Após 11 dias consecutivos de cerco e invasão ao Jacarezinho, Zona Norte da cidade, as classes trabalhadoras do Rio foram alvos novamente de ações militares das forças de repressão do velho Estado. Em menos de quatro dias, foram registrados mais dois assassinatos em favelas da cidade. O gerenciamento federal prorrogou a permanência das tropas da chamada “Força Nacional de Segurança” (FNS) até o final do ano.
Marcas da guerra contra o povo: Nova Brasília, Complexo do Alemão
No dia 29/08, moradores da Pavuna, bairro da Zona Norte do Rio, denunciaram por meio de um vigoroso protesto o assassinato de Denilson de Souza Moraes, de 16 anos, durante uma operação policial no Complexo do Chapadão, conjunto de favelas também localizado na Zona Norte. O jovem faleceu antes mesmo de ser atendido no Hospital Estadual Carlos Chagas. Dezenas de moradores participaram da manifestação que bloqueou o trânsito na Avenida Chrisóstomo Pimentel de Oliveira por volta de 19 horas.
Quatro dias depois, um morador do Alemão, conjunto de favelas da Zona Norte, foi assassinado no dia 02/09 na comunidade. Segundo acusação dos parentes da vítima, Fernando de Oliveira Filho foi asfixiado por policiais civis dentro da 45º Delegacia de Polícia (DP). Fernando, que trabalhava como pedreiro, chegou a ligar para a casa e afirmar que seria morto duas horas antes do crime ser consumado.
Por volta de 20h, a cunhada de Fernando recebeu uma ligação na qual o pedreiro dizia estar sofrendo ameaças de morte na 45º DP. Angustiado, ele pedia ajuda à família. “Mataram meu irmão dentro da 45ª DP. Meu irmão saiu de dentro da delegacia morto, asfixiado”, disse o irmão da vítima ao monopólio da imprensa. Os familiares afirmaram ainda que Fernando foi alvo de torturas. Em sua certidão de óbito, constaram como causa da morte trauma torácico e asfixia.
O enterro de Fernando ocorreu no Cemitério São Francisco Xavier, no bairro do Caju, no dia 05/09 e contou com a participação de 50 pessoas, entre familiares e amigos.
Esses dois assassinatos ocorreram no momento em que o gerenciamento federal estendeu para o dia 31/12 a permanência da FNS no Rio. A decisão foi tomada no dia 04/09. A portaria estabelece ainda que o prazo poderá ser prorrogado novamente.
Desde o dia 10/05, agentes da FNS auxiliam as polícias militar e civil em ações odiosas contra o povo pobre das favelas do Rio de Janeiro. O pedido para que os agentes federais ficassem no Rio até o final do ano foi feito pelo gerenciamento estadual Cabral/Pezão/PMDB. As Forças Armadas, por sua vez, estão na capital do estado desde o dia 28/07.
8 anos das UPPs: números de uma política genocida
Desde que foi implementada a primeira base da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) em dezembro de 2008 na favela Santa Marta, a guerra de baixa intensidade do velho Estado brasileiro contra o povo atingiu novos contornos, com o aprofundamento de uma política deliberada de extermínio da população pobre e negra.
O cotidiano da população que vive em favelas ocupadas pelas forças policiais alocadas nas UPPs é marcado pelo aumento assombroso dos assassinatos, tentativas de assassinatos, criação de auto de resistências, agressões físicas (como estupros), racismo, imposição da “lei” do silêncio, proibição de manifestações culturais dos moradores, entre outras arbitrariedades.
Atualmente existem 42 UPPs no estado do Rio de Janeiro, sendo 41 na capital e uma em Duque de Caxias. Os dados oficiais disponibilizados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) dificultam realizar um balanço preciso desta política genocida, apresentando dados sempre subestimados.
Entre 2009 e junho de 2016, de acordo com dados do ISP, ocorreram ao menos 375 homicídios decorrentes de intervenção policial em 38 áreas (favelas e conjunto de favelas) que tinham ou viriam a ter nos anos seguintes UPPs no estado do Rio de Janeiro, sendo 37 na capital do estado e uma em Duque de Caxias. Por outro lado, apenas 40 policiais militares e um policial civil morreram em serviço nessas áreas no mesmo período.
Desde 2010, quando o estado do Rio iniciou o processo de militarização dos Complexos da Penha e do Alemão, poucos foram os dias em que moradores não tiveram suas rotinas interrompidas pelos tiroteios provocados pela polícia.
— Eles [o velho Estado] disseram que a UPP ia mudar nossas vidas e mudou mesmo. Transformou nosso cotidiano em um inferno. A gente sai para a rua rezando para não tomar um tiro ou não esbarrar com algum policial, pois eles tratam a gente que nem lixo. Agridem, esculacham, xingam e ninguém escapa. Até mulheres, idosos e crianças sofrem na mão desses covardes. Têm lugares do Complexo que viraram áreas fantasmas, onde não mora ninguém, porque o povo não está aguentando e muitos acabam deixando suas casas — conta o tatuador Vinícius Andrade, de 31 anos, morador do Complexo do Alemão.
Patrick Granja/AND
Marcas da guerra contra o povo: Beco da Síria, Favela do Jacarézinho
As forças policiais do Rio Janeiro praticaram 925 homicídios (“mortes em decorrência de intervenção policial”) em 2016, 645 em 2015 e 584 em 2014. A letalidade das forças policiais do Rio de Janeiro fica atrás apenas das polícias de São Paulo, a mais assassina do país. Em 2015, de acordo com dados do ISP, as forças policiais de São Paulo assassinaram 848 pessoas, sendo que 242 homicídios ocorreram fora do horário de serviço. No ano anterior haviam sido 953 assassinatos por parte das polícias de São Paulo.
Ainda de acordo com os próprios dados oficiais divulgados pelo ISP, entre 1998 e 2016, ocorreram 14.784 “homicídios provenientes de oposição à intervenção policial” no estado do Rio de Janeiro, sendo 8.653 na capital e 3.246 na Baixada Fluminense. No mesmo período, 2.527 policiais militares foram mortos no estado do Rio de Janeiro, sendo 2.034 casos ocorridos fora do horário de serviço e apenas 493 em serviço.
Nos seis primeiros meses deste ano já registram um aumento de 16,8% no número de vítimas da violência policial em comparação ao mesmo período do ano passado. O número de vítimas fatais também subiu assustadoramente, e já ultrapassa 500 casos em 2017. Um aumento de 58,9% em comparação ao mesmo período de 2016.