Haitianos lutam contra ocupação

Haitianos lutam contra ocupação

As tropas enviadas ao Haiti pela gerência PT-FMI, sem consulta ao povo brasileiro, vêm participando da morte de haitianos que resistem à ocupação militar do país. A denúncia foi feita pela ONG norte-americana Answer e publicada na internet, num conhecido site cubano.
A Answer informou que nas duas semanas compreendidas entre 10 e 24 de outubro as tropas internacionais da ONU — comandadas pelos brasileiros — e a polícia local “assassinaram e detiveram dezenas de militantes contra a ocupação”.

Segundo a ONG, os militares estrangeiros e os policiais realizaram “um brutal ataque contra a população dos bairros de Belair e Cité Soleil”. Além disso, “no dia 13 de outubro a polícia haitiana, apoiada pelas tropas das Nações Unidas, agrediu e prendeu o sacerdote Gérard Jean-Juste, no momento em que ele distribuía comida a crianças sem recursos”, disse a ONG. Constata-se assim que longe de significar uma “missão de paz”, de “não estar cumprindo função de polícia”, etc, como vem propagandeando a gerência de Luís Inácio, a presença dos 1.200 militares brasileiros no Haiti, desde o final de maio — comandando oficialmente soldados de 14 países — representa uma cruel ocupação de outro país, feita exclusivamente a serviço do imperialismo do USA. A Deputada Federal Maninha, do PT de Brasília, que regressou recentemente do Haiti, deu declarações à imprensa que corroboram as informações acima. Segundo a deputada, as tropas brasileiras foram ovacionadas na sua chegada mas, agora sofrem as hostilidades dos haitianos.

O envio do contingente do exército brasileiro serve para garantir a retaguarda do USA, possibilitando que os ianques desloquem mais homens ao Iraque.Em dezembro será renovado o contingente de 1.200 homens, iniciado em novembro. Enquanto isso, já se encontra em Brasília o documento da Onu colocando a questão da prorrogação da presença brasileira até o final de 2005 e a solicitação de aumento do efetivo em mais 440 soldados.

A gerência petista está repetindo o odioso papel cumprido pela ditadura militar em 1965, na República Dominicana. Naquele ano, o USA requisitou tropas do Brasil para executar o serviço sujo de invadir e ocupar o território dominicano, retirando da presidência o reformista Juan Bosh para recolocar no posto um governante totalmente submisso a Washington.

Beco sem saída

O crescimento da resistência do povo haitiano pode levar o Brasil a penetrar num atoleiro muito semelhante ao que o USA enfrenta no Iraque. Soldados brasileiros poderão começar a tombar no Haiti — pois o quadro que se delineia lá é o de uma guerra real, e não o de um passeio ao Caribe, onde o povo se deixa levar pela simpatia à seleção canarinho.

A admiração dos haitianos pelo futebol verde-amarelo é um componente falsificador, uma cortina de fumaça usada pela gerência petista para tentar iludir o público externo ao Planalto. Pois, no âmbito interno, a verdade é bastante conhecida. E preocupa.

Não é a toa que, na solenidade de posse de José Alencar no Ministério da Defesa, no dia 8 de novembro, a presença militar no Haiti foi tema importante, com um entrevistado da TV-Cultura de São Paulo dizendo, soturno: “Será que a opinião pública apoiará, daqui para a frente, a morte de soldados brasileiros no Haiti?” Outro entrevistado reconhecia: “O trabalho das forças brasileiras naquele país está num ritmo fora do normal, e é preocupante”.

A ONG Answer diz que a situação está cada vez mais grave e que o contingen-te da ONU — comandado pelos brasileiros — está permitindo que integrantes do extinto exército nacional, muitos deles remanescentes dos selvagens tonton macoute, guarda pretoriana dos tiranos Papa Doc e Baby Doc, atuem com total liberdade contra a população. “Os anteriores soldados do proibido Exército haitiano patrulham abertamente as ruas e estão anunciando, para quem quiser ouvir, que varrerão a resistência ao golpe (contra o ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, realizado pelo USA em fevereiro deste ano) e à ocupação estrangeira”.

Rebelião popular

É preciso que se esclareça que Aristide, que foi levado pelos ianques ao exílio na África do Sul, não é exatamente um santo — embora tenha sido ligado à igreja católica. Ele simplesmente deixou de interessar ao USA como aliado e foi tirado de cena, como tantos outros servidores fiéis, a exemplo de Alberto Fujimori, do Peru.

O que ocorreu é que em fevereiro, as massas haitianas, revoltadas com a fome, a miséria, a corrupção e a repressão estatal iniciaram uma rebelião onde quartéis policiais e instituições do Estado foram incendiados. Em seguida, houve enfrentamentos entre o povo e as forças da repressão do governo Aristide, com dezenas de mortos e feridos.

Para tentar conter a revolta popular, que estava fugindo ao controle, o USA desembarcou fuzileiros navais no país. Dias depois Aristide era tirado de cena e, numa manobra mil vezes já usada, Washington tentava enganar a população rebelada promovendo a posse de um “novo” governo, o de Boniface Alexandre. Na verdade, um governo títere como o anterior.

Osso duro de roer

Mesmo que a gerência de Luís Inácio procure adocicar a realidade, o “trabalho” dos militares brasileiros no Haiti não será nada fácil. O povo haitiano possui uma combatividade exemplar, inúmeras vezes demonstrada a ferro e fogo em sua história.

O Haiti foi o primeiro país da América onde os escravos — maioria da população — conseguiram libertar-se. Através da luta armada, os haitianos iniciaram o processo de expulsão dos colonizadores franceses, ingleses e espanhóis em 1791, obtendo a extinção da escravatura em 1794. A seguir, em 1804, novamente uma luta armada popular conduziu à independência em relação à França, constituindo-se uma república.

Traídas pelas classes dominantes, as massas retomaram seu movimento de revolta, fazendo com que o USA invadisse o país em 1915 para assegurar o poder da chamada “elite mulata”, sua fiel lacaia. A combatividade dos haitianos nunca cessou, obrigando os ianques a prosseguirem na ocupação até 1934, usando a repressão intensa como a única forma de conter a rebeldia.

A repressão extrema, sob a tutela do imperialismo, foi também o único modo de o médico François Duvalier (que se fazia chamar pelo infame apelido de Papai Doutor, isto é, Papa Doc) conseguir manter-se no “trono” por 14 anos e “coroar” o sucessor, seu filho Baby Doc. Este manteve-se por 15 anos no governo com a mesma receita do pai.

Nos anos 80, as massas conseguiram organizar-se novamente. Com Baby Doc, a situação do país era tal que o primeiro produto da pauta de exportação era o sangue humano. Exatamente isso. Baby exportava o próprio sangue do povo.

A rebelião estourou. E Baby Doc foi derrubado em 1986. Numa nova manobra ianque, uma junta militar pró Baby Doc se apossou do governo.

Numa eleição realizada em 1990, venceu o padre Jean-Bertrand Aristide, alicerçado pela igreja e por algumas potências imperialistas. O USA não aprovou a escolha e arquitetou um golpe contra Aristide. Em 2000, porém, os ianques mudaram de idéia e apoiaram uma nova eleição de Aristide. Este permaneceu até agora, 2004, quando se iniciou uma nova e grande revolta popular. O USA invadiu o país e substituiu Aristide por outro servil aliado.

Em maio, os ianques jogaram a bomba no colo de Luís Inácio, que aceitou comandar a ocupação, em nome “da ONU”.

Envenenando os opressores

Na década de 1950, o escritor cubano Alejo Carpentier produziu o romance O Reino deste Mundo, onde abordou a luta do povo haitiano em busca de sua libertação, atacando os fazendeiros donos de escravos, a partir do século 18. Sintetizamos abaixo um dos capítulos mais impressionantes da obra: “O veneno se espalhou pela Planície do Norte, invadindo os potreiros e os estábulos. Não se sabia como se introduzira entre as gramas e as alfafas, entre os fardos de forragem, e nem como alcançava as mangedouras.

O fato é que as vacas, os bois, os novilhos, os cavalos e as ovelhas morriam às centenas, cobrindo a comarca inteira com um infindável fedor de carniça.

Nos crepúsculos acendiam-se grandes fogueiras, que desprendiam uma fumaça baixa e gordurenta, antes de se extinguirem sobre montões de caveiras negras, de costelas carbonizadas e de cascos embrasados pelas chamas.

(…) Logo se soube com espanto que o veneno entrara nas casas. Uma tarde quando merendava um bolo, o dono da fazenda CoqChante caíra subitamente, sem ter sentido nada antes, arrastando consigo um relógio de parede, no qual estava dando corda.

Antes que a notícia se espalhasse pelas propriedades vizinhas, outros proprietários tinham sido fulminados pelo veneno que espreitava, para atacar melhor, escondido nas bacias dos veladores, nas terrinas de sopa, nos vidros de remédio, no pão, no vinho, nas frutas e no sal.

Escutava-se agora constantemente o martelar dos ataúdes. Na curva de cada caminho aparecia um enterro. Nas igrejas do Cabo (Cap-Haïtien) não se cantavam senão missas pelos mortos, e as extremas-unções chegavam sempre muito tarde.

(…) Exasperados pelo medo, bêbados de vinho por não se atreverem mais a provar a água dos poços, os colonialistas açoitavam os escravos, em busca de uma explicação. O veneno, porém, seguia dizimando… sem que as rezas, os conselhos médicos, as promessas aos santos, as cantigas ineficientes de um marinheiro da Bretagne, necromante e curandeiro, conseguissem deter a marcha subterrânea da morte.

Com pressa bem involuntária de ocupar a última cova que restava no cemitério, Madame Lenormand de Mezy morreu no domingo de Pentecostes, pouco depois de provar uma laranja (…) A guarnição do Cap desfilara pelas estradas numa ridícula ameaça de morte ao inimigo inatingível. Mas o veneno continuava alcançando as bocas pelos caminhos mais inesperados. Um dia, os oito membros da família Du Periguy o encontraram num barril de sidra que eles mesmos tinham trazido, nos braços, da adega de um barco recém-ancorado. A carniça havia tomado conta de toda a comarca…”

República do Haiti

Área: 27.400 kms2
População: 8,4 milhões no ano de 2002 (96% de descendentes de africanos, 3% de europeus meridionais e 1% de outros)
Idioma: 80% falam o creole, que mistura elementos do francês antigo, espanhol, inglês e línguas africanas. Apesar de o francês ser um dos idiomas oficiais, é praticado por somente 20% da população.
Localização: Ocupa o oeste da ilha de Hispaniola, no Caribe, chamada de Quisqueya pelos índios aruaques e caraíbas que a habitavam antes da chegada de Cristovão Colombo (no leste fica a República Dominicana). É a nação mais pobre das Américas. Cerca de metade dos habitantes é analfabeta e só 28% têm acesso ao saneamento básico. A maioria é camponesa, trabalhando em solos cada vez mais gastos pela erosão.
Principais cidades: Porto Príncipe (capital), Carrefour, Delmas, Cap-Haïtien.

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