O grupo Semente, formado há dez anos na Lapa, centro do Rio, encontrou no samba uma verdadeira identificação. Todos, com exceção de Trambique, influenciados por rock durante a adolescência, hoje seguem engajados em defesa da boa música brasileira, cantando e tocando para uma multidão de apreciadores por onde quer que passem, no Brasil e exterior.
João (cavaquinho), Bernardo (violão), Pedro Miranda (percussão e canto), Trambique (percussão e canto), sempre acompanhados por Teresa Cristina, se conheceram através de amigos em comum. Teresa era casada — na época, janeiro de 1998— com Bernardo, que tocava no grupo A Corda Bamba. João tocava no Cordão do Boitatá, junto com Alexandre Bittencourt, que pertencia aos dois, sendo o elo de ligação.
— O Alexandre me falou do Bernardo e da Teresa, que estava começando a compor e tinha feito umas poucas apresentações. Nos juntamos para fazer um show, e a partir daí houve uma grande afinidade entre nós. Depois entrou o Pedro Miranda. Mais tarde, o Trambique — conta João.
— Começamos a tocar no bar Semente, na Lapa, em agosto de 1998, e nessa época ainda não tínhamos um nome, até que, em uma matéria, o João Pimentel chamou o grupo de Semente. Gostamos da idéia e resolvemos adotá-la. É um restaurante vegetariano — continua João.
— O bar existe até hoje. Na nossa época a dona era a Regina, depois de uns seis meses que tínhamos saído ela fechou o bar, porque estava tendo problemas. Pouco tempo depois uns antigos frequentadores, juntamente com outros músicos, resolveram reabri-lo com o nome de Comuna do Semente. O local era e é frequentado por músicos e pessoas que gostam da boa música — afirma Bernardo.
João e Bernardo contam que cada um tem a sua história particular com a música e o samba, mas em comum o fato de só terem se interessado pelo gênero depois de se tornarem músicos, na década de 90, e não terem tido relação com escolas de samba, com exceção de Trambique, apesar de ser o único mineiro entre quatro cariocas.
— O Trambique tem uma história bem diferente da nossa. Chegou bem novo no Rio, e ligou-se à escola de samba Unidos de Vila Isabel, chegando inclusive a dormir dentro da sala de bateria da escola — fala João.
— Eu, o Bernardo e o Pedrinho, somos mais ou menos da mesma idade e fomos criados ouvindo rock na zona sul do Rio. A Teresa veio da Vila da Penha, mas também ouvia as baladas estrangeiras. Já o Trambique tem mais de 60 anos, morou e mora em uma comunidade, no começo do morro dos macacos, em Vila Isabel. É mestre de bateria, já tocou na Vila, enfim, ele é um sambista autêntico e nós somos músicos que abraçamos e nos encantamos com o gênero — declara João.
— Nós, que somos cariocas ouvimos falar de samba desde criança, mas não crescemos na batucada, é uma relação diferente. Quando criança, eu torcia pela Mangueira, mas na verdade não sabia nem para que lado ficava aquele morro. Só fui pisar na quadra da escola depois de adulto, e isso aconteceu mais ou menos com todos nós — acrescenta Bernardo.
Reação às influencias estrangeiras
João e Bernardo lembram que, na segunda metade da década de 90, começou a acontecer uma valorização da cultura nacional, com o forró e o samba universitário.
— Através de movimentos como estes, as pessoas foram conhecendo o Cartola, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, e partindo para o trabalho artístico, de valor cultural, já que o panorama cultural estava fraco, vazio e voltado para o comercial. A juventude foi buscar o passado, o samba verdadeiro, os compositores antigos, e acabaram também descobrindo artistas contemporâneos de samba, que estavam produzindo sem serem conhecidos — continua.
— O mundo inteiro sofre influência cultural norte-americana, mas está reagindo. Na França, por exemplo, podemos ver muitos jovens tocando um estilo de música bem francesa que estava sendo considerada antiga, fora de moda. Conheci pessoas que ouviram e tocaram rock a vida inteira, e de repente descobriram uma música que era muito particular do seu lugar, e mergulharam de cabeça — afirma Bernardo.
Bernardo e João dizem que isso acontece localmente pelos interiores do Brasil também.
— O pessoal de Recife tem se interessado por frevo; no Maranhão, estão ouvindo tambor de crioula; em Belém, o carimbó; no Rio, o choro e o samba. Enfim, todo o país tem reagido, e novos horizontes estão surgindo e crescendo — diz Bernardo.
— A Escola Portátil de Música é um grande feito nesse sentido. Está ensinando muito jovem a trocar a guitarra e o rock, funk, pelo bandolim, cavaquinho, pandeiro, flauta. E não é um estudo de conservatório, voltado para a música erudita européia, é algo da tradição brasileira — continua João.
Bernardo, que ser formou em música pela UniRio, onde hoje funciona a Escola Portátil de Música, lembra que, em sua época de aluno, no final dos anos 90, o cenário na universidade era completamente diferente do atual.
— Quando ingressei na universidade, já tocava na banda 'A Corda Bamba' e como tínhamos flauta e tocávamos um pouco de música brasileira, éramos considerados uma banda de choro, tamanha a falta de referência que as pessoas tinham em relação ao gênero. A maioria dos alunos tocava música erudita do modelo europeu tradicional, rock ou jazz. O modelo de escola popular que se tinha até então no Brasil era de escola americana de jazz — conta Bernardo.
— Naquela época, só se tocava guitarra na universidade. Violão era para os da música erudita. Cavaquinho praticamente não existia. Eram uns quarenta alunos tocando guitarra, baixo, bateria, música pop, para uns três ou quatro tocando outros instrumentos. Em cerca de dez anos essa realidade mudou completamente. Hoje é o contrário. O próprio curso de 'Música Popular Brasileira' oferecido pela instituição, não existia na época — acrescenta.
Sempre é importante lembrar que tudo isso aconteceu sem ser anunciado, por exemplo, no programa de maior audiência da principal rede de TV aberta no país.
— É uma conquista que não se dá através de meios de comunicação, de lavagem cerebral de mídia, é sim da própria essência, da qualidade do trabalho, de toda uma tradição. A música brasileira é essa riqueza: modinha, choro, maxixe, samba, maracatu, baião, xote, frevo, o folclore de várias regiões — declara João.
O Semente tem um repertório basicamente de samba, e o que foge disso permanece dentro do universo da música popular cultural brasileira.
— A Teresa está abrindo um pouco esse leque. Ela tem muita identificação com o samba de roda da Bahia, com o clima mais rural, assim gravamos uma música nesse último CD. Também temos uma toada, um maxixe …— fala João.
E o trabalho do grupo continua indo muito bem, e vem crescendo, com cds gravados, e muitas apresentações no Brasil e algumas viagens para o exterior.