O grupo Saga (Sociedade Amigos da Gafieira) com apenas três meses de existência e uma agenda cheia, reúne dezesseis músicos da melhor qualidade para tocar o melhor da gafieira e da dança de salão. Fruto da idéia que o cantor e compositor carioca Gabriel Moura, voz e violão, tem desde menino, quando acompanhava o tio, maestro Paulo Moura, nos bailes da gafieira Estudantina, no Centro do Rio, a orquestra tem animado as noites paulistanas e promete viajar por todo o país, em uma espécie de gafieira itinerante.
— Gafieira não é um gênero musical, é um baile, um encontro de pessoas, uma festa do povo, onde se tocam sambas, choros, música boa em geral, dançantes, agitadas ou lentas, para o pessoal que gosta de dançar de casal. A idéia era fazer uma grande banda para tocar o esquema de gafieira, que chamamos informalmente de orquestra, mas que na verdade é um bandão, com trombones, trompetes, sax alto, tenor e barítono, flauta, clarinete, bateria, baixo, percussão, cantores, favorecendo a dança de salão — explica Gabriel.
— Cresci vendo meus tios e primos tocarem na gafieira. Ficava só observando, louco para entrar no palco, mas era muito novo ainda, até que um dia, ainda na adolescência, meu tio Paulo Moura me convidou para fazer parte da sua orquestra, com músicos de alto nível, tendo a oportunidade de trabalhar com pessoas que eram meus ídolos. Fizemos muitos shows por aqui e até viajamos para USA, França e México, tocando nossas músicas de gafieira — lembra Gabriel, hoje com 41 anos de idade.
— Como sempre, estou me apresentando em São Paulo com o baterista Adriano Trindade e o trombonista Paulinho Norberto, e tendo os três a mesma intenção, resolvemos 'arregaçar as mangas' e fazer a tão sonhada orquestra de gafieira. Eles reuniram músicos de lá, que se encaixavam com a idéia, e em apenas uma semana estávamos com todo o pessoal reunido e já uma agenda com sete shows marcados em São Paulo — conta.
A gafieira é uma tradição do Rio, mas que tomou corpo também em São Paulo, ficou por um tempo quase que desaparecida e agora está reacendendo com força.
— Aqui no Rio existiram muitas gafieiras há algumas décadas, que foram fechando suas portas, transformando-se em outras coisas. Elas começaram a surgir por volta do início do século XX, espalharam por toda a cidade, como um reduto de prazer e alegria para o povo. O centro da cidade guardou algumas tradicionais: a Estudantina, Elite e o Clube dos Democráticos, que foram casas frequentadas por músicos da mais alta qualidade — fala Gabriel.
— A gafieira era um local para os pobres se divertirem. Os ricos costumavam frequentar os bailes da alta sociedade e os cassinos. Eram ambientes bem simples, apesar de frequentados pelo povo com sua melhor roupa: o folclórico terno de linho branco, o chapéu Panamá, mas nada caríssimo, importado, comuns nos ambientes de alta sociedade. E a noite era para o pessoal se divertir, dançando músicas brasileiras de qualidade. Atualmente, com a retomada, a gafieira está sendo frequentada por gente rica ou pobre, vestidos de acordo com sua condição, mas a boa música continua animando a noite — continua.
O ambiente exige respeito
Segundo Gabriel, ao contrário do que dizem, a gafieira nunca foi um local para prostituição.
— Por ser frequentada por pobres, ela ganhou a fama de lugar de bagunça, de 'ralé', de prostituição, mas isso não confere. Por experiência, nunca vi nada disso. Existia inclusive o 'estatuto da gafieira', que dizia, entre outras coisas, que a pessoa não pode dançar fumando cigarro ou com copo de bebida na mão, ou ficar beijando escandalosamente no salão, e quem não cumprisse o estatuto era convidado a retirar-se da casa — conta.
— Lembro-me que na Estudantina, se alguém tentasse burlar a lei, o segurança vinha e dava um toque no cidadão: 'senhor, o ambiente exige respeito', igual a música que Billy Blanco fez para gafieira: 'moço olha o vexame, o ambiente exige respeito, pelos estatutos da nossa gafieira, dance a noite inteira, mas dance direito' (risos), isso porque era um local familiar — acrescenta.
João Nogueira, que também era um frequentador de gafieira, no caso a Elite, fez uma música chamada Baile no Elite que expressa bem a intenção da noite:
Fui a um baile no Elite
atendendo a um convite
do Manoel Garçom
(Meu Deus do Céu, que baile bom!)Que coisa bacana
já do Campo de Santana
ouvir o velho e bom som:
trombone, sax e pistonO traje era esporte
que o calor estava forte
mas eu fui de jaquetão
para causar boa impressão
naquele tempo era o requinte
o linho S-120
e eu não gostava de blusão
(é uma questão de opinião!)"
— A gafieira sempre foi amada por músicos e orquestras sensacionais, e agora está aí com toda força, em parte graças a iniciativas de pessoas como Zeca Pagodinho, que fez um disco de gafieira há pouco; Carlinhos de Jesus e Jayme Aroucha, que sempre deram aulas de dança de salão, músicas de gafieira, inclusive recentemente o Carlinhos abriu a Gafieira 40 graus, na Lapa, frequentada principalmente por jovens. Além disso, o samba autêntico, muito tocado nessas casas, está aparecendo novamente, e a Saga veio para ajudar ainda mais esse renascimento da nossa cultura, e alegrar o povo — declara com entusiasmo.
A apresentação do grupo Saga é uma gafieira show, em um local qualquer, não precisa ser exatamente em uma casa de gafieira, porque qualquer lugar em que esses músicos se apresentam se transforma. É uma espécie de gafieira portátil. São duas horas de show com muita dança no salão.
— Fazemos um 'showzaço' de primeira (risos), com muito samba canção, rasgado, sincopado, puladinho. Tocamos choro, MPB. São composições próprias e de músicos conhecidos, um repertório brasileiro, coisa nossa. Temos quatro arranjadores sensacionais: Rubinho, Azeitona, Chiquinho e Samuel Pompeu. Mando uma música nova para eles e em uma semana os arranjos 'envenenados' e bem temperados estão prontos e já apresentamos no próximo show — conta Gabriel, que tem carreira solo de cantor, compositor e violonista. Também leciona violão, compõe trilhas para cinema e teatro, e faz direção musical teatral. Em 2006 lançou seu CD Brasis, um disco mesclado de MPB, samba, baião e frevo.
— Estamos muito felizes com a nossa orquestra de gafieira, até porque é uma reunião de bons músicos que fazem um trabalho coletivo em que todos são donos, dão palpites e trabalham em conjunto, unindo forças, dando o melhor de si naquilo que faz de melhor, com prazer e sem 'corpo mole'. Temos o desejo de gravar um disco, mas acredito que precisamos reunir um repertório autoral maior, o que é normal para quem começou suas atividades no início de maio — conclui Gabriel.