Francisco “Pancho” Villa, o general revolucionário da Divisão Norte

Francisco “Pancho” Villa, o general revolucionário da Divisão Norte

Curiosamente em nosso país, o nome Pancho Villa é confundido com o personagem gordinho do livro Dom Quixote, Sancho Pança. Seja pela sonoridade do nome Pancho, ou pela semelhança do apelido Pancho com Sancho, essa associação entre personagem e pessoa não existe. Pancho em espanhol é a forma abreviada do nome Francisco, como nosso Chico, em português.

Assim, esqueçamos o Sancho, e para que não continuemos a imaginar a figura cômica do fiel escudeiro de Dom Quixote, chamaremos o general mexicano apenas de Francisco Villa.

Registrado como Doroteo Arango Arámbula, nascido em um pequeno povoado chamado La Coyotada, na região centro-norte do México em 1878, seria mais conhecido por um de seus codinomes, Francisco Villa, ou popularmente como General Pancho Villa, pouco mais de 30 anos depois.

Villa quando tudo começou

Embora tenha nascido no estado de Durango, seria em Chihuahua, o estado fronteiriço ao USA que conquistaria sua mais importante base política e militar.

A história de sua vida é permeada de diversos mitos e lendas, dignas de sua singular figura. Entre as histórias que contam para explicar como passou de uma vida de rancheiro e camponês comum para a de um ladrão de gado e bandoleiro famoso, está o caso da tentativa de estupro de sua irmã por um fazendeiro.

Segundo o próprio Villa contaria, os latifundiários dominavam a justiça, a polícia e se achavam no direito de fazer o que quisessem com os camponeses. Sua irmã, uma menina de 12 anos, seria uma das vítimas do fazendeiro onde vivia sua família. Ao chegar em casa encontrou sua mãe aos berros tentando defender a dignidade da menina. Não titubeou, sacou sua arma e deu três tiros, um que pegou na perna do fazendeiro. Difícil saber a veracidade da história, mas o fato é que depois disso o menino de cerca de 17 anos fugiria para as montanhas e aprenderia a viver em uma das regiões mais desoladas do território mexicano. Alternando terrenos áridos, como o deserto de Chihuahua, com áreas montanhosas e localidades distantes de qualquer agrupamento humano, Villa se juntaria a outros fugitivos da lei e passaria mais de uma dezena de anos roubando gado de latifundiários, invadindo fazendas, saqueando trens; enfim, vivendo em fuga, da maneira que a sua realidade permitia.

Foi preso e fugiu, teve mais uma dezena de codinomes, conseguiu acumular algumas cabeças de gado e algum dinheiro. Sua vida obrigou-o a manter uma eterna vigilância, uma frequente mobilidade e a conhecer como ninguém a região norte do México. Acostumou-se a dormir ao relento, ao abrigo de ponchos, em lugares ermos, sempre calçado e com o cavalo amarrado ao tornozelo. Pelo seu temperamento e talento militar ficaria conhecido entre o povo. John Reed registraria: “seu nome tornou-se tão famoso como bandido, que todos os roubos de trens, assaltos e assassinatos no norte do México eram atribuídos a Villa… Não obstante, formou-se um imenso acervo de lendas populares, entre os peões, em torno de seu nome. Há muitas canções e xácaras celebrando suas façanhas, que os pastores de carneiros cantam ao calor de fogueiras”. Embora fosse visto como ladrão, Villa era conhecido por repartir entre os pobres os frutos de seus roubos como uma espécie de “Robin Hood mexicano”.

A serviço da revolução

Quando Francisco Madero convocou a população para pegar em armas em 1910, Villa apareceu em El Paso, Texas, e colocou-se, junto com seu bando e seu dinheiro, a serviço da causa revolucionária. Neste início é possível que suas motivações estivessem relacionadas mais à revolta contra a ditadura de Porfírio Diaz, aos desmandos dos latifundiários e a polícia rural que tanto o tinham perseguido, que ao programa defendido pelo futuro presidente. Certamente pesava a amizade de Villa com alguns elementos maderistas.

Pelos conhecimentos que adquirira ao longo dos anos e pela liderança que inspirava nas tropas revolucionárias, Villa logo conquistou importantes batalhas e foi eleito general por seus próprios comandados. Madero foi eleito presidente após negociações com a ditadura, não destruiu o exército federal do antigo regime, mas ao contrário, manteve os oficiais que prometeram lealdade. Enquanto isso, Villa conquistou a legalidade e pretendeu retirar-se à vida privada. Não conseguiu, o futuro presidente golpista Huerta, seu superior durante o governo de Madero, iria levá-lo a prisão por insubordinação.

Sem nem mesmo arranhar as estruturas sociais do antigo regime porfirista, Madero apenas tentou manter um regime liberal de representação política com eleições livres e alguma renovação política. Não conseguiu nem isso. Logo que puderam, os antigos membros da elite porfirista, oficiais federais e outras desavenças do governo Madero prepararam um golpe, assassinaram o presidente e instalaram o General Huerta no poder da capital.

Villa, durante o governo Madero, ficaria preso por vários meses junto ao coronel das forças rebeldes do sul, Gildardo Mangaña. Com o oficial zapatista e alguns livros de História aprenderia definitivamente a ler e a escrever. Contrariando um dos mitos em torno de sua figura, depois da prisão já será capaz de ler as mensagens telegráficas recebidas no campo de batalha, jornais e revistas. Ao contrário do que propagaram seus adversários, Villa reconhecia a importância da educação escolar da qual não obteve acesso. Nas cidades que conquistou ou governou interinamente, criou muitas escolas. Em Chihuahua, por exemplo, na época com cerca de 40 mil habitantes, criou 50 escolas. Reed diz que Francisco Villa, ao passar por um grupo de crianças brincando pela manhã encontrara motivo suficiente para criar uma nova escola. “Quando passei esta manhã por tal ou tal rua, vi um grupo de crianças. Fundemos ali uma escola”. Paco Taibo II, importante biógrafo de Villa, conta que um traidor, colaborador do Governo Huerta e aprisionado após os combates, havia escapado do fuzilamento por declarar-se professor.

Divisão Norte

Após o assassinato de Madero em 1913, depois de fugir da prisão e vivendo do outro lado da fronteira com o USA, Villa refaz seus contatos, passa a reagrupar seus antigos comandados e começa a organizar suas forças contra o Governo Huerta. Como parte da lenda, conta-se que partindo do nada e vivendo do lado americano da fronteira, Villa e mais oito companheiros cruzam o Rio Bravo no dia 8 de março de 1913. “O que os invasores levam consigo, além da vontade de fazer um revolução? Ramón Puente diz que nove Winchester 30/30(…) quinhentos cartuchos por cabeça, duas libras de café moído, duas de açúcar, um saco de sal.” (Paco Ignácio Taibo II, 2007)

Assim teria início a força militar mais importante da revolução mexicana, a Divisão Norte, o exército popular que derrotaria as principais tropas federais de Huerta e implantaria mudanças sociais significativas nos locais onde governaria. Quando iniciou a revolta, Villa precisou manter uma enorme mobilidade, a fim de não ser detectado pelas tropas do governo e conseguir montar um sistema de logística que suportasse as batalhas. Com um grande prestígio entre os camponeses de Chihuahua e através de pequenas emboscadas e guerrilhas, Villa vai montando seu exército, evitando os federais e conquistando armamento. Na batalha de Torreón junta-se a outras tropas rebeldes e consegue tomar a guarnição da cidade ganhando popularidade entre os exércitos constitucionalistas. Posteriormente propõe uma manobra ousada, de Torreón até Juarez. Depois da tomada da cidade sua fama é notória, conquistando o posto de general da recém formada Divisão Norte, que agrupava todas as tropas rebeldes do centro-norte do país.

Reed, autor do famoso livro jornalístico México Rebelde, esteve com Villa e tentando explicar as qualidades militares que possibilitaram as vitórias da Divisão Norte, afirmaria: ” Sigilo, rapidez de movimentos, adaptação de seus planos ao caráter do terreno e de seus soldados, estreitamento de relações com os soldados rasos. (…) Villa foi o primeiro a pensar em fazer as marchas-relâmpago das cavalarias (…) Até o presente momento, nenhum exército mexicano abandonara sua base; sempre se ligavam à ferrovia e aos trens de aprovisionamento. Villa, porém, semeou o terror entre o inimigo, deixando seus trens e lançando todos seus efetivos armados ao combate” . Ignácio Taibo II acrescentará: “o que estava fazendo era reescrever a guerra de guerrilhas à mexicana sem conhecer seus antecedentes históricos, e pouco depois, quando teve um exército, não abandonou os princípios básicos que havia aprendido; combinou-os com as novas possibilidades da artilharia e com o trem”.

Villa irá de batalha em batalha, de cidade em cidade construindo seu exército popular, implementando uma nova ordem social através de governos interinos nomeados pela Divisão Norte. Propagou o mito em torno de seu nome, que será por muitos denominado de villismo . O villismo por não se tratar de uma concepção filosófica ou política formulada e definida, poderia ser caracterizado mais como a realização prática de certas medidas democráticas, sociais e de justiça popular aplicadas sob o comando do general Francisco Villa.

Poder Popular

Logo que conquistam Torreón, os líderes villistas estabelecem a ordem, abrem os mercados locais, distribuem comida, confiscam as propriedades dos que apoiavam Huerta e as distribuem aos órfãos e as viúvas. Criam-se escolas, limitam os juros dos bancos e, na maioria dos casos, proíbem a fabricação e consumo de bebida. Esta última determinação é interessante. Embora exista uma lenda em torno da figura de Villa que o associa ao alcoolismo, a verdade é justamente o contrário. Os governadores villistas não têm nenhuma tolerância à bebida, geralmente decretam a lei seca e o próprio Francisco Villa é abstêmio. Villa gostava é de sorvete. Outra típica acusação que sofre a imagem de Villa é a de ter estuprado mulheres; sobre essa, o próprio Villa havia respondido a Reed: “Diga-me, conheceu algum dia um marido, um pai ou um irmão de alguma mulher que eu tivesse violado? Ou sequer uma testemunha?” Seus biógrafos, ou mesmo opositores jamais citaram as tais vítimas e testemunhas.

Os governos villistas seriam inimigos do tradicional burocratismo na administração pública típico dos regimes aristocráticos. As contendas e disputas e mesmo os problemas econômicos eram resolvidos através da simples aplicação da justiça marcial. Nesse ponto a Divisão Norte era implacável, os soldados inimigos capturados eram fuzilados, já que não podiam sustentar prisões. Por se tratar de um governo golpista, os soldados federais eram fuzilados baseados em uma cláusula da Constituição que condenava a morte os traidores e golpistas. Os fuzilamentos eram praticados por todos os exércitos. A Revolução Mexicana foi uma guerra em que os perdedores ou morriam em combate, ou fuzilados após se renderem.

A Divisão Norte, após a tomada de Juárez toma a capital Chihuahua, depois vai conquistando cidade após cidade em direção ao sul, até a capital federal. Ao final, quando só restavam poucas forças no Governo de Huerta, Carranza, o líder das forças constitucionalistas, passa a sabotar a Divisão Norte. Ao mesmo tempo, dá ordens para que a Divisão do Noroeste, comandada por Obregón, avance e tome a capital federal. Até esse momento o senso de disciplina de Villa havia sido maior que sua desconfiança de classe, e embora com ressalvas no terreno militar, seguira rigidamente as ordens de Carranza. No sul, as forças revolucionárias do General Zapata continuavam levantando a bandeira da revolução agrária de maneira irreconciliável e ameaçavam rebelar-se contra qualquer governo que não a aceitasse. Pouco tempo antes, já em contato com os zapatistas, Villa conseguira arrancar de Carranza a promessa de que não iria nomear-se presidente e que procuraria solucionar o problema da distribuição da terra quando tomassem a capital. Carranza, enquanto dependia da força bélica de Villa, aceitou comprometer-se, mas logo que pôde, através de intrigas no interior do comando da Divisão Norte e da sabotagem logística, procurou enfraquecê-la. Ao fim, rompe com Carranza, alia-se aos zapatistas e avança contra a capital.

Maior engano

Tomado o Palácio Nacional, cumpre o que havia prometido. Não desejava ser presidente, era um guerreiro e imaginava que para os assuntos de governo seria melhor que os políticos instruídos e melhor capacitados assumissem a presidência, para falar com cônsules e chefes de Estado. Esse seria o seu maior engano. Ao acreditar que os membros das classes médias e da burguesia poderiam melhor governar, permitiu que estes assumissem o poder. Governariam para si, para os antigos interesses oligárquicos e para os interesses imperialistas.

As mudanças sociais conquistadas pelo povo que vivia nas regiões controladas pela Divisão Norte e pelos zapatistas foram gradativamente sendo derrotadas, Carranza se tornaria presidente e reestruturaria, sob uma constituição reformista em 1917, a velha ordem que manteve sob séculos a maioria dos mexicanos na pobreza e na exploração.

O exército de Villa chegou a mais de 30 mil homens, milhares de cavalos, centenas de locomotivas e vagões, milhões de cartuchos e munições, mais de uma centena de canhões e até aviões para bombardear a artilharia inimiga. Não somente conseguiu formar o mais poderoso exército popular da Revolução Mexicana, mas conquistou o prestígio e o imaginário popular, que através dos corridos (um tipo de cordel mexicano) e canções eternizaram as façanhas de um povo rebelde, sedento por mudanças, e que no norte de seu país elegeu um “ex-bandido” para guiar as batalhas de sua revolução.

Referências:
CÓRDOVA, Arnaldo. La ideologia de la Revolución Mexicana , México, DF: ERA, 1991.
REED, John. Mexico Rebelde , Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
Taibo II, Paco Ignacio. Pancho Villa – Uma Biografia , São Paulo: Planeta, 2007.

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