênzio chamou a atenção dos dirigentes sindicais presentes, destacando que

— … para desenvolver a luta classista, é necessário colher o que de me lhor foi produzido pelo proletariado em nosso país, assim como rechaçar as concepções reformistas semeadas pelo oportunismo que traiu a classe operária e a aprisionou em uma camisa de força, colocando o movimento a serviço da burguesia.

Segundo a avaliação da Liga, a Central Única dos Trabalhadores CUT, não se desviou em seu caminho, ao contrário do que muitos ideólogos e “analistas políticos” gostam de dizer quando se referem à descarada colaboração de classe, prática a que se resume essa central sindical amarela do governo. Hoje, apenas se revela inteiramente o seu verdadeiro programa. A burguesia e o imperialismo no Brasil fomentaram estas organizações (CUT/PT) para bloquear e derrotar as organizações consequentes no país. Neste processo, o discurso radical que a CUT e o PT vociferava no seu surgimento para acumular prestígio em meio aos trabalhadores foi sendo gradualmente abandonado e depois totalmente rechaçado.

Concluindo sua exposição, a Liga ressaltou ser o objetivo deste balanço histórico a elaboração de um documento que se traduza em.

— … um programa que até hoje estes partidos políticos eleitoreiros e traidores não apontaram para o povo do campo e cidade. A classe operária deve conceber um programa para transformações radicais no campo. Nenhuma outra classe poderá cumprir esta tarefa!.

Porque lutamos

Um dos aspectos que diferencia a Liga Operária de todas as outras correntes do movimento sindical é a importância que sua organização dá aos trabalhadores de base, a determinação com que se empenha em elevar a consciência política da classe para a luta. O cerne dos debates propostos no 3º Congresso é a elaboração de um Programa Geral da Resistência dos Trabalhadores, e a construção de um plano de lutas imediatas e para a Unidade de Ação da classe operária.

Destacamos alguns dos principais pontos do programa geral da resistência econômica dos trabalhadores que começa a ser estudado, e que será colocado em discussão na segunda fase do encontro.

Programa geral

  • Rompimento com o FMI, com o não-pagamento da dívida externa;
  • Redução da jornada de trabalho sem redução de salários;
  • Fim do arrocho salarial, com um reajuste imediato e integral para todos os trabalhadores, que reponha as perdas salariais acumuladas nos últimos anos;
  • Pelo restabelecimento dos direitos confiscados através da “reforma” da Previdência Social e sua substituição por medidas de melhorias, segundo os interesses dos trabalhadores na Previdência e Seguridade Social;
  • Liberdade e autonomia sindical com o reconhecimento do direito de greve e desatrelamento da estrutura sindical do Estado, contra as “reformas” sindical e trabalhista;
  • Pelo irrestrito direito de greve;
  • Contrato coletivo de trabalho, asseguradas todas as conquistas previstas na legislação em vigor;
  • Negociação coletiva;
  • Pelo fim das intervenções do Ministério do Trabalho nos sindicatos;
  • Revogação da Lei de Segurança Nacional e demais legislações repressivas que criminalizam a luta social;
  • Pela defesa das populações indígenas e pela demarcação imediata de suas terras segundo o reconhecimento da autodeterminação dos povos indígenas sobre seus territórios, na perspectiva e marco da consecução de uma nova ordem federativa da futura República de Nova Democracia;

A questão Agrária

  • Extinção de todo latifúndio e entrega da terra aos camponeses pobres sem terra ou com pouca terra;
  • Nacionalização das grandes empresas capitalistas rurais e controle da produção pelos trabalhadores;
  • Nacionalização de toda a terra para usufruto social;
  • Garantia dos direitos dos pequenos e médios produtores rurais, assim como dos trabalhadores rurais assalariados e outras atividades no campo.

A questão sindical

  • Por uma estrutura sindical livre, independente, autônoma e democrática dos trabalhadores, sem qualquer interferência do Estado e da patronal;
  • Pelo fim do sindicalismo de Estado;
  • Pela construção do sindicalismo classista, combativo e independente.

Próxima etapa

A conclusão dos debates do 3º Congresso da Liga Operária será realizada nos dias 29 e 30 de abril de 2006. Inaugurando uma nova forma de promover a discussão e organizar a luta, a Liga promoverá uma série de debates das teses com as bases do movimento. Para orientar a luta das diversas regiões onde atua, foi sistematizado um Plano Para a Unidade de Ação.

No encerramento da primeira fase do congresso, a coordenação da Liga lançou uma proposta que foi aprovada por unanimidade: que os debates e a luta travados durante os próximos meses sirvam como preparação para a convocação de uma Greve Geral contra as “reformas” sindical e trabalhista.

A plenária explodiu em aplausos quando foi proposto que para celebrar a conclusão do Congresso, a Liga Operária realize uma vigorosa manifestação no dia 1º de maio de 2006, dia do Internacionalismo Proletário.

Às 18:00 os debates foram encerrados, muitas tarefas aguardam todos os presentes em seus respectivos locais de trabalho. Todos de pé, entoam o hino Conquistar a Terra , e as palavras do seu refrão, cantadas ainda mais alto reforçam a certeza do caminho construído pela luta do nosso povo:

… A luta será tão difícil
por mais que demore vamos triunfar!

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1 Eugène Pottier, dirigente da Comuna de Paris (1871), operário e poeta, escreveu o magnífico poema “A Internacional”. Pierre Degeyter, outro combatente da Comuna, compôs em 1888 genialmente a música de “A Internacional “que se tornaria o Hino dos comunistas e dos operários e trabalhadores de todo o mundo.

 

Entrevista com o operário e ex-militante do Partido Comunista do Brasil, Luiz Vergatti, que assistiu como convidado o Congresso da Liga Operária e falou de suas impressões, não só a respeito do congresso, mas da sua participação no movimento operário brasileiro.

AND — Se não tivesse havido essa eliminação seletiva, durante o gerenciamento militar, o movimento sindical brasileiro teria chegado à essa condição, sob a direção do PT e da CUT?

LV — Não. Haveria conduções melhores no movimento sindical. Essa eliminação dos companheiros foi uma forma de limpar a área. Porque o atual movimento sindical é pior do que o movimento sindical de 50. Em 50 o movimento se confrontava com a polícia, e hoje eles têm todo o poder de agir como querem. O governo deixa acreditar que existe uma aparência normal na sua relação com o sindicato.

AND — Como você caracteriza o surgimento e a consolidação dessa tendência oportunista (CUT-PT) dentro do movimento sindical brasileiro?

LV — Do ponto vista da formação do PT, essa tendência foi vista como uma saída para os problemas sindicais do Brasil. Muita gente boa, incluindo comunistas, ajudou a fundar o partido, clamaram para que tudo saísse do papel. Mas no processo de formação, muitos dos militantes foram se afastando, procurando outra saída, desacreditando do próprio comando do PT. O tal campo majoritário foi montado só para isso, ou seja, enganar os incautos. Depois dessa crise, não vai sair mais nada.

AND — A CUT é uma articulação encomendada, já preparada pelo imperialismo e pela Igreja?

LV — Tanto a CUT como a Força Sindical são ligadas à Ciols. Um núcleo de professores da UNICAMP fez um documento que analisa o movimento sindical até a chegada do Lula no governo. Eles mostram a ligação do PT, da CUT, da Força Sindical, do PCdoB e das outras correntes que estão seguindo o mesmo colonialismo, eles já estavam sendo preparados para isso.

AND — Antes, nós tínhamos a Federação Sindical Mundial, dirigida internacionalmente pelos comunistas. Qual a diferença entre o movimento sindical dirigido pelos comunistas e esse movimento sindical dirigido pelo oportunismo?

LV — Participei do 4° Congresso da Federação Sindical Mundial. Eu era jovem na época, e tinhamos uma visão de que a FSM era uma organização diferente que rumava em direção ao socialismo. A idéia inicial, e muitos trabalharam para isso, era que houvesse a supremacia de um movimento sindical buscando o socialismo. Mas passou a haver oportunismo dentro da FSM, ligados aos revisionistas da época de Kruschov em diante. De uma maneria geral, a FSM se opunha a essa organização americana, todo mundo sabia. Além dessa organização americana tinha a do clero católico, a CMT (Confederação Sindical Mundial)

AND — Quer dizer que entre todas essas entidades hoje (ligadas à CIOLS) e aos antigos oportunistas da FSM não há uma diferença de conteúdo?

LV — Não tem diferença. No meu entender, houve um desvio na União Soviética, e, inclusive no Brasil, dos rumos do sentido do socialismo para o oportunismo. Porque lá o movimento sindical não fez a luta contra o revisionismo. No Brasil o movimento sindical ficou sem uma direção revolucionária, caindo nas mãos do sindicalismo amarelo.

AND — Você falou da luta sindical na década de 50 que combatia a polícia na rua. Depois veio a ditadura, com o movimento sindical enfrentando um processo de eliminação seletiva e, depois, veio a formação do movimento pela CUT e a CGT. Como você compara o movimento sindical nesses três momentos? Antes, durante e depois?

LV — Na década de 50 nós estávamos para entrar no sindicato, estávamos fora ainda. E até certo ponto, quando entramos, nós demos uma virada nesse trabalho do sindicato. Mas com a divisão que houve no movimento comunista, nós nos separamos em 62 e formamos o PC do B e separamos no ponto de vista sindical. Atuamos no sindicato dos metalúrgicos de São Paulo que era considerado uma grande força, contra os reformistas que estavam na direção. Mostrando a solução pelo caminho da liberdade e autonomia. Chegou-se a realizar um encontro sindical em São Paulo já procurando dar outra orientação.

Como a ditadura aplicou essa forma seletiva de eliminação, isso mexeu com muita gente. Mas nem todos querem uma saída, no meu ver, correta. Havia a propaganda de uma central única dos trabalhadores, não era essa CUT. Os oportunistas armaram um golpe dentro da Conclat, aquela reunião de todo o movimento sindical, em Santos, e criaram uma cisão que possibilitou o surgimento da CUT, porque o pessoal que estava ligado a CUT estava defendendo a pluralidade sindical, já nós defendíamos a unidade sindical.

Depois da ditadura tinha uma camada da aristocracia operária que já era vinculada à Ciols e ao clero, por debaixo dos panos, e, pouco a pouco foi mostrando sua verdadeira face, até chegar nisso que está aí, hoje.

AND — Como você vê o governo, a CUT, o PT, tudo no mesmo balaio, vinculados ao Estado?

LV — Vem de todo um processo, não é uma coisa que mudou repentinamente. A CUT, para hegemonizar o movimento sindical, traçou uma estratégia de mostrar uma postura radical, no período do Meneguele, mais voltada para esquerda. Depois, ela teve um retrocesso com o Vicentinho, já com uma posição voltada para direita. Depois veio o ministro do trabalho que já foi uma posição patente de direita. Ao meu ver, então, teve um processo de mudança calculada. A mesma coisa em relação ao PT, ao próprio PC do B, que considero de direita.

AND — E o processo de surgimento da Liga Operária?

VL — Eu acho que é uma coisa que tem que batalhar para levar para frente. Mas a gente precisa esclarecer: o que propomos não é o pluralismo sindical. Nós não estamos querendo trabalhar em paralelo, não é isso, é só fazer um trabalho sério, não misturado com essa bandalheira atual. Não é pluralismo sindical. Eu até tenho conversado com meus companheiros que a gente fez isso na década de 50. Como havia uma certa repressão, nós organizávamos a nossa luta sindical, só que a gente tinha força com negociações e propostas. Neste sentido, nós estávamos juntos com os trabalhadores.

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