Jornal de época destaca a morte de Getúlio
- Agosto de 1954 foi o marco para a destruição do desenvolvimento do País, que o presidente Vargas entendia, corretamente, só ser possível havendo autonomia nacional.
- Ele conduzia o País na direção do desenvolvimento, o que o tornou alvo a abater pelo império angloamericano. Documentos históricos provam ter sido Vargas derrubado duas vezes (1945 e 1954), por intervenções das potências angloamericanas (EUA e Reino Unido).
- Isso corresponde à lógica imperial: era-lhes intolerável o surgimento de uma potência no Hemisfério Sul e no “Hemisfério Ocidental”. Geopolítica pura.
- O objetivo foi atingido por intermédio de agentes locais — pagos ou não, conscientes ou não —, como jornalistas, políticos e militares, os quais apareceram mais que aquelas potências diante do público.
- Pensando nos que contemplam lutar pela sobrevivência do País, discuto, neste artigo, erros de Vargas que contribuíram para o êxito dos inimigos do País.
- Desfazendo mitos, rejeito a versão rósea e insustentável — embora geralmente aceita — de que o suicídio do presidente e a carta-testamento teriam impedido os golpistas de fazer prevalecer suas políticas. Veja-se o título de um dos livros sobre o presidente: “Vitória na Derrota – A Morte de Getúlio Vargas”.
- É verdade que a tragédia revelou o profundo amor do povo a Getúlio. Durante, pelo menos, quinze dias, o povo reagiu, até com violência, fazendo se esconderem desafetos e caluniadores de seu líder.
- Entretanto, o presidente não havia organizado o povo, nem formado seguidores para liderá-lo após sua morte. O único talvez com têmpera para isso, Brizola, ainda era um jovem deputado estadual.
- Devido a esse vácuo, o furor popular arrefeceu, Eugênio Gudin e Otávio Bulhões, ligados à finança angloamericana, foram designados para comandar a economia e instituíram a política antinacional destinada a acabar com a autonomia industrial e tecnológica do País.
- Em janeiro de 1955, foram baixadas as Instruções 113 e seguintes, da SUMOC, e mais medidas para entregar a economia ao controle dos carteis transnacionais, com subsídios incríveis. Desde 1956, essa política foi aplicada intensivamente por JK e nunca mais revertida.
- É óbvio que a versão conformista interessa aos simpatizantes do império. Mas, paradoxalmente, predomina também entre a maioria dos admiradores e supostos seguidores de Vargas.
- De resto, as atitudes políticas de muitos desses demonstram terem sido infiéis ao nacionalismo do presidente, fosse por ingenuidade, covardia, falsidade ou até por colaboração interessada com o sistema de poder transnacional.
- Entre os erros fatais de Getúlio esteve admitir a falsa — ou, no mínimo, irrelevante — pecha de ter sido ditador.
- Queixavam-se de ele ter ficado 15 anos consecutivos na presidência, de 1930 a 1945, e o acusavam de tencionar voltar a ser ditador, mesmo quando eleito pelo voto direto, em 1950.
- Na realidade, o espírito de Vargas era conciliador. Não, revolucionário. Assumira a liderança da revolução de 1930, por ser o político mais proeminente do Rio Grande do Sul. Outros foram mais ativos no movimento.
- À frente de uma revolução, tinha de comandar um governo autoritário e designar interventores nos Estados, a maioria tenentes, que simbolizavam o apoio do Exército ao movimento, além de ideais de mudança política e social.
- Nos primeiros meses de 1932 Vargas já promulgara a nova lei eleitoral e marcara para 03.05.1933 as eleições para a Assembleia Constituinte. Sem razão, em julho de 1932, foi desencadeada a revolução “constitucionalista”, na verdade, um movimento liderado pela oligarquia paulista vinculada aos interesses britânicos.
- A Constituição de 1934 estabeleceu eleição indireta para a presidência da República. Eleito Vargas, não cabe qualificá-lo de ditador.
- Durante o prelúdio da 2ª Guerra Mundial, novembro de 1937, dois anos após a tentativa comunista de novembro de 1935, veio, por iniciativa de oficiais do Exército, o golpe criando o “Estado Novo”, com o objetivo de reprimir os comunistas.
- Portanto, Vargas só poderia, em tese, exercer dois mandatos em condições democráticas. O primeiro, quando presidente constitucional, de 1934 a 1937, interrompido pelos chefes militares.
- O modelo político-econômico do Estado Novo combinou conceitos que Vargas e o General Góis Monteiro haviam formulado em 1934, sendo a ideia básica o desenvolvimento industrial sob a direção do Estado.
- No final do Estado Novo e no mandato ganho em 1950 — e abortado pelo golpe de 1954 — Getúlio preocupou-se em desmentir a imagem de ditador. Foi demasiado tolerante — e até complacente — diante das agressões, complôs e conspirações.
- O problema era que sempre esteve sob fogo do império angloamericano, inconformado com a permanência de uma liderança no Brasil capaz de conduzi-lo ao desenvolvimento.
- Embora exalte sempre o presidente Vargas, vejo uma contradição entre sua personalidade conciliadora e a consciência, que tinha, de ser a autonomia nacional indispensável para realizar o desenvolvimento.
- Sendo essa a via escolhida, não havia campo para facilitar as ações subversivas de seus adversários. Ademais, enfrentava-se um império mundial n vezes mais poderoso que o Brasil: financeira, industrial e militarmente.
- Em 1952, Vargas ajudou o inimigo ao não prestigiar o Ministro do Exército, Estillac Leal, quando os quintas-colunas Góis Monteiro e João Neves da Fontoura “negociaram” com os EUA o famigerado acordo militar pelas costas de Estillac.
- Com isso, este se demitiu do ministério e foi perseguido, nas eleições para o Clube Militar, por oficiais golpistas, cujas pressões sobre Leal e partidários deste lhe determinaram a derrota.
- Novamente, em 1953, o presidente mostrou pulso fraco, não mandando punir os coroneis signatários do manifesto contra o reajuste do salário-mínimo.
- Daí, a conspiração de agosto de 1954 encontrou-o enfraquecido, quando implicaram a guarda pessoal do presidente no assassinato do Major Vaz, da Aeronáutica, em esquema montado para fazer crer que o alvo do crime fosse o virulento jornalista e deputado Carlos Lacerda.
- O crime foi articulado sob a direção de Cecil Borer, titular da DOPS – Delegacia de Ordem Política e Social, em que ingressara, em 1932, com o Chefe de Polícia, também pró-nazista, Filinto Muller.
- Borer continuou com Dutra, simpatizante fascista. Vargas não o substituiu, em 1950, não obstante saber que os nazi-fascistas, então, colaboravam intensamente com os serviços secretos angloamericanos.
- Getúlio também foi imprevidente, ao nomear o jovem — e sempre acomodador — deputado Tancredo Neves para o ministério da Justiça, ao qual se subordina a Polícia. Deviam ter impedido as ilegalidades do inquérito policial-militar.
- A própria instauração do IPM, uma semana após o atentado, significou quebra da autoridade do presidente, concedida por este próprio.
- Mesmo tendo logrado distorcer os fatos, através da ação combinada do DOPS e da Aeronáutica, e da campanha da mídia, os conspiradores não teriam conseguido derrubar Vargas, se ele não se tolhesse por preconceitos ideológicos de seus adversários.
- Teria lutado para inteirar-se da verdade e fazê-la conhecer. Se esta já não lhe interessava – por estar cansado e decepcionado — certamente era do interesse do povo. O Brasil precisava dela.
- Getúlio podia ter feito prevalecer os interesses do País, apoiado pela Vila Militar, no Rio, onde estavam os tanques. Essa era sua obrigação perante o Brasil, como em 1945, quando da anterior deposição por militares manipulados por potências estrangeiras.
- Então, o pretexto foi a intenção de continuar no poder, falsamente atribuída a Vargas. Tanto não a tinha, que — além de ter convocado eleições e não ser candidato —, Getúlio dissuadiu de subjugar o golpe os chefes militares que tinham poder de fogo e faziam questão fazê-lo, não fosse a ordem contrária do presidente, sob a irrelevante justificativa de não querer o derramamento de sangue.
- Isso não estava em questão, pois, dada a superioridade de forças dos legalistas, os golpistas se retrairiam. Vide Hélio Silva: “1945 Por Que Depuseram Vargas” – Civilização Brasileira 1976, pp. 253/4, em que reporta o apoio ao presidente do Gen. Odylio Denys, então Comandante da Polícia Militar, e do Marechal Renato Paquet, Comandante da Vila Militar.
- Consequência da saída de Getúlio, por desapego ao poder, e sem substituto à altura, resultou, de 1945 a 1950, a interrupção do desenvolvimento do País: o Mal. Eurico Dutra, vencedor das eleições, graças a Vargas, traiu os votos, sendo subserviente às potências angloamericanas.
- Durante a 2ª GM, Vargas reduzira a quase zero a dívida externa e acumulara reservas cambiais. Dutra as dilapidou com importações supérfluas. Prejudicou a industrialização e dissipou as divisas congeladas pelo Reino Unido, “em troca” de ferrovias obsoletas, do Século XIX.
- O custo do golpe de 1954 foi muitíssimo mais alto: a entrega subsidiada da indústria ao controle do capital estrangeiro, o que inviabiliza, até hoje, o desenvolvimento. Isso só pode ser revertido através de transformações estruturais profundas.
- De fato, a dependência do País não cessou de aumentar, desde a legislação dos pró-imperiais instalados com o golpe, a qual foi aplicada e ampliada por JK — outro que traiu os votos getulistas e iniciou a sequência de crises que até hoje persegue o País.
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* Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.