À maneira de certos programas televisivos produzidos pelas corporações ianques para a América Latina, estilo comédia de situações, as CPIs “mensalão”, correios, bingos, em particular a atuação do Conselho de Ética da Câmara, além de outros eventos menos concorridos, há quase quatro meses são a alegria dos que pensam controlar a consciência das massas.
Esse seriado, ou novela, mantém um invejável ibope, também com script que parece ser conduzido segundo as pesquisas de aceitação. Fluídas das doutrinas que buscam transformar os povos em populações intelectualmente desvalidas, em passivos observadores de histórias voltadas para desfazer os ideais das massas, sustentar ilusões de classe, e tornar habitual a seus olhos a exploração do homem pelo homem, sucedem-se as intermináveis narrativas detetivescas. Quem foi, quem é o culpado etc., etc.
Com efeito, as tentativas de regular o humor das massas inculcando nelas doses massivas de confusão, de angústia, de desespero, de entristecimento, outras vezes buscando provocar inquietações sob a forma de risadas, não passam de parte da guerra que as classes reacionárias internas, sob as ordens do imperialismo, movem contra o povo.
O controle político e tecnológico sobre a imprensa — exercido pelas oligarquia latifundiária, burguesia burocrática nativas e determinados setores de classes igualmente reacionários encravados no interior da pequena burguesia —, no conteúdo, não difere do domínio que exercem sobre o voto e até sobre a apuração.
Planos para quem?
Assim, a novela corrupção — que a bem da verdade não começou com as denúncias do deputado Jefferson — levada ao público pela imprensa estrangeira que opera em nosso país, televisiva e impressa, bate recordes de audiência e de vendagem. Trata-se agora de chegar aos últimos capítulos, sem traumas ou revoltas.
O problema é que para encerrar essa novela, é preciso lançar uma outra de igual impacto, coisa já encomendada porque o método usual do poder é o de fazer com que um escândalo encubra o imediatamente precedente e, todos, ocultem o crime maior.
É público que existe o plano A e o plano B, que não foram estabelecidos por nenhum gerente ou ideólogo da colônia, ainda mais evidende com a vinda de John Snow (João Neve, afinal tão íntimo) secretário do Tesouro do USA.
O primeiro plano, sem impactos. Acordos, cassações e demissões de elementos do segundo e terceiros escalões oficiais, além de outros em diferentes postos distribuídos nas imediações “civis”, apenas.
No plano B, para o caso de não se conseguir evitar “colisões”, acrescenta-se um processo ligeiro de desligamento de alguns prepostos. Luiz Inácio tenta salvar-se com ou sem o PT. Pensa no recurso de um círculo parlamentar amplo, com Sarney, Itamar… Em ambos os casos, o processo eleitoreiro precisa de uma “oxigenação”, ganhar tempo. Então, leva-se a discussão para onde não cabe, cria-se contradições fictícias, assegura-se principalmente os genuinos interesses das classes reacionárias nativas e os do imperialismo e, no mais, as CPIs pretendem se limitar ao desfecho com a cassação de alguns, em razão da “corrupção de alguns”.
No entanto, independente do formidável aparato de contra-propaganda, em pleno funcionamento das sua faculdades tecnocráticas, na verdade o controle da opinião pública acaba sendo o controle daqueles que imaginam “monitorar” a indignação do povo.
O prestígio da direção oportunista do PT está profundamente abalado. Ela conseguiu irritar desde o filisteu à tia beata que matriculou o sobrinho no PT; desde o alto clero, passando pelo especulador e explorador da força de trabalho nativa — orgulhoso por dispor desse aparato partidário — ao eleitor honesto e empobrecido. E é fato que muitos nomes, sendo ou não personalidades famosas, ajudaram o PT, mas nem por isso traíram o povo. Ao contrário, a esmagadora maioria foi traída. De resto, a direção do PT chegou, até mesmo, a aborrecer seus colegas entre os papas estrangeiros nos fóruns internacionais da esdrúxula Terceira Via. Antes, havia manobras para que não surgissem CPIs (mesmo quando elas ocultam crimes muito maiores), para negar denúncias, depois, para desconhecer os fatos, em seguida, para delatar o “companhero”ao lado (alguns “companheros” perdem cargos). Homens probos, com a faca e o dólar na mão, jamais se insurgem contra inquisidores igualmente desmoralizados, nem contra a figura da “delação premiada” (criticada apenas quando atrapalha figuras de proa dos acordos) e, muito menos, com o fato de policiais arrastarem algemada pela rua qualquer pessoa sob as vistas da TV. Quanto maior a humilhação pública, pensam os de cima, maior o sucesso da “aplicação da lei”.
Isso é um treino, todos sabemos. Fingem não saber os fascistas que sempre habitaram o poder na condição de lixos recicláveis, e os que chegam agora.
Toda a defesa que pretende ser contundente, frente às acusações de corrupção limitadas ao jogo da propina a que se propôs o Congresso desvendar, foge assombrosamente do assunto. São propinas de milhões. E no entanto, crimes maiores são o tema proibido, havendo ou não flagrante de propina.
No âmbito dos crimes menores, diante de tantas provas, a direção petista diz haver insinuações, e fala de traições. Provas há, não se apresentaram conclusões técnicas, em parte, porque não pretendem fazê-lo, e também porque a renhida disputa eleitoral começou mais cedo. Nem mesmo aí há qualquer reputação a defender, mas tem muita informação para ser sonegada ao povo. A única explicação dada para a constituição de CPIs é o simplificado poder de cassação, já que o resultado das investigações nada explica.
O operário padrão do Banco Mundial sabe que a massa mesmo não irá socorrê-lo de uma possível cassação e a única importância de que se revestiria um impeachement, no momento, seria a de descansar os olhos dos telespectadores afastando uma tão nauseante figura do noticiário. Mais à frente, são argüidas semelhanças entre o “chefe do Executivo” e o colega Chávez. Semelhanças existem, mas nada lhes favorecem, porque se situam no nível dos dolorosos discursos “improvisados” e gestos igualmente sugeridos pelos especialistas em marketing político que não passam de imitações de Mussolini. Tudo isso, em nossa época, completa o quadro de mesmice e tortura televisiva.
Uma pausa, novos escândalos para consumo.
Espaço latifundiário
As direções oportunistas, todavia, ainda dispõem de um espaço político imenso, porque não foi esgotado o momento de esplendor do oportunismo, da ofensiva contra-revolucionária geral no mundo e no Brasil. Mas isso não significa ofensiva final, já que a tendência principal, histórica e política hoje, é o avanço das massas no processo de sua emancipação, assim como a libertação das nações.
Depois do depoimento, considerado exemplar de Palocci, em fins de agosto, tudo leva a crer que a temporada de denúncias sobre “mau comportamento” seja acompanhada de desconcertantes acordos. Que personagens morrem, quais se casam?
Além do mais, é patente, desde o primeiro de abril de 1964, que o imperialismo — se não pode evitar disputas entre frações — não admite choques de oligarquias e muito menos haveria de tolerar briguinhas entre instituições homologatórias que prejudicassem seus interesses. Que se desmoralizem, tudo bem. É problema lá delas. Mas que os rumos da economia, diga-se rapina, jamais se alterem. Portanto, no ringue, mesmo ensanguentados, os contendores gritam a todo instante: “Viva a economia! A economia vai bem!” Ao que o monopólio das comunicações avaliza efusivamente.
O fato é que o PT já chegou mal, desorientado. Não veio para fazer nada de novo que não fosse aumentar o arrocho. Quando não suportasse mais, viria a política de crise, justificando a inépcia. Mas a crise veio com muita força. Antevendo sua bancarrota, logo nos primeiros meses da administração FMI-PT, alguns pensaram em reorganizar uma oposição oportunista consentida. Hoje, a peça oratória principal é a refundação do PT, ou seja, reforma na aparência e continuísmo no conteúdo. Se necessário, usarão também “refundação do governo”, porque qualquer tolice serve, inclusive a de dizer que o povo acreditará nisso.
A refundação do PT tem como endosso uma adulterada folha de serviços, no melhor estilo do clero católico que aprecia passar uma borracha na História e se auto–intitular patrono de todas as causas sociais. O movimento estudantil da década de 60, quer faze r pensar o PT, foi conduzido por ele, embora só fosse criado muitos anos depois. Apela para as lembranças da campanha Diretas Já, que o PT não liderou, como também não liderou o movimento operário que reascendeu no Brasil no início da década de 70, em plena vigência do gerenciamento militar.
Mas a direção petista defende religiosamente o embuste de que a História acabou, o imperialismo também, classes não existem, há simplesmente “sociedade civil”. Assim, inexiste exploração do homem pelo homem. Persiste apenas diferenças entre ricos e pobres, as administrações passadas cometeram equívocos somente (que arrastaram milhões à miséria e à morte enquanto tornavam mais poderosos os opressores nacionais e estrangeiros) e só se deve entender algo quando escrito ou pronunciado em inglês.
É óbvio que há um grande golpe tramado pelas “elites”, que foi a última eleição majoritária, responde o povo. E todas essas eleições da “democracia representativa” não têm passado de golpes. Além disso, que elites, cara-pálidas? Elite porque o imperialismo os proibiu de dizer burguesia, oligarquia latifundiária e, ainda, imperialismo. Obediente, o cartel oportunista oculta tudo que tenha caráter, principalmente caráter de classe. Por isso, seu comportamento servil chega a provocar ataques de risos na imprensa das classes dominantes, já que esse (des)governo faz até mais do que elas exigem.
Em junho, no auge das denúncias de corrupção, surgiu por exemplo um manifesto da comissão política nacional do PCdoB (o partido que na mansão petista dispõe de um quarto de empregada) criticando “a oposição”, para eles, representada pelo “reacionarismo da elite brasileira contra o governo democrático”. Recordam que denúncias contra Cardoso “foram sumariamente arquivadas”. E por que não as desarquivaram, já que, junto com o PT, e outros aliados, são maioria? As inúmeras prisões realizadas pela Polícia Federal não passam de peça de propaganda do governo, porque quanto à venda do país — em lotes e por atacado, solo, subsolo, espaço aéreo e, principalmente, a ruína do povo trabalhador e explorado —, não mandaram o Ministério da Justiça, e a mesma polícia, mover um só dedo. Mas contra quem fariam isso? Contra a sua própria administração, a do colega anterior, do precedente, depois do outro e mais outro, até o primeiro de abril 64?
Tem coragem para isso?
Pálido socorro
Essa “comissão nacional”, que usa o nome de PcdoB, tem a coragem de afirmar que o governo não obstrui investigações (mas se opôs às CPIs, e não podendo escondê-las, agora, dizem que é necessário “apurar tudo”) quando até o paradeiro dos corpos dos guerrilheiros (muitos eram membros do Partido Comunista do Brasil), assassinados no Araguaia, é ocultado por esse mesmo governo que, afirma a comissão, ser “uma grande conquista do povo brasileiro”, governo que chamam de coalizão. Certamente, governo de coalizão entre o imperialismo, a oligarquia latifundiária e a burguesia burocrática contra o povo.
Num outro momento em que os privilegiados começaram a se ver espremidos, um manifesto datado de 27 de junho, intitulado Carta ao povo brasileiro, fala de “acusações não comprovadas de corrupção”, mas pede a “completa e rigorosa investigação das denúncias” (…) “com a punição dos responsáveis”, lembrando a necessidade de investigar também as denúncias durante a “votação da emenda constitucional que aprovou a reeleição de Fernando Henrique Cardoso”.
Procedam. Sintam-se como se estivessem (porque estão) lá na sua própria casa. Por que ainda não o fizeram?
No entanto, a Carta diz que “nós, representantes das organizações populares, das organizações não-governamentais, do movimento sindical, dos movimentos sociais e personalidades, convocamos toda a sociedade brasileira” (…) “para enfrentar a crise política e fazer prevalecer os princípios democráticos”. Afirma que, por um lado, “o governo seguiu uma política neoliberal, resultado de alianças conservadoras”. Por outro, “adotou um discurso da prioridade social e uma política externa soberana e da aliança com as nações em desenvolvimento. A eleição de Lula reacendeu as esperanças na América Latina” etc., etc.
Sucede que “as elites iniciaram uma campanha para desmoralizar o governo e o presidente Lula” (…) e “obrigá-lo a aprofundar a atual política econômica e as reformas neoliberais, atendendo aos interesses do capital internacional”.
Acontece que a desmoralização do governo e da pessoa de Luiz Inácio, na parte que toca ao monopólio dos meios de comunicação, começou no dia da sua posse e se mantém até hoje. O tratamento dado ao atual presidente da República, durante todos esses meses, é o deboche. Basta rever as edições em que fartamente o “primeiro mandatário” aparece à beira de uma piscina; outras vezes fazendo-se passar por músico instrumentista, chefe de orquestra e tantas outras imagens ridículas, além de inúmeras apreciações, desde então, feitas aos seus discursos entendidos como notáveis contribuições ao bestialógico político etc., etc., fartamente estampadas nos jornais.
Ao que parece, a direção petista, como é próprio dos pelegos, nunca reclamou, mas reconheceu o seu lugar, inclusive continua abarrotando de dinheiro as contas do monopólio de comunicações, via pagamento de publicidade. Ou não?
Se o PT, de fato, é governo, nada tem a pedir, mas fazer. Por que não toma atitudes? A começar pelo mandatário que não deveria se prestar a determinados papéis.
Por que a Carta exige “investigação das denúncias de corrupção, por ocasião da votação” (…) dos “processos de privatização das estatais ocorridas no governo Fernando Henrique”? Por que só “investigação”, quando, até pior: por sí, apenas a desnacionalização de empresas estratégicas e do solo e do subso lo consituem crime, é traição nacional, fato consumado várias vezes, é público e notório? Por que, sendo governo, não adota atitudes? Para isso não existem Medidas Provisórias? E por que dá prosseguimento à privataria? Aprovaram as PPPs em que administração? Não é verdade que, em toda a América Latina, o chefe do “Executivo” só governa com Medidas Provisórias, o parlamento não lesgisla, e o poder judicial acumula normas igualmente fascistas? Por que propor ao governo excluir de seu meio setores conservadores? O que são conservadores? Deles, uma frente democrática, que fosse, até precisaria. Mas por que não excluem precisamente as classes reacionárias dos acordos? Por que não estabelecem acordos com as classes exploradas, justamente de onde saíram os votos? Justiça se faça, antes de haver acordo existem normas disciplinares entre patrão e empregado de luxo, tão exigentes quanto aquelas que os exploradores impõem aos seus explorados. Prove a direção petista que não é empregada de luxo, prove que é governo.
Não prova.
A Carta faz exigências de “regulamentação de democracia direta que implica o exercício do poder popular”, mediante… plebiscitos e referendos (?!). Exige também criar novos espaços nas “empresas estatais e de economia mista.”
Subjetivismo & mesmice
Desde quando um poder popular se faz à base de plebiscitos e referendos? Já não basta o grande blefe do orçamento participativo ? Por que não acordam? Que estatais restaram? De que economia mista estão falando esses retardatários?
Não podem esconder tanta submissão ao denominar “iniciativas locais de cidadania”, por exemplo “os comitês pela ética na política, conselhos de controle social, escola de formação política”, entre outros conceitos reacionaríssimos enrolados no discurso clerical, trotskysta, gramisciniano, tecnocrático, social-democrático etc.
Por que esse cartel oportunista — ao qual estão filiados o PT, o MST, a CUT, as Ongs etc. — não se insurge nas ruas contra a venda do país, buscando, ao menos, um resto de lógica para o seu discurso? Simples, porque se trata mesmo de um cartel oportunista. Por isso, muda de assunto e põe a massa petista para protestar contra um possível impeachment, cassações e outras medidas “drásticas”.
Seguem nomes de alguns dos signatários da Carta, conhecidos ou não:
Central Única dos Trabalhadores; MST; Coordenação dos Movimentos Populares; UNE; Associação Brasileira de Ongs; Conferência Nacional dos Bispos; Pastorais Sociais; Pastoral Operária Nacional; Juventude Operária Cristã; Conselho Indigenista Missionário; Comissão Pastoral da Terra; Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil; Conselho Nacional de Iyalorixás e Ekedes Negras; Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes; Movimento dos Sem Universidade; Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; Movimento dos Trabalhadores Desempregados; União Nacional de Moradia Popular; Centro Feminista de Estudos e Assessoria; Federação Nacional de Advogados etc.
Quando as frações da burguesia mais reacionária e a oligarquia latifundiária sentem-se enojadas dos monstros que elas mesmas criam, conseguem, até o momento, alterar situações sem que o equilíbrio de forças modifique desfavoravelmente para elas: 1988; setembro/dezembro de 1992 (episódio Collor) e, agora, Luiz Inácio. O sistema de governo não mudou desde 64, apenas o gerenciamento tornou-se sofisticado e evoluiu da forma militar para “civil”.
Mas as CPIs, nos seus trilhos, para onde levam os escândalos consentidos? Se não punem, vão ajudar a aperfeiçoar os mecanismos de captação paralela de recursos e fortalecer o bando novo do mercado. E como afastá-lo ou tolerá-lo? E até quando o povo haverá de suportar isso? Primeiro, os mecanismos de corrupção se aperfeiçoam constantemente, apesar de sempre deixarem rastros de elefante num terreno enlameado, pelo simples fato de serem mecanismos de corrupção. Quanto a esse cartel, que reúne tropas de várias áreas, tem gene aristocrático. Em alguns estados de economia mais modesta é fácil observar que o contingente próximo à direção do PT é constituído por filhos políticos do antigo PDS bem situado.
A degeneração petista evoluiu de agremiação pequeno burguesa para fração parlamentar da burguesia burocrática e do imperialismo. Sua chegada ao poder coincide com a mais forte crise do sistema parlamentar e partidário, de decomposição do sistema de Estado e de governo semicolonial, semifeudal e burocrático, além da acirrada disputa entre a burguesia compradora e burocrática —, onde grupos tradicionais, representados por outros partidos, se sentiram ameaçados de expulsão pelo PT.
“Tem tudo a ver, sabe?”
Por outro lado, que partido (populista e, ao mesmo tempo, com uma direção tão servil ao imperialismo) poderá substituir o PT? Não é o caso de conservá-lo reformulado e que, por isso, falam tanto em refundação?
É, porque, afinal, “só tinha de ser com o PT”, o partido talhado, a agremiação eleitoreira perfeita, cujo projeto de poder não era outro senão o de servir ao poder tradicional. Por isso, as classes dominantes cederam tanto espaço aos chefões do cartel oportunista PT/CUT/MST/ ONGs no sistema de governo, permitindo ali a presença do partido que — num crescente — por tantos anos promoveu o sindicalismo de resultados, tramou greves administradas, monitorou as organizações sindicais, filiou as maiores federações à Ciols*, aliciou a juventude da pequena-burguesia, e até mesmo gente do campo para desviá-la das lutas camponesas consequentes.
O projeto oportunista criou um partido social-democrata, de trabalhadores não proletários — onde, pelo contrário, a composição proletária, camponesa etc., constitui apenas uma massa de apoiadores e de eleitores — sob a direção burguesa e pequeno-burguesa de tecnocratas. O cartel oportunista inventou o PT para, principalmente, combater o Partido Comunista, a pretexto de organizar uma agremiação legal que congregasse toda uma suposta “esquerda”. Um partido que, na versão de seus ideólogos, se propôs “reabilitar a esquerda” que o “partido comunista afundou”. Desde o início, a afirmação do PT se fundamentou na negação do partido dos comunistas.
O anti-comunismo, adotado pelo cartel oportunista, é algo bem grave. Diferente de discordar e até do direito de nutrir antipatias pelo Partido Comunista, o anti-comunismo é a principal arma da reação imperialista contra o proletariado internacional, com a qual ataca todos os princípios constitutivos do socialismo científico, da libertação nacional e da emancipação das classes oprimidas em geral, lançando a desconfiança nos ideais de libertação do povo oprimido. O raivoso anti-comunismo do PT seguiu o caminho apontado pelos trotskystas (e discípulos nativos da variante kruschovista, fundado após o falecimento de Stálin), demais liquidacionistas e correntes de malfeitores aliados da reação internacional contra o povo trabalhador.
Desde os primeiros momentos de sua formação, passando pelo manifesto programa, o cartel que conduz (também) o petismo, continha o viés anticomunista e aprofundou sua concepção reacionária no poder. Abertamente buscou neutralizar o movimento de massas, até as mais simples lutas econômicas (lutas por salários, garantias trabalhistas e previdenciárias) dos trabalhadores, e procedeu a todas as anti-reformas que as administrações contra-revolucionárias anteriores, desde 1964, não puderam concluir a seu tempo.
Ilustrando: para se livrar das acusações de mandonismo interno, certos chefes da direção petista, do fundo do seu anti-comunismo, dizem não ser stanilistas. Ora, o que tem a ver Stalin com mandonismo e essa plebalhada de pequena burguesia que sonha ser dirigente do povo brasileiro? Como a democracia proletária socialista (e não se precisa ser militante para saber disso), que no interior do partido ganha o nome de centralismo democrático, vai se aplicar num partido que não é a vanguarda do proletariado, nem ao menos parente afastado da classe operária? O que tem a ver o centralismo democrático com a ditadura da burguesia de colônia, auxiliar do latifúndio e serviçal do patrão imperialista?
Quem costuma reunir tantos interesses para lançar tamanha calúnia contra os comunistas, desprezar seus méritos, propagar a confusão sobre os seus princípios e macular o seu passado de lutas? Não se tolera numa frente, mesmo a que se diz puramente democrática, nenhuma espécie de anti-comunismo, porque nela não se pode abrir espaço para o fascismo.
O projeto inicial do PT afirmava pretender, ao mesmo tempo, ser um partido de massas, de lutas, democrático e socialista, e uma frente (sem caráter de classe, óbvio, mas abarrotado de grupos no seu interior que se autodenominam partidos socialistas e “comunistas críticos”), bastando, para tanto, receber o nome genérico “dos trabalhadores”.
Espécies muito diferentes
A direção petista sempre tentou caracterizar levianamente os partidos comunistas da América Latina, taxando-os de “organizações feitas de um pequeno número de quadros profissionais, com nenhum ou quase nenhum contato real com as massas dos trabalhadores” (…) e que essa incapacidade “decorre do simples fato de que eles (partidos comunistas), frequentemente, são partidos para o povo ou para os trabalhadores e não partidos do povo ou dos trabalhadores” (…) que mantêm as massas “na condição de objetos da política dos outros” (…).**
Todas as vezes que o Partido Comunista (discordando ou não dele) dirigiu uma revolução, ele comprovou estar ligado às massas, demonstrando que as massas fazem a revolução e o que Partido as dirige. O Partido Comunista é um partido de classe, uma forma superior de organização de classe, da massa proletária. Mas o partido é o partido da classe dos proletários. Como comparar-se a ele um PT que o cartel oportunista ajudou a criar e a dirigir?
Não interessava à cabeça trotskysta, clerical e ongueira (imperialista) do PT explicar que os partidos comunistas estavam presos a um considerável número de quadros dirigentes revisionistas, a serviço do social-imperialismo pseudo-soviético, desde 1953, e à CIA que, de fato, causaram muitos e terríveis danos ao Partido em toda a América Latina. Ou explicar que, por isso, no Partido Comunista havia lutas internas violentíssimas, onde quadros revolucionários enfrentavam o revisionismo e a reação, simultaneamente. E não interessa até hoje, não é? Certos quadros do PT — não aqueles que se afastaram apenas, mas os que de fato vergonhosamente desertaram do Partido Comunista —, deveriam contar o que se passou, e não o fazem porque são vilões, traidores.
Nenhuma organização democrática, comprovadamente patriótica ou comunista, que de forma digna venha compor um programa de independência nacional e de libertação das classes oprimidas, pode ser elameada por esses lumpens.
O cartel dos dirigentes oportunistas, como tal, seguiu a contra-mão da história, a trilha do anti-comunismo, o corredor indicado pela contra-revolução, e se esfacela sem que as massas tenham se dado ao trabalho de revidar um só golpe que contra elas foi desfechado por esse mesmo cartel.
Nada melhor para o imperialismo que dispor de um partido anti-comunista que finja ser de esquerda. Esquerda, senhores, são idéias, partidos, linhas políticas que preconizam a libertação das classes oprimidas e a independência nacional contra o imperialismo. Em que momento de seu “governo”, para não ir muito longe, a política do PT coincide com esse pensamento? Que independência, por exemplo, se o seu principal objetivo é manter o “investidor estrangeiro feliz da vida” e a bolsa tranquila, com todas as crises? Quanto ao “investidor”, ele nada mais é que o exportador de capital, um potentado imperialista!
1. Esse cartel de meios dirigentes que controla e sabota inúmeras atividades no movimento de massas, com sua atrapalhada definição de poder, não pode nem jamais desejou dizer à massa petista que governo é órgão central do poder. E se finge de desentendido diante do significado que possa ter (ainda que acanhado) o conceito de governo popular e democrático que pudesse, ao menos, insistir num programa de profundas transformações na vida econômica, política e cultural da sociedade em favor das massas. O PT tecnoburocrata no sistema de governo (este sim, dos outros, das classes que jamais foram trabalhadoras), provou não ser patriótico e muito menos popular e democrático.
O PT surgiu de vergonhosas concessões na enunciação de princípios, aparentando ser democrático pelo seu programa repleto de lugares-comuns e ostentando um considerável apoio da massa que consentiu fazê-lo porque dizia combater a ditadura. O cartel de oportunistas que domina não só o PT, mas dispõe de forte aparato que visa controlar o movimento camponês (através do MST), a administração pública e entidades (via Ongs), o movimento sindical operário (por intermédio da Ciols/CUT) etc., na sua concepção de partido impostor, se desenvolveu até apagar por completo a idéia de organização política fundamental, substituindo-a pela de fração parlamentar. Por acaso, para o cartel oportunista essa massa de que ele fala não é tratada pelo PT na condição de massa de votantes, nos mais próximos elementos monitoráveis pelo clero, pelas Ongs, pelo poder, enfim?
Ao chegar ao poder (do imperialismo, bem entendido — em associação com as classes contra-revolucionárias internas como o latifúndio e a burguesia burocrática nativas), o que fizeram os que realmente dirigem o PT? A primeira providência foi a de escancarar sua aliança com a oligarquia latifundiária, com os agiotas estrangeiros e nativos (banqueiros “brasileiros”). E há quem (como se não soubesse o que é direita) diz ainda: “Ou muda agora ou se entrega de vez para a direita” (!?) Mais à direita não é possível.
O voto é tudo?
Não se trata de exercitar “exigências ortodoxas”. Pelo contrário, porque não podemos desprezar nenhuma forma de luta democrática. As eleições, inclusive, desempenharam um grande papel na desmobilização do gerenciamento militar. Mas os sacerdotes do oportunismo pretendem embrutecer o povo (ao menos, a parte mais acomodada da pequena burguesia) para que ele se esqueça do fato de a eleição ter sido uma concessão do poder das classes dominantes diante da pressão das massas, momento em que a sua polícia política (não apenas a operacional) buscou evitar choques maiores.
Mas, hoje por ser simplesmente voto (ainda por cima, o mil vezes denunciado voto eletrônico!) , unicamente eleições, não significa que o povo tenha se deparado com formas democráticas. Afinal, que grande escolha poderia fazer o povo entre Garotinho, Serra, Lula (a um dado momento foram, um por um, “assinar um documento lá dentro” que ninguém sabe o que é, até hoje!) e Ciro, quatro representantes de máquinas eleitoreiras (agora, todos têm espaço privilegiado no aparelho de governo), adaptadas às disputas eleitorais, inservíveis para a luta por profundas transformações sociais?
No momento, como as coisas não podem dar certo — e nada foi feito para dar certo, ao menos para o povo, de tal forma que nem vale à pena fazer promessas — resta a política de escândalos. E ao mesmo tempo, insistir sempre que a luta maior, suprema, é a parlamentar; afirmar que o melhor sistema é o que adota o cretinismo parlamentar!
As direções dos demais partidos que apoiaram o candidato majoritário, também iludiram os eleitores de seus respectivos partidos e os eleitores de uma maneira geral. Não cabe, a exemplo do representante do Partido Democrático Trabalhista PDT, dizer que “Não foi nesse Luiz que nós votamos”. Se pediram votos para um Luiz de Souza, este não estava inscrito e invalidaram o voto.
Os partidos próximos conheciam a direção do PT e agora fariam melhor procedendo a uma autocrítica. Mas ela é possível? Não, por se manterem dentro da máquina eleitoreira. Para não dizer que somos muito exigentes, reconhecemos que nenhum governo estadual do PMDB (até que ele se tornou definitivamente de direita) ou do PDT, durante a campanha pelas diretas, por exemplo, foi tão atrasado quanto os governos estaduais do PT. Não fossem os escândalos ainda haveria quem dissesse que é cedo para julgar a administração FMI-PT. Mas, sem perda de tempo —, o que fez o “governo Luiz” desde o primeiro dia do “triunfo eleitoral”?
Reformas contra-revolucionárias
Usemos a linguagem das “políticas sociais públicas”, do tempo em que o PT surgiu: Que posição assumiu o governo do PT para a área que chamam Educação? Adotou alguma atitude positiva em relação ao ensino público? Não democratizou a universidade e as escolas, mas deu continuidade à privatização do ensino e à ruína do patrimônio físico dos prédios escolares. O mesmo aconteceu com as diretrizes para a Saúde (que não passa de uma política exercida pelos grandes laboratórios estrangeiros) e as da Previdência. Que contribuição deu ao abastecimento popular? O que trouxe o repugnante Fome Zero, que nem filantrópico consegue ser? Pôs fim ao projeto imperialista de exportação na agricultura, com sua Agricultura Familiar de orientação ianque?
Onde foi parar a tal reforma agrária, já que assegurou ser possível promovê-la? Nem a reforma agrária metafórica, de discurso apenas, teve competência para defender, tal a ojeriza que o seu “parceiro” latifúndio sente pelo assunto. Como reordenou o meio geográfico brasileiro, senão que entregando mais terras às corporações estrangeiras, adotando medidas tão “patrióticas” como aquelas em que passa a selva amazônica brasileira para as mãos do capital monopolista nacional e estrangeiro, a exemplo do ensaio na Câmara Federal, no dia 7 de julho deste ano?
Por acaso, não tem assegurado o poder latifundiário e incentivado a mais brutal repressão aos camponeses pobres da camada inferior, média, aos índios e mesmo aos fazendeiros mais operosos que lutam pela terra? Que atitude tem adotado para impedir a destruição das florestas, dos mananciais etc., como apregoava o seu “ambientalismo”, ciência que jamais existiu? O que fez em relação à habitação popular? E para o saneamento básico, exceto facilitar que as grandes corporações dessem início à desnacionalização da água, por exemplo? Querem que, dentro de dois anos, o povo tenha que perguntar: Posso beber água, Jhonny?
Que política adotou a administração FMI-PT para o transporte que não fosse a de facilitar o desenvolvimento de monopólios e a desnacionalização das linhas aéreas, rodoviárias e marítimas? Que atitude tomou diante da medida feudal de obrigar o povo a pagar pedágio nas estradas? O que fez para retomar as linhas férreas e melhorar as estradas?
Como vem operando a industrialização, a mineração, a energia e o desenvolvimento tecnológico? Hoje, a Petrobras é ianque, e continua havendo licitações para fortalecer o poder estrangeiro sobre o petróleo. E no que diz respeito ao bloqueio creditício externo, à sufocante política de recessão, de juros? O crédito direto não está sendo respondido com os artifícios da política de aviamento, do barracão latifundiário?
É vergonhoso responder como, através do governo, tem apoiado a pluricidade sindical orientada pela Ciols e, diretamente, a política de salários, senhores “trabalhadores” aristocráticos? No que diz respeito às condições de estabilidade de emprego e melhoria das condições de trabalho, nada mais se vê que aumentos percentuais em dízimas que começam com zeros, enquanto que reformas na Previdência significam sempre menos direitos e pretexto para não elevar o menor e mais miserável salário oficial. Mas acontece o mesmo nos cargos de mando dos três poderes? Que mudanças ministeriais procedeu esta administração, exceto o de nomes para cumprir acordos com os partidos oligárquicos, vale dizer, para acomodar frações da burguesia mais reacionária e a oligarquia latifúndiária?
Que atitude adotou frente à “dívida” externa e às ingerências do imperialismo em nosso país? Expulsou do território nacional um só diretor da mais débil ou desastrosa corporação imperialista?
Na tal política de segurança nacional, esses megapelegos tiveram a coragem, ao menos por demagogia, de enfiar na cadeia um, ao mesnos um, dos responsáveis que destruiram a base de lançamentos de Alcântara e assassinaram 21 cientistas brasileiros? Mandou parar com os massacres nas favelas ou desarmar latifúndios? A polícia prende, espanca e, mesmo antes de morrer, a vítima nunca fala, jamais se defende publicamente porque para ela nunca existe defesa. Por que, então, desarmar o povo —, embora a resposta seja óbvia? Rebeliões e morticínios se sucedem nas penitenciárias do país. A culpa é sempre do preso?
Em que momento se fez algo para pôr um fim na censura exercida sobre as emissoras de TVS, rádios, jornais, artistas brasileiros, a começar pela chantagem econômica, ou não é verdade que, ao contrário, ela cresceu enormemente nas mãos do imperialismo durante a vigência de todas as administrações pós 64, inclusive a do FMI/PT?
Qual foi, um único que seja, acordo lesivo aos interesses nacionais — desde 1964 até hoje — revogado por essa administração? Por que continuam administrando com Medidas Provisórias? Por que sofisticaram o processo homologatório dos interesses do imperialismo com as “votações de liderança”? Ao invés de impor a linha de autodeterminação dos povos, a mais submissa política externa vem sendo sustentada. Chega a enviar tropas para o Haiti! Com autorização de quem? Que revolução social, senhores?, já perguntava AND, em janeiro de 2003 (n° 6, pág. 3), sabendo que por toda a administração FMI–PT seria assim: ilusões eleitoreiras, apologia do sufrágio universal para a continuidade da democracia representativa dos outros — de colônia — entreguismo, aumento da exploração e da repressão aos setores mais empobrecidos do povo, do desemprego, da cobrança abusiva e crescente de impostos. Enfim, um desgoverno que nada mais faz que aprofundar e sofisticar a política de subjugação nacional e o agravamento da crise do sistema imperialista.
Quanto ao povo, só resta um caminho: trabalhar para si, governar o país para sí, desde o chão camponês atá a cidade. E o fará, como também — sem a ingerência dos opressores e na sua forma mais honrada —, terá um presidente que emergirá das massas e com as massas, com o verdadeiro poder popular construído passo a passo.
*CIOLs — Associação Internacional dos Sindicatos Livres. Criada pelos magnatas ianques e ingleses, em 1949, numa manobra liquidacionista dentro da gloriosa Federação Sindical Mundial FSM. No Brasil, a CUT, a Força Sindical e outras federações se filiaram à Ciols pelas mãos do grupo Articulação, ligado a Luiz Inácio. A Ciols é responsável pela política reacionária e conciliadora dos sindicatos na América Latina. ** E agora PT; caráter e identidade. Emir Sader (org.). Brasiliense, 1986. Tais passagens foram utilizadas pelo fato de incorporarem um discurso típico dos ideólogos do PT.