Há como evitar o caos?

Há como evitar o caos?


Delfim Netto junto a milicos na época do regime militar fascista
  1. Delfim Netto concedeu entrevista a Claudia Safatle, do Valor. Foi czar da economia em governos militares. No de Geisel, embaixador em Paris, voltando com Figueiredo.
  2. Muito ligado a banqueiros, ingressou no governo pela mão do Bradesco. Favoreceu as transnacionais com enormes subsídios às exportações, que não evitaram o crescimento exponencial da dívida externa. Depois, deputado e conselheiro de presidentes na Nova República. Ninguém mais representativo do establishment.
  3. Disse haver poucas chances de impeachment da presidente da República e que esta deveria, com urgência, assumir protagonismo, apresentando ao Congresso projetos de reforma constitucional e infraconstitucional.
  4. Também, que o Congresso deve ser pressionado a aprová-los, sem o que o caos será inevitável e se materializará nos próximos anos.
  5. Ele propõe quatro reformas: Previdência Social, desvinculação dos gastos orçamentários, desindexação e  mercado de trabalho.
  6. Ora, as duas primeiras foram objeto, por duas vezes, de reformas constitucionais, sob FHC e Lula, aprovadas em 1998 e 2003. A reforma do mercado de trabalho significa que a legislação trabalhista não prevalecerá sobre a “negociação”.
  7. A desindexação foi decretada pelo Plano Cruzado em 1986 e pelo Plano Real em 1994. Delfim não indicou se os títulos da dívida pública serão ou não isentados da desindexação. Quando do Real foi trágico: a taxa SELIC acumulou 53% em 1995.
  8. Em suma, as propostas consistem em aumentar a dose de medidas em uso há muito tempo e até hoje, que nada solucionaram. Não obstante, muitos as aclamarão como solução, pois consideram  novidade tudo de que a TV não fala, desde há três meses.
  9. Delfim não vê futuro nas propostas de Lula de reanimar a economia expandindo o crédito. Lembra: “Não há falta de crédito, há falta de tomador. Não tem ninguém querendo crédito”.
  10. Claro, a renda das pessoas caiu, suas dívidas cresceram. Aliás, não há necessidade de keynesianismo para entender que só surge retomada de investimentos e criação de empregos, se se crê que haverá mercado para o que se pretende produzir.
  11. Mas, e a verdadeira solução? Delfim não a pode apontar. Membro de escol da pseudoelite, ele julga impensável alijar-se da “comunidade financeira internacional”, abrir mão dos ganhos fabulosos das aplicações financeiras, e aprova a globalização do sistema de poder mundial, deixando a economia produtiva sob o comando dos cartéis transnacionais.
  12. Teorias sofisticadas, voltadas para conservar o império da oligarquia concentradora, como o keynesianismo, embora rotulado como progressista, são uma espécie de ópio de economistas, inclusive ditos de esquerda.
  13. Nessa linha, Delfim imagina vencer a crise, mudando as expectativas: “na economia as crenças são mais importantes do que os fatos”. Para ele, a eleição de Macri, na Argentina, fez o mundo crer que ela vai melhorar e já está melhor que o Brasil.
  14. Claro que o império angloamericano vai tentar tornar isso verdade. Mas, mesmo que o consiga, a curto prazo, nas aparências, o resultado estrutural será afundar a Argentina no apartheid tecnológico.
  15. Para Delfim,“o Brasil sofre de uma doença: não tem perspectiva”. Seu programa ganharia aplausos da grande mídia e dos muito endinheirados, os que têm meios para investir.
  16. Se Dilma o  adotar — aderindo integralmente a esses — como já faz, por exemplo, elevando os juros da dívida pública — o sistema de poder financeiro e transnacional fará o Congresso aprová-lo.
  17. Dilma acenaria a possibilidade de recuperar empregos perdidos durante a paralisia, advinda dos diversos fatores da crise.
  18. Mas, em função principalmente da estrutura do modelo dependente, não há como repor as perdas e nem sequer estancar os fatores de prosseguimento delas, agravadas pela inflação e pela desvalorização cambial.
  19. Só os bancos têm aumentado sempre os lucros. A renda total, em queda, concentra-se ainda mais, excluindo a perspectiva de ressurgimento da procura, ademais devido ao tripé: juros altos para o mentiroso combate à inflação, meta de superávit primário e câmbio flutuante.
  20. Então: como vão surgir os investimentos e as expectativas keynesianas favoráveis aos investimentos?
  21. Nem com injeção de recursos do Tesouro para o crédito público, como fez Lula, e Dilma até 2013, política injustamente acoimada de errada em si mesma, como causadora do “desequilíbrio fiscal”.
  22. Essa política, a proposta por Delfim, e também as duas combinadas,  têm de dar errado, dadas estas realidades estruturais:
    1) Financeirização, desnacionalização e concentração galopantes;
    2) Infraestrutura que prioriza a extração e o cultivo predatórios de recursos naturais para exportar, e o faz de forma ineficiente e cara;
    3) Despesa pública descomunal, decorrente da  dívida interna — indexada e objeto de taxas de juros e spreads absurdos — a qual, para evitar déficit orçamentário muito alto, faz comprimir investimentos públicos;
    4) Déficits gigantes acumulados nas transações correntes com o exterior — que se aceleram quando a economia cresce — conducentes ao crescimento da dívida externa e à elevação do passivo externo, proveniente principalmente dos investimentos diretos estrangeiros;
    5) Investimentos estrangeiros na dívida pública interna, cuja dimensão ameaça as reservas externas, em função do possível retorno ao exterior dessas aplicações, ao qual se juntariam saídas de capitais financeiros de residentes no País, eventualidade tanto  mais destrutiva, quanto a pseudoelite não quer recorrer aos controles de câmbio e capitais.
  23. Esses fatores de corrosão da economia brasileira retroalimentam-se entre si, constituindo um processo cumulativo.
  24. Diante disso e dos conselhos dos economistas do sistema, vem à mente grande parte da medicina ocidental, que atacando sintomas e não, causas, agrava as doenças, intoxicando, ainda mais, com drogas químicas, pacientes intoxicados por alimentação e modos de vida inadequados.   
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* Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo, Alemanha,  e autor do livro
Globalização versus Desenvolvimento ([email protected]
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