Gregório, presente!

Gregório, presente!

Treze de março de 1901, Panelas de Miranda, 200 quilômetros de Recife. Na solidão do agreste pernambucano, nascia o décimo primeiro filho de camponeses pobres, como eram e até hoje são tantos lavradores de nossa terra. Pais analfabetos, o menino cresceu assim. Aos quatro anos, foi ajudar no trabalho do roçado. Limpava o mato com uma "enxada velha"* e "um cacareco de foice". A escola da natureza no sítio Mocós durou pouco. Compelida pela fome, a família migrou para a zona da mata, ao sul de Pernambuco. O sítio era de uns tios, e o "inverno" rigoroso, isto é seco, arruinou a lavoura e quase matou a mãe, Belarmina Conceição.

Restava a servidão no engenho. Ali, aos seis anos, o menino de grandes olhos azuis começou a dura vida de assalariado agrícola. Foi "juntar bagaço de cana para alimentar a fornalha" do engenho Brejinho. Ganhava 80 réis por dia. A rotina, nas diversas tarefas era a mesma: levantar de madrugada, para juntar os bois, como ajudante de carreiro; cuidar do cavalo do senhor de engenho; ir aos brejos, cortar, limpar e serrar capim para o cavalo. Melhor alimentado o animal do que ele, menino.

"A minha primeira refeição era um gole de pinga, dado por minha mãe, para, segundo ela, 'espantar o frio e me dar coragem'. Às 10 horas enganava o estômago com um prato de farofa, uma migalha de charque ou um pouco de bacalhau. A seguir ia cuidar da horta da "casa grande", até o meio dia, quando largava para levar o cavalo até o rio, onde o lavava e deixava-o beber. Para se ter uma idéia do meu tamanho, naqueles anos, basta que se diga que tinha de encostar o animal junto a uma pedra de regular tamanho, ou resto de tronco cortado, para alcançar o seu lombo ou pescoço."

Ficou órfão de pai e mãe aos sete anos: o pai Lourenço Bezerra vitimado por acidente, a mãe após pneumonia. Ficou com a avó materna. Os irmãos em diáspora, longe de Brejinho. Com dez anos incompletos, é mandado ao Recife para ser "escravo doméstico da família do senhor de engenho". Brejinho, sempre, mas agora urbano, três anos depois da primeira escravidão.

Ainda menino, dois anos mais tarde, foge aos maus tratos, e sem pais, sem casa, tornou-se "ganhador-de-fretes, menino de rua, dono de todas as calçadas, de todos os pés-de-escadas abertos da cidade de Recife". E assim continuou, "gazeteiro, vendedor de jornais", mas não sabia ler os jornais que vendia. Dezessete anos, teimoso, lá vai ele, ajudante de pedreiro, arrumador de armazéns e até carvoeiro. Foi como pedreiro-peão que se ativou na luta social do operariado de Pernambuco.

Em 1922, é alistado nas forças armadas. Ali, só aos 25 anos aprendeu a ler. Foi promovido a sargento instrutor e aluno da Escola de Educação Física do Exército, no Rio de Janeiro. Leu alguma coisa, pouca, mas de valia, sobre a História do Socialismo e das Lutas Sociais. Então, "inspirado no exemplo e na luta heróica do povo soviético, desde a Revolução de 1917", achou seu caminho.

Seu caminho foi filiar-se ao Partido Comunista. Começava o ano de 1930, quando conheceu o gráfico Pascoal Fonseca que o convidou para, no PCB, organizar a massa militar na caserna e prosseguir na luta pela "libertação do proletariado e das massas camponesas". Era casado com Maria da Silva, desde o ano anterior, com quem teve um casal de filhos.

"Tornei-me comunista, porque, desde menino, vi a fome matar os meus irmãos camponeses. Tornei-me comunista por conhecer, na própria carne, o terrível flagelo das secas no Nordeste e a exploração dos latifundiários. Tornei-me comunista porque não me conformo com a alienação da nossa Pátria aos negocistas do imperialismo norte-americano", diz ele em sua profissão de fé.

Em novembro de 1935, de volta ao nordeste — onde o movimento armado da Aliança Nacional Libertadora estava se disseminado — o sargento instrutor, então dirigente do movimento, é gravemente ferido em João Pessoa. Baleado, preso na Paraíba e ignominiosamente torturado pela polícia política, será julgado pelo Tribunal de Segurança Nacional, e condenado a 27 anos e meio de reclusão. "Recebi, na prisão, a dolorosa e trágica notícia do trucidamento do meu irmão, o dirigente operário José Lourenço Bezerra, que havia sido preso a 4 de agosto de 1936 e morto a 18 do mesmo mês, após 14 dias de torturas e de espancamentos. Deixou viúva e 5 filhos menores, o mais velho com 6 anos."

Gregório Bezerra passou os dez anos seguintes nas mais duras e desumanas condições: prisioneiro em Fernando de Noronha, depois no célebre presídio de Ilha Grande, Rio de Janeiro, mais tarde no de Frei Caneca, onde ficou na mesma cela que Luís Carlos Prestes.

Anistiado depois da Segunda Guerra Mundial, voltou ao Recife para ali participar ativamente das lutas democráticas. Eleito deputado federal, como o candidato mais votado do Recife, integrou a bancada de 15 parlamentares comunistas na Assembléia Constituinte de 1946. Foram suas bandeiras o direito de greve, a autonomia sindical, o voto aos analfabetos e militares, a denúncia da exploração do trabalho infantil, a reivindicação de creches para mães solteiras e trabalhadoras, a reforma agrária radical, com o confisco das terras de grandes latifundiários e empréstimos a juros baixos e para o desenvolvimento agrícola.

Em 9 de janeiro de 1948, Gregório discutia em sessão parlamentar a reorganização do Departamento Nacional da Criança, quando ocorreu a cassação dos mandatos dos parlamentares comunistas. Sete dias depois, em plena Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, é sequestrado pela polícia política por ordem do ministro da Guerra, general Canrobert Pereira da Costa. "Acusaram-me de haver incendiado o Quartel do 15º Regimento de Infantaria, sediado em João Pessoa, o Estado da Paraíba, a dois mil quilômetros da cidade em que me encontrava, e dela não saíra." O fato ilustra a presidência Gaspar Dutra, alinhada com os Estados Unidos nesse início da guerra fria. Incomunicável por três meses, foi transferido para o Recife, e julgado pelo Conselho da Justiça Militar. Serão mais dois anos na prisão, até a absolvição por falta de provas.

No entanto, a polícia política e o serviço secreto do Exército em Pernambuco, inconformados com a absolvição, tentam outro sequestro que, por dedicação, coragem e organização de companheiros, falhou. Gregório passou os nove anos seguintes de sua vida na clandestinidade.

Pelos cerrados de Goiás, sertão de Minas, nas fazendas de Mato Grosso, São Paulo e norte do Paraná, lá se encontrava Gregório Bezerra, com ânimo, a organizar núcleos de futuras Ligas Camponesas e sindicatos rurais, contra o latifúndio, grileiros e o imperialismo.

No interior baiano, com a proximidade da terra onde nasceu, sentiu saudades imensas dos filhos, da esposa, dos netos. "A estes nem sequer conhecia. Não conhecia também genro e nem nora, a quem desejava, igualmente, abraçar… tinha vontade irresistível de beijar meus netos." Passou por Recife, na volta foi reconhecido em Serra Talhada, interior de Pernambuco. Preso, interrogado, foi mandado para o Rio de Janeiro, para a Polícia Central. Corria o ano de 1957, "a dura ilegalidade do Partido estava sendo atenuada, inúmeros quadros haviam retornado à atuação política de massas sem nenhum constrangimento policial." Gregório, posto em liberdade por revogação da prisão preventiva, volta, outra vez, a Recife, apesar das ameaças de morte, afinal "todo revolucionário deve ter um pouco de audácia."

Recomeçava o trabalho, paciente, da reorganização de massas. "Mais tarde, em 1959, com o apoio tardio do Governador Cid Sampaio, elegemos o nacionalista Miguel Arraes de Alencar, prefeito do Recife. E em 1962, mesmo lutando contra o Governador, o latifúndio, o imperialismo e o IBAD, afora o Rosário em Família, o povo fez do dr. Miguel Arraes de Alencar governador."

Durou pouco, com o golpe militar de primeiro de abril de 1964, Gregório foi preso quando procurava mobilizar a massa camponesa para defender a permanência, no governo, de Miguel Arraes e resistir ao regime autoritário imposto com a organização de uma greve de 200 mil trabalhadores da zona canavieira em Pernambuco. Nessas condições, sua luta pela democracia "não é uma luta pacífica, de braços cruzados, porém uma luta de massas, de pressão de massas, com o povo nas ruas, nos sindicatos, no Parlamento, nos quartéis, defendendo prontas soluções para os angustiantes problemas nacionais."

Ele já estava com 63 anos, mas foi quase que trucidado pelo Estado militarista. Contou, depois, que foi levado preso "ao Parque de Moto Mecanização, em Casa Forte (Recife), espancado, pessoalmente, pelo coronel do Exército Darcy Ursmar Villocq, a cano de ferro, no que foi este ajudado por três ou quatro sargentos. Fui, também, amarrado e arrastado pelo pescoço pelas ruas do Recife, num espetáculo de puro nazismo que horrorizou a toda gente."

Libertado em setembro de 1969, em troca do Embaixador dos EUA, que havia sido sequestrado pela resistência à ditadura militar, foi para a União Soviética onde integrou o Movimento Internacional da Classe Operária. Voltou para o Brasil com a anistia de 1979. Em 12 de outubro de 1983, morre em São Paulo, aos 82 anos de idade. Sua coragem está presente, como presentes estão suas palavras e a promessa de estar sempre, nas ruas, ao lado do povo: "para lutar pela libertação nacional, do jugo de nossa Pátria pelos imperialistas norte-americanos, pelo progresso do Brasil, contra o atraso e pelo bem-estar de todo o povo brasileiro."


*Trechos do livro Memórias e de suas notas do cárcere Eu, Gregório Bezerra, acuso!
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