Guantánamo, bastião do fascismo

Guantánamo, bastião do fascismo

Qual diferença existirá entre os campos de concentração de Auschwitz-Birkenau e Guantánamo? Praticamente nenhuma: todos são produtos do fascismo. Ou, para maior exatidão: a diferença está em que na derrota da corrente imperialista alemã (nazista), o imperialismo ainda mais cruel ocupou o espaço deixado pelo antigo imperialismo alemão: o imperialismo ianque. O fascismo é a política do imperialismo (independente da procedência) que, em nossa época, tornou-se mais sofisticado.

Auschwitz-Birkenau era o nome de um grupo de 42 campos de prisioneiros poloneses, soviéticos, ciganos, judeus e cidadãos (que se opunham ao fascismo) de qualquer nacionalidade, mantidos pelos alemães nazistas no sul da Polônia a partir de 1940. Guantánamo é uma base naval do USA incrustada no território cubano desde 1903, naturalmente contra a vontade do povo cubano.

Essa base naval é uma das maiores afrontas que se pode fazer à soberania de uma nação, e que culmina agora com um pronunciamento de George W. Bush, advertindo que o USA não tolerará "a troca de ditador em Cuba" e não reconhecerá a eleição de Raul Castro para suceder Fidel

A transformação da base naval de Guantánamo em prisão de supostos terroristas é uma das maiores realizações da administração George Bush. Sua existência é questionada no mundo inteiro, desde que os invasores ianques levaram para lá os primeiros prisioneiros, há cinco anos. Pelo menos 600 pessoas de 43 nacionalidades diferentes e idades que vão dos 13 aos 80 anos, lá recebem todo tipo de maus tratos para confessarem a autoria de atos "terroristas", ou seja, de ações movidas pelo direito de independência.

Os árabes e os originários do Sudeste Asiático têm sido as principais vítimas da legislação fascista moderna. Mais de mil deles foram presos, apenas em função da origem nacional.

Teocracia e racismo

Este quadro levou dois renomados jornalistas norte-americanos — John Stanton e Wayne Madsen — a publicarem em uma dezena de jornais do USA a previsão de que "a História haverá de registrar que, entre novembro de 2000 e fevereiro de 2002, a democracia de velho tipo — como imaginada pelos autores da Declaração da Independência e da Constituição do USA — efetivamente chegou ao fim, para gerar o Estado teocrático fascista americano."

Os jornalistas ressaltam que a maior tragédia nessa terrível sequência de eventos é que o "público", principalmente o monopólio dos meios de comunicação, se deixou levar pelo fascismo da bandeira de chita.

Uma recente pesquisa Gallup revela que 72% da população norte-americana consideram aceitável a maneira como são tratados os prisioneiros em Guantánamo, porém acham intolerável esse tratamento para os nascidos no USA. Numerosos analistas comentam, ironicamente, que talvez faltasse uma pergunta especificando a raça, "pois então a democracia surgiria mais plural, com essa boa percentagem admitindo o tratamento à Guantanamo para os cidadãos negros".

Com base no Patriot Act ("Lei Patriota") — legislação emergencial de Bush mal apreciada pelo Capitolio logo após o 11 de setembro — o USA deixou de reconhecer a soberania de todo e qualquer país. Seus espiões, por exemplo, podem operar do Oiapoque ao Chuí no sequestro de brasileiros ou estrangeiros residentes aqui, sem dar ouvidos aos protestos do Itamaraty — embora não se espere que o Itamaraty manifeste qualquer ânimo de protestar contra o imperialismo ianque.

Os prisioneiros ficam detidos durante semanas, e mesmo meses, em Guantánamo, sem que haja qualquer acusação formal de "crimes terroristas". Há pouco mais de seis meses, 14 pessoas foram transladadas para Guantánamo depois de terem permanecido quatro anos e meio como presos incomunicáveis sob a custódia secreta da CIA.

Solução final

Torturar, violar e drogar prisioneiros eram práticas adotadas pelos nazistas em Auschwitz-Birkenau — próximas à solução final de Hitler, que era a execução dos prisioneiros. Os ianques fazem uso dessas práticas já há bastante tempo, não só em Guantánamo como também em prisões clandestinas e secretas de Abu Ghraib, em Bagdad, no Iraque e no Afeganistão, como no passado foram comuns na Coréia e no Vietnã. Nas duas décadas que se seguiram ao fim da 2ª Guerra Mundial, numerosos militares brasileiros, denunciados como torturadores, aprenderam essa técnica de interrogatório na Escola das Américas, através dos cursos patrocinados pelo exército ianque.

Entre dezembro de 2002 e abril de 2003, o então secretário de Estado Donald Rumsfeld autorizou a utilização em Guantánamo de novas "técnicas de interrogatório", ou seja, a tortura, como o uso de cães contra presos, a obrigação do suspeito a permanecer de pé ou agachado, impedi-lo de dormir ou submetê-lo a ruídos enlouquecedores.

Em 13 de novembro de 2001, Bush autorizou a prisão de cidadãos estrangeiros por tempo indefinido, sem lhes dar oportunidade de recorrer à Justiça. Um mês e meio depois, quando se comemorava o "Dia dos Inocentes", o Departamento de Justiça do USA expediu um memorando negando aos homens, mulheres, idosos e crianças, recolhidos à base naval de Guantánamo, toda e qualquer possibilidade de questionar juridicamente a sua detenção.

Quando os nazistas criaram o complexo de Auschwitz-Birkenau, a máquina mortífera, nem se podia cogitar qualquer ação de direitos civis. Agora — o Estado ianque, herdeiro direto do nazismo — desfere o mais violento golpe contra as resoluções que fundamentam a própria existência da Organização das Nações Unidas — ONU.

Gaveta de crueldades

Alberto Gonzáles, que recentemente deixou o departamento de Justiça, manteve na gaveta numerosos projetos de lei para dar "maior eficácia ao Domestic Security Enhancement Act". Na opinião de Jack Balkin, professor de Direito na Universidade de Yale, isso dá ao Estado "o direito de cassar a nacionalidade de qualquer pessoa suspeita de ter vínculos com uma organização que conste da ‘lista negra’" do Departamento de Justiça, mesmo que essa pessoa não tenha conhecimento do fato.

Provocada pelo advogado berlinense Wolfgang Kaleck, a Procuradoria Geral da República da Alemanha estuda um dossiê de 384 páginas em que é acusado por crimes de guerra o ex-secretário da Defesa do USA, o bandido Donald Rumsfeld, e 13 dos seus cúmplices, com destaque para Alberto Gonzáles, George Tenet (diretor da CIA), e o general Ricardo S. Sanchez que comandou as forças que invadiram o Iraque.

A acusação tem por base o Código de Crimes contra o Direito Internacional, em vigor na Alemanha desde 2002, assegurando ao promotor-chefe alemão o direito de levar a juízo indivíduos acusados de genocídio, crimes contra a humanidade ou crimes de guerra, pouco importando a localização do acusado ou do queixoso, o lugar onde os crimes foram executados ou a nacionalidade dos envolvidos.

O sofrimento

Na Inglaterra, estudos desenvolvidos no King's College da Universidade de Londres, pelo professor Metin Basoglu, para avaliar o impacto do tratamento aos sobreviventes das guerras mais recentes indicaram que o tratamento dispensado aos prisioneiros de Guantánamo em nada difere das mais sórdidas e violentas formas de tortura.

Os ianques adotam nos interrogatórios máscaras, vendas, cordas, privação dos sentidos, de sono, fome, sede, nudez forçada, exposição ao frio e à escuridão e inúmeras manipulações psicológicas para romper a resistência do prisioneiro.

A legalização da tortura…

autorização para interrogar supostos terroristas mediante "combinação de táticas … incluindo murros e chutes na cabeça, afogamentos simulados e exposição a baixas temperaturas

Para indicar que a gerência Bush abandonava os esforços para manter autoridade ilimitada para ordenar interrogatórios brutais, o departamento [ministério] de Justiça do USA expediu em dezembro de 2004 um documento declarando publicamente que considerava a tortura "abominável". Bastou entretanto Alberto Gonzalez assumir o cargo de procurador geral da Justiça, em fevereiro seguinte, para o Departamento de Estado emitir outro parecer, em caráter secreto, dando total aprovação às mais brutais técnicas de interrogatório até hoje usadas pela Agência Central de Inteligência (CIA).

Esta denúncia acaba de ser feita pelo jornal The New York Times, através de reportagem assinada pelos jornalistas Scott Shane, David Johnston e James Risen, segundo os quais o novo documento constituiu autorização explícita para interrogar supostos terroristas mediante "combinação de táticas físicas e psicológicas dolorosas, incluindo murros e chutes na cabeça, afogamentos simulados e exposição a baixíssimas temperaturas".

Gonzalez aprovou o memorando apesar das objeções de James B. Comey, o vice-procurador geral, que deixava o cargo após intensos desentendimentos com a Casa Branca, assegurando que "todos ficariam envergonhados" quando o mundo tivesse conhecimento do fato.

No final daquele ano, enquanto o Congresso se mobilizava no sentido de proibir o tratamento "cruel, desumano e degradante", o Departamento de Justiça insistia que nenhum dos métodos de interrogatório da CIA violava o padrão humanitário estabelecido pelo Legislativo.

Em setembro passado, ao deixar o ministério sob ataques avassaladores à sua credibilidade, Gonzalez despediu-se afirmando que seu gabinete era "um local de inspiração" que equilibrava a flexibilidade necessária para conduzir a guerra contra o terrorismo e a necessidade de obedecer à lei.

Funcionários da Justiça afirmaram que "Gonzalez prazerosamente cedia às pressões do vice Dick Cheney e seu conselheiro David S. Addington, em favor de "políticas eficientes de proteção aos ianques", não importa que tais práticas sejam condenadas por todo o mundo.

Não faltam provas de que Gonzalez transformou a procuradoria em braço da Casa Branca de Bush, extirpando-lhe toda a independência. Steven G. Bradbury, que desde 2005 chefia o Escritório de Assessoria Jurídica, uma unidade especial do Departamento de Justiça, defende bravamente o programa de espionagem eletrônica doméstica da Agência de Segurança Nacional (NSA) e das práticas para a detenção de suspeitos, as quais no passado o USA denunciara.

Em 2006, entretanto, a Suprema Corte estabeleceu que as Convenções de Genebra aplicavam-se aos prisioneiros vinculados à Al Qaeda. Pela primeira vez Bush admitiu a existência de prisões secretas e clandestinas da CIA e ordenou que os prisioneiros que estavam detidos nelas fossem removidos para a Baía de Guantánamo, em Cuba.

Pouco tardou, todavia, para Bush expedir autorização para o uso daquilo que a Casa Branca chama de "técnicas de interrogatório aprimoradas", cujos detalhes são absolutamente secretos, e a CIA voltar a encarcerar prisioneiros em black sites (locais negros, designação dada pelos militares a prisões clandestinas no exterior e cuja existência é negada pelo governo).

Douglas W. Kmiec, que dirigiu o escritório durante as gerências Reagan e Bush, afirma, em livro de sua autoria, que a Procuradoria Geral de Justiça, chefiada nos últimos anos, por Wiliam H. Rehnquist e Antonin Scalia, abriu mão de sua independência para se tornar um baluarte das políticas de Bush.

John D. Hutson, que atuou como o principal advogado da Marinha dos EUA de 1997 a 2000, tem reiterado a convicção acerca da existência de pareceres legais justificando a tortura de prisioneiros pelos agentes civis e militares ianques. Em consequência, pediu aos jornalistas para registrarem uma declaração:

"O problema é que, se dispomos de pareceres legais aprovando o uso de tais técnicas, o que acontecerá quando um dos nossos for capturado e fizerem o mesmo com ele? Em tal situação, teremos algum direito de protestar?"

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