Greve dos trabalhadores em educação de Minas Gerais deslinda posições e desmascara oportunismo

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Greve dos trabalhadores em educação de Minas Gerais deslinda posições e desmascara oportunismo

Os trabalhadores em educação de Minas Gerais deflagraram uma greve que durou 30 dias. Seria apenas mais uma greve, sem grandes avanços, não fosse a decisão e combatividade de um significativo setor da categoria que, após mais de uma década soterrada pela direção opor tunista da CUT, rompeu a crosta de conciliação e eleitoralismo, empreendendo combates que deslindaram os campos oportunista e classista no movimento dos trabalhadores em educação. As ocupações de prédios públicos, os enfrentamentos com a polícia, a participação massiva de professores, funcionários e estudantes e o desmascaramento do oportunismo eleitoreiro representaram um importante saldo político desta greve.

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Foi grande a participação da classe na
assembléia que aprovou a greve em MG

A greve deflagrada no dia 28 de agosto pelos trabalhadores em educação do estado de Minas Gerais foi fruto da indignação de uma categoria que há décadas vem sendo massacrada pelas políticas de sucateamento do ensino público. Nas assembléias realizadas durante a greve, não era raro presenciar trabalhadores brandindo contra-cheques com ordenado abaixo do já irrisório salário mínimo.

As principais reivindicações dos trabalhadores em greve eram a imediata implantação do piso de R$ 950,00 para trabalhadores em educação para uma jornada de 24 horas semanais, além de melhores condições de trabalho e garantia de atendimento à saúde, visto que muitos professores são vítimas de doenças do trabalho devido à jornada excessiva para a compensação dos baixos salários.

Dissipando os ardis

— Há mais de 15 anos os trabalhadores em educação de Minas Gerais desenvolvem lutas seguidas com greves prolongadas em que as direções oportunistas e os governos acabam por fechar acordos lesivos para a categoria. Mas o fato é que a categoria ainda não alcançou um reajuste salarial que corresponda às mínimas exigências da classe. Antes de mais nada, é necessário separar o joio do trigo, pois o governo manobra com uma série de medidas e ardis para tentar iludir e dividir a categoria — explica a professora Cláudia Simões, diretora da sub-sede do Sind-UTE de Sabará, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte.

Uma "Premiação" que divide

Para fazer cortina de fumaça e tentar dividir a categoria, o governo inventou o pagamento de um "abono por produtividade" que veio inserido no salário do mês de setembro, justamente no período de eclosão da greve.

Essa política foi amplamente rechaçada pela assembléia estadual da categoria, que apontou que ela só serve para mercantilizar a força de trabalho dos educadores, seu esforço acadêmico e sua dedicação ao aprendizado.

Manobrando demagogicamente, Aécio Neves e o primeiro escalão do governo plantaram na mídia a notícia do pagamento de um "14º salário" para todo o funcionalismo público em julho de 2008. O que o governo não revelou foi que esse décimo quarto salário era exatamente o tal abono por produtividade, pago somente aos servidores efetivos na ativa, deixando de fora os inativos e os contratados. Ademais, o valor pago variou entre 60% e 90% do salário liquido, prejudicando demasiadamente aqueles servidores que por ventura se licenciaram em 2007.

A fórmula de exploração

A implementação de um piso salarial nacional é uma bandeira histórica — mais de 20 anos — dos trabalhadores em educação.

No dia 16 de julho de 2008, após uma série de discussões no Congresso Nacional, a lei do piso foi sancionada pelo governo Lula, sendo apontado o final do ano de 2010 como o prazo máximo de adequação para a sua implantação nos estados e municípios. Foi aprovado o valor de R$ 950,00 para uma jornada de até 40 horas semanais.

Diferente das correntes oportunistas como a CUT e CNTE — Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (filiada à CUT) que alardearam a lei como uma "grande conquista histórica", os setores de luta da categoria, amparados no valor do salário mínimo proposto pelo DIEESE de R$ 2070,00, apontaram que este piso é muito aquém das reais necessidades da classe trabalhadora.

Além do mais, os trabalhadores em educação já anteviam que o reacionário governo de Aécio Neves faria a seguinte interpretação da lei:

R$950,00 são para até 40 horas semanais. Se os servidores trabalham 24 horas semanais, paga-se a proporcionalidade, ou seja R$570,00. Tal é a formula de exploração do governo de Minas. Cabe ressaltar que o piso salarial desses trabalhadores ainda está bem abaixo disso. Um professor das séries iniciais do ensino fundamental recebe R$336,00 para 24 horas semanais trabalhadas.

Foi nesse fato que os oportunistas do Sind-UTE — Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais, cuja direção majoritária é ligada à CUT, tornaram latente a sua política entreguista. Eles ficaram o tempo todo brandindo a bandeira da lei do piso, bajulando ao extremo a gerência FMI-PT por tal feito, quando a política correta e apontada pela maioria da categoria em luta seria a exigência dos R$950,00 de piso para 24 horas semanais, com todas as vantagens pecuniárias1 incididas nesse valor, rumo ao piso do DIEESE de R$2.070,00.

Os setores de luta argumentaram o óbvio:

— Qual patrão ou governo que podendo pagar um valor X para uma jornada de 40 horas iria pagar o mesmo valor para uma de 24horas? — Quanta ilusão de classe!

— A política justa para uma negociação com o governo seria, com a acumulação de forças da categoria juntamente com ações mais contundentes, arrancar da mesa de negociação um aumento que recuperasse a dignidade da categoria. A política conciliadora da direção majoritária do sindicato deu margem para o governo não dar um centavo sequer de aumento imediato, somente promessas de estudos para os próximos meses.— argumenta Paulo César Ferreira, professor de Geografia.

Mobilizações em todo o estado

A greve contou com forte adesão da categoria, que, enfrentando grandes dificuldades, paralisou centenas de escolas na capital e cidades do interior. As seis assembléias estaduais contaram com a participação média de 2000 trabalhadores e centenas de estudantes que prestaram seu apoio e tiveram participação decisiva em vários momentos da greve.

A agenda de mobilizações contou com a realização de atos e manifestações em todo o Estado. As ações defenderam na prática a greve por tempo indeterminado, denunciando a dura realidade da educação em Minas Gerais, rechaçando os ataques, perseguições e a forma ditatorial com a qual o governo trata o povo trabalhador.

Os trabalhadores em educação interromperam o trânsito na BR 381, em Betim/MG, por cerca de 1h30min, no dia 11 de setembro. A passeata ocupou duas das três pistas da BR e demonstrou com combatividade e decisão que a greve prosseguiria. Em Prata (região do Triângulo Mineiro), próximo de Uberlândia, também aconteceu na quinta-feira (11), interrupção do trânsito na BR 153, km 112, por cerca de 1 hora, resultando em engarrafamento de mais de 10 km. Em Divinópolis, cidade do Centro-oeste mineiro, diversos trabalhadores ocuparam por um dia inteiro a Superintendência de Ensino da região, com o objetivo de pressionar o governo pelo não corte do ponto nos dias parados.

Cai o véu do oportunismo

Na assembléia do dia 23 de setembro ficou claro para toda a categoria que a greve tinha dois campos. De um lado estava a maioria dos professores, trabalhadores e estudantes, decididos em prosseguir lutando. Do outro lado, a direção do Sindicato, que fez todas as manobras para acabar com a greve.

— A avaliação da direção do Sindicato na reunião do comando de greve realizada algumas horas antes da assembléia era que, devido ao baixo índice de adesão ao movimento, era preciso suspender a greve. Em contraposição a isso foram feitas várias falas no sentido de que mesmo com o índice de adesão ao movimento não sendo favorável era necessário persistir na greve, realizando ações mais radicalizadas para romper o bloqueio imposto pela mídia e assim continuar a pressão sobre o governo. — explicou Paulo César Ferreira.

Era inadmissível voltar para a sala de aula sem nenhuma conquista significativa. Mas apesar das posições de defesa da continuidade da greve no comando, a direção majoritária do Sindicato, desrespeitando as contradições no seio da categoria, propôs suspensão da greve.

Mas a assembléia lotada fez valer a decisão da maioria dos trabalhadores e votou pela continuidade do movimento apontando a urgência de ações mais radicalizadas, levantando a bandeira da greve por tempo indeterminado e o de prosseguir com as ocupações de prédios públicos até que o governo apresentasse respostas significativas à pauta de reivindicações. Os dirigentes do Sindicato que fizeram uso do microfone receberam sonoras vaias e tiveram que engolir a disposição de luta que a categoria demonstrou.

Ocupação da Assembléia Legislativa

A fala de uma professora, já no final da assembléia, deu o tom combativo que faltava, além de contribuir para inflamar parte da categoria.

— Não dá mais para fazer greve de lenga-lenga, agora é a hora de mostrarmos a esse governo a nossa determinação e união.

— As classes dominantes propagandeiam de forma demagógica que a Assembléia Legislativa é a "casa do povo". Contudo, com a direção oportunista do Sindicato perdida, pois estava crente no final da greve, coube aos setores mais combativos da categoria juntamente com uma massa de professores indignada e com o apoio de dezenas de estudantes fazer valer a expressão "casa do povo" e ocupar a Assembléia com o intuito de pressionar os parlamentares pela continuidade das negociações e denunciar para a sociedade como que verdadeiramente os trabalhadores são tratados pela gerencia de Aécio Neves, que diz "não negociar com servidor em greve" — pontuou Petrônio Gontijo, professor de História.

Um grupo de poucos professores conseguiu entrar no prédio da Assembléia antes que a equipe de segurança fechasse as portas. A grande maioria ficou de fora e passou a exigir a entrada no prédio para consolidar a ocupação. Nesse momento é acionada a Tropa de Choque da PM, que ficou de prontidão no saguão interno da Assembléia Legislativa. Diversos professores com o apoio de alguns estudantes passaram a forçar a entrada enfrentando a truculência da segurança, o que acarretou a quebra de alguns vidros. A Tropa de Choque usou spray de pimenta e levantou os seus cassetetes. Os professores recuaram, mas se mantiveram unidos e perfilados bradando combativas palavras de ordem. Não foi possível concretizar a ocupação, mas os trabalhadores decidiram acampar no saguão externo da ALMG, permanecendo lá por três dias.

A tentativa de ocupação e o acampamento obrigaram o monopólio de imprensa estadual a colocar a greve nas capas dos principais jornais e nas emissoras de TV. Os oportunistas também se viram forçados a atacar os professores, taxando-os de "baderneiros" infiltrados.

Um campo de luta

No dia 26 de setembro, após a formação de uma "Santa-Aliança" dos oportunistas pelo fim da greve, a categoria não teve mais como sustentar as ações. A greve acabou. Mas por um lado, ocorreu um fato histórico.

Todos identificaram de forma clara, que fora da direção oportunista do sindicato e das propostas eleitoreiras, surgiu um campo de luta em meio aos professores que propõe a construção de um movimento classista, que se organize nas bases.

Nessa greve os ensinamentos foram muitos. A luta dos trabalhadores, inevitavelmente, passa por um processo dialético de derrotas. Nesse sentido, as derrotas parciais são tão importantes quanto às vitórias parciais, pois essas "derrotas econômicas" forçam a classe trabalhadora a analisar suas causas e extrair delas as lições e corrigir suas formas de luta.


1 Acréscimos financeiros concedidos a título definitivo ou transitório, pela decorrência do tempo de serviço (biênio, quinquênio, o chamado "pó de giz") e pelo desempenho de funções especiais.

Grandes vitórias no combate ao oportunismo

A professora Cláudia Simões faz um balanço político da greve e aponta as perspectivas de luta para os trabalhadores em educação.

AND – Professora, após 30 dias de greve, quais foram os ganhos reais para os trabalhadores? Houve avanços?

Cláudia Simões – Do ponto de vista econômico os avanços foram poucos. Podemos destacar o pagamento do rateio para os servidores designados*, o resto são só "promessas de estudos". Contudo, se não obtivemos resultados econômicos, é porque a categoria carece de uma direção que aponte para o caminho da luta e não o da conciliação. Que apesar da derrota econômica, a categoria começa a perceber a necessidade de se organizar de forma independente e combativa.

AND – E como se deu a construção deste campo de luta em meio à greve?

CS – Esse campo começou a se desenvolver nas próprias atividades da greve, durante as reuniões do comando geral de greve, nas assembléias estaduais, nas passeatas, nas reuniões das sub-sedes e na construção da greve em cada escola. Enquanto, por um lado, a direção majoritária do sindicato ia colocando obstáculos em tudo, dizendo que cada dia que passava o quadro ia se dificultando; em outro pólo, diversos trabalhadores independentes e alguns ligados a oposição passaram a encorajar a categoria, ressaltar a importância de atos mais contundentes e alertar o conjunto da categoria sobre as possíveis manobras. Ocorreu uma grande polarização da greve.

AND – E qual o caminho pa-ra organizar a categoria para lutas mais combativas e classistas?

CS – Não podemos negar a possibilidade da construção de oposições e até mesmo disputar as eleições em sub-sedes regionais do Sindicato. Mas um campo de lutas independente e combativo de fato não começará tentando articular correntes para montar uma oposição estadual e disputar a direção do sindicato. Isso seria oportunismo e um desvio eleitoreiro. Nossa proposta é construir um movimento nas bases que repercuta nas escolas e que aponte para a construção de uma luta maior.


* Quando um professor não é concursado, ele tem como garantia apenas a sua permanência e remuneração até o mês de dezembro, não recebendo o salário no mês de janeiro. Tendo que percorrer novamente as escolas em busca de vagas no começo do ano letivo, geralmente em fevereiro. O Rateio conquistado assegura o pagamento do salário para os trabalhadores designados (contratados) no mês de janeiro.

 

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