Geórgia/Ossétia do Sul: Mais uma guerra pela partilha do mundo

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Geórgia/Ossétia do Sul: Mais uma guerra pela partilha do mundo

Durante quatro dias, de 7 a 11 de agosto, a Ossétia do Sul, na Geórgia, região da Transcaucásia — entre os mares Negro e Cáspio — viveu um intenso bombardeio e ocupação por parte da Rússia, numa guerra há muito anunciada e fomentada pelas principais potências imperialistas mundiais com vistas a disputar esta região geoestratégica.

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Região autônoma remanescente da antiga União Soviética, a Ossétia do Sul, ainda submetida à Geórgia, declarou independência em 1992, logo após a dissolução da URSS, sendo, desde então, duramente reprimida pelos governos georgianos. Como a maioria da população possui cidadania russa, a sua proteção se tornou a principal justificativa para a ofensiva da Rússia contra a Geórgia.

É importante destacar que o ataque da Rússia foi desfechado em resposta a uma série de ações político-militares repressivas aos ossetianos por parte do governo da Geórgia, que em 7 de agosto enviou tropas à Ossétia para ocupar a região separatista, tudo sob as bençãos do governo ianque, que alimenta grandes interesses naquela região, tradicional área de influência do imperialismo russo. As tropas georgianas bombardearam intensamente a capital da Ossétia do Sul, Tskhinvali, deixando cerca de 2 mil mortos, outros milhares de feridos e uma multidão de refugiados.

Após o ataque russo, choveram acusações de parte a parte sobre genocídio e "limpeza étnica". De um lado, o presidente da Geórgia Mikhail Saakashvili, denunciou que a Rússia vinha patrocinando os ossetianos de origem russa a exterminar os georgianos que habitavam a região desde que esta se proclamou independente em 1992. Por outro lado, os russos rebatem dizendo que a Geórgia promovia a perseguição aos russos no país.

As tropas russas ocuparam boa parte do território georgiano já fora da Ossétia, chegando até a cidade de Gori (terra natal de Stálin), de onde recuaram depois do acordo de paz entre Saakashvili e o testa-de-ferro de Vladimir Putin, Dimitri Medvedev, o presidente da Rússia.

Para se entender a essência dos conflitos na região é necessário saber o que está em jogo e o papel do USA, da União Européia e a desmoralizada ONU.

Petróleo, sempre o petróleo

O controle das fontes de energia é fundamental para o imperialismo, principalmente neste momento de agudização da crise econômica. A região dos Bálcãs e do Mar Cáspio, há muito controlada pelos russos se tornou área de intensa disputa interimperialista, tanto as regiões produtoras propriamente ditas, como as adjacentes, cortadas por imensa rede de oleodutos e com vários outros em planejamento ou construção.

Por um lado a Rússia, se recuperando economicamente graças ao petróleo, tenta manter a influência econômica na região. Por outro, o USA tenta implantar suas bases, sendo parte deste esforço as invasões do Iraque e do Afeganistão, bem como o armamento da Geórgia para a guerra da vez. Há ainda o projeto de escudo anti-mísseis que o USA pretende instalar nas fronteiras da Rússia, particularmente se aproveitando da passagem ao domínio ianque das ex-repúblicas soviéticas, como a Ucrânia, Estônia, Letônia, Lituânia, a própria Geórgia — que negocia sua aceitação na OTAN — e outras. Ainda durante a crise no Cáucaso, a Polônia assinou o acordo que permite ao USA a instalação do escudo em seu território.

A União Européia, por sua vez, tenta diminuir a influência russa na Eurásia, particularmente reduzindo a dependência que tem do petróleo daquele país. Esta dependência se inicia pelo oleoduto de Druzhba (amizade) construído para abastecer o então bloco socialista. É o oleoduto mais longo do mundo (4.000 km) atingindo a Hungria e Alemanha para onde leva 1,4 milhões de barris de petróleo vindos da Sibéria. Os russos construíram ainda outros oleodutos e gasodutos para abastecer a Europa, a China e o Japão. Atualmente está sendo construído um gasoduto que vai pelo Báltico até a Alemanha a um custo de 8 bilhões de Euros, que deverá suprir 25% das necessidades de gás da Europa, sendo estes apenas alguns exemplos.

Para tentar diminuir a dependência, a União Européia utiliza-se do duto azerbaijano-turco, financiado pelo USA, que transporta óleo desde o Cáspio até o Mediterrâneo, sendo o segundo mais longo oleoduto do mundo. Outro exemplo é o consórcio Sarmantia cujo oleoduto parte do Cáspio passa pelo Mar Negro e chega até o Báltico, passando pela Geórgia, Ucrânia, Polônia e Lituânia. Os dois dutos não tocam solo russo.

E o tal mundo unipolar?

Esse quadro mostra as manobras políticas feitas pelo USA, a União Européia e a Rússia na região e que conflitos regionais só tendem a se agravar. A guerra relâmpago entre a Rússia e a Geórgia é um dado deste quadro intrincado de interesses econômicos e geopolíticos. A Rússia vem ainda se posicionando do lado do Irã, que se recusa a se submeter às imposições do USA através da ONU a respeito do projeto envolvendo energia nuclear e sua tecnologia. Há, portanto, a conformação de blocos econômico-militares que expressam essas contradições interimperialistas, na disputa pela partilha e repartilha do mundo, tendo que recorrer à guerra como "argumento" final.

O imperialismo é "viciado" em petróleo, com um consumo intenso e desregrado, fruto de uma produção anárquica, o que torna urgente a repartilha daquela parte do mundo (o que não quer dizer que o processo de partilha não seja mundial). Esta partilha foi preparada com a guerra do Afeganistão e se iniciou de fato com a invasão do Iraque. Mas enganaram-se aqueles que acreditaram que o USA poderia manter inalterada sua condição de superpotência única no mundo, e que as contradições interimperialistas haviam cessado no mundo, como querem fazer crer alguns teóricos burgueses e revisionistas/oportunistas. A atual postura dos russos, mostrando que não abrirão mão de seus interesses chauvinistas, particularmente na região que conformou a ex-União Soviética, é prova de que as contradições interimperialistas só tendem a se agravar no futuro próximo. Essas são as novas condições da partilha do mundo pós-Guerra Fria, em que a Rússia — que nuca perdeu seu posto de potência militar-nuclear — vem recuperando certo poder econômico e lutando para não perder suas áreas de influência num mundo cada vez mais retalhado e disputado pelas potências imperialistas.

A ONU, atuando como o verdadeiro balcão de negócios que é, assiste a tudo de mão atadas pelos interesses das grandes potências militares. Uma vez que o USA e a União Européia exigem a condenação internacional do ataque russo, a ONU nada pode fazer, porque a Rússia tem poder de veto em seu conselho de segurança, o que inviabiliza qualquer medida punitiva.

Guerra e eleições no USA

Nas atuais condições de grave crise geral do sistema, tornou-se impossível a sobrevivência do imperialismo sem a manutenção de sua guerra infinita aos povos das colônias e semicolônias, além da repressão interna e da possibilidade de confrontos entre as potências.

As guerras de agressão promovidas principalmente pelo USA, mas com concurso de outras potências, notadamente da Europa, mostram o beco sem saída em que se encontram. O Iraque está longe de chegar à paz dos cemitérios desejada pelos monopólios mundiais, devido a atuação firme da heróica resistência iraquiana. O Afeganistão vive um novo auge da resistência e os inúmeros processos revolucionários que se desenvolvem em diferentes partes do mundo demonstram que o imperialismo não é imbatível e que seu poder está sendo ameaçado. Uma vez que esta situação trágica é ainda a condição da existência do imperialismo, é impossível a suspensão da política de guerras de rapina.

Devido à política claramente belicista dos republicanos o presente quadro pode influenciar decisivamente as eleições presidenciais no USA em favor dos democratas. No entanto, a diferença entre Obama e McCain é basicamente de estilo e tanto as guerras imperialistas como as contradições interimperialistas seguirão se agravando, podendo levar a um novo conflito de proporções mundiais, que colocaria novamente a Europa no centro.

A situação no Cáucaso é bem diferente da ocorrida nos Bálcãs, por exemplo, onde a Rússia tinha poucas condições de intervir no conflito, que teve o destino selado pela atuação da OTAN, mais uma vez capitaneada pelo USA. No caso da Ossétia, pelo contrário, a resposta russa seria imediata, como demonstrou a reação contra a Geórgia.

Como o socialismo tratou o problema nacional

A autodeterminação (política, econômica e cultural) dos povos, ou seja, o direito das nações disporem de si próprias para o que quiserem, sempre foi tema de estudo entre os revolucionários do mundo. O marxismo, particularmente, desenvolveu a solução mais avançada e acorde com os interesses do proletariado mundial a respeito do tratamento das minorias nacionais tanto sob o imperialismo como no socialismo.

Uma das obras de destaque nesse campo é o estudo de Stálin O marxismo e o problema nacional e colonial,na qual são expostas as condições para a identificação de uma nacionalidade e a política a ser adotada pelos comunistas quanto à luta contra a opressão nacional.

Historicamente, apenas os Estados socialistas foram capazes de solucionar satisfatoriamente o problema nacional, isto porque, mesmo sob uma federação, as nacionalidades mantiveram a liberdade de decidir seu futuro. Um dos primeiros decretos de Lenin após a Revolução Russa reconhecia o direito de autodeterminação das nações oprimidas pelo Império Russo e conclamava o proletariado e o campesinato dessas nações a garantirem o triunfo da Revolução também em seus territórios. Em primeiro de dezembro de 1922, numa união voluntária de dezenas de nacionalidades e repúblicas, era criada a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

A política soviética para as nacionalidades reconhecia a importância do ensino da língua nacional, criou universidades e publicou milhares de livros e jornais nas diferentes línguas dos povos que compunham a URSS. Os povos continuaram a desenvolver suas culturas próprias, numa ampla rejeição dos costumes feudais, uma vez que o processo era dirigido pelo proletariado. A economia das diferentes regiões era planejada de acordo com as necessidades dos diferentes povos e de toda URSS, já que se desenvolvia intensa cooperação entre as repúblicas.

Em 2 de maio de 1945, a bandeira vermelha da URSS tremulava em Berlim, estava derrotado o nazismo. Por mais que se tente minimizar o papel da URSS na guerra, não resta dúvida sobre qual foi a principal força aliada naquele feito histórico e muito menos sobre a justeza daquela guerra antifascista. Tal vitória só foi possível devido à união de povos como o russo, armênio, georgiano, ucraniano, tadjiques, para citar apenas alguns. O Exército Vermelho falava em diversos idiomas a consigna de derrotar o nazismo, de libertar a União Soviética e o mundo.

Esse clima de cooperação, no entanto, foi substituído por um chauvinismo de grande potência quando da restauração do capitalismo na URSS pelas mãos de Kruchev, inaugurando a fase social-imperialista da Rússia, quando as nacionalidades voltaram a ser subjugadas e tratadas como semicolônias. A partir daí e mais ainda com o fim da URSS, a paz e a união deram lugar ao canhão no que diz respeito à questão nacional, que o digam o Kosovo, a Tchechênia e agora a Geórgia e a Ossétia.

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