Mais do que nunca, o USA e a União Européia estão empenhados em assinar com os governos subservientes dos países pobres documentos chamados de TLCs, os "tratados de livre comércio", e outros conhecidos como "tratados de investimentos bilaterais". Isto vem sendo feito em surdina, longe das pompas e circunstâncias das cúpulas internacionais, que até pouco tempo eram o lugar, por excelência, do encontro entre o entreguismo e o imperialismo.
Tudo acontece também sob o silêncio sepulcral do monopólio internacional dos meios de comunicação e de seus enclaves nos países submetidos à rapinagem imperialista, uma vez que os objetivos reais destes tratados — multiplicar os lucros das grandes empresas e boicotar futuras demonstrações de força dos países ditos "em desenvolvimento" — não combinam com jornais e emissoras de TV sempre coniventes com a exploração capitalista.
São conclusões de um estudo chamado Hipotecando o Futuro: como acordos comerciais e de investimentos entre países ricos e pobres minam o desenvolvimento, divulgado no ano passado pela Oxfam, uma organização internacional que reúne 12 representações ao redor do mundo e que se debruça sobre temas como democracia e comércio internacional.
Apesar dos vícios próprios de quem ainda se vale da linguagem e da lógica próprias da burguesia para denunciar a exploração e a opressão, o estudo feito pela Oxfam traz à tona algumas informações preciosas para as lutas do povo trabalhador.
A Oxfam constatou que 25 países pobres já entraram pelo cano e mais de 100 estão negociando tratados lesivos a si próprios, conduzidos ao matadouro seja por chantagem ou truculência da parte dos países poderosos, seja pela anuência pura e simples das administrações nacionais coniventes. Em média, dois dos chamados "tratados de investimentos bilaterais" são assinados semanalmente. Nenhum país escapa, por pior que seja a situação de opressão em que já se encontra devido ao lugar que lhe foi reservado pela lógica perversa da divisão internacional do trabalho.
Estes tratados vêm sendo "negociados" fora do âmbito da Organização Mundial do Comércio, onde os intrincados arranjos do grande capital monopolista muitas vezes produzem inconveniências que o próprio poder econômico procura contornar. Como de praxe, imperam os eufemismos sobre tudo o que atenta contra os povos trabalhadores. O USA chama esta ofensiva de "liberalização competitiva", e a União Européia fala de "plataformas graduais para futuros acordos multilaterais".
O capital internacional exige
que o povo [argentino] pague
US$ 18 bilhões de indenização
pelos lucros que deixou de ganhar
Além de significarem a burla de regras comerciais que, mesmo já sendo predatórias, eventualmente se apresentam como obstáculos para a voracidade imperialista, estes tratados são acertados a portas fechadas porque seus termos são tão agressivos que desmentem de forma categórica a falácia da responsabilidade social capitalista.
Concebidos para beneficiar empresas exportadoras com sede nos países poderosos, os acordos, com regras abrangentes e de difícil reversão, na prática servem e servirão para incrementar as estatísticas de desemprego e para arrochar a opressão sobre os que permanecerem empregados, com a desculpa de sempre: é necessário cortar direitos, garantias e salários para ser competitivo.
Plantando e colhendo monopólios
Segundo o estudo da Oxfam, o USA e a União Européia buscam ainda impor, por exemplo, regras de propriedade intelectual que vão contra os interesses dos povos. A organização fez as contas sobre as consequências de um acordo comercial proposto pelo USA ao governo oportunista de Álvaro Uribe, na Colômbia, e concluiu que, para a população colombiana, os custos dos medicamentos aumentariam em até US$ 919 milhões até 2020, uma vez consumada a trapaça. Algo semelhante deve acontecer com os insumos agrícolas na República Dominicana, em virtude do acordo de livre comércio assinado pelo USA com seus gerentes interpostos naquele país.
O mesmo efeito vem sendo e será observado no setor de serviços dos países lesados por tratados desta espécie, favorecendo a formação de monopólios e oligopólios. Segundo a Oxfam, prevalece a lógica do Acordo de Livre Comércio Norte-Americano, o Nafta, assinado entre o USA e o México em 1993, que possibilitou uma farra sem precedentes do capital financeiro internacional: em sete anos, a participação estrangeira no sistema bancário mexicano pulou para 85%. A consequência imediata disto foi que o crédito concedido para a atividade produtiva nacional mexicana caiu de 10% para 0,3% do Produto Interno Bruto do país.
Indo além, estes acordos são elaborados de forma a tornar os países pobres vulneráveis a ações judiciais movidas pelos controladores do capital internacional, caso alguma alteração no aparato legal destes países afete suas taxas de lucro, e ainda que eventuais mudanças na legislação sejam feitas em nome do interesse público.
Um exemplo citado pelo estudo da Oxfam é o da Argentina, onde hoje o capital internacional exige que o povo do país pague US$ 18 bilhões de indenização pelos lucros que deixou de ganhar durante a crise capitalista que arrasou a população argentina em 2001 e 2002.
A Oxfam desvenda ainda uma outra faceta destes tratados:
"Os acordos de livre comércio podem impor medidas radicais de liberalização de tarifas, ameaçando os meios de vida de agricultores familiares e camponeses e impedindo que governos usem sua política tarifária para promover o crescimento de suas indústrias. Por meio de seus Acordos de Parceria Econômica (APE), a Europa, por exemplo, deseja obrigar os países mais pobres do mundo a reduzir uma grande parte de suas tarifas a zero. Ao mesmo tempo, os TLCs não levam em consideração os impactos adversos dos subsídios concedidos por países ricos geradores de dumping em países pobres, e tampouco a enorme quantidade de barreiras não-tarifárias que continuam a impedir seu acesso a mercados de países ricos".
O estudo Hipotecando o Futuro mostra que empresas multinacionais têm de 70% a 80% de participação acionária nas cinco principais redes de supermercados que operam na América Latina, e que respondem por 65% do total de vendas em supermercados na região. Estas redes gigantes revendem muitos produtos importados, e quando recorrem à produção local o fazem impondo o fornecimento de grandes quantidades e padronizações que favorecem, por exemplo, o latifúndio, em detrimento da produção agrícola camponesa e regional.
Quanto aos efeitos disto em nosso país, a Oxfam não poderia ser mais clara: "No setor de laticínios no Brasil, a entrada de grandes supermercados no mercado e a consolidação de novas cadeias de abastecimento levou 60.000 pequenos produtores à falência".
Para os trabalhadores, trata-se de saber da existência destes documentos lesivos aos seus interesses, compreender como eles se inserem nas engrenagens da opressão capitalista, entendê-los como um instrumento a mais do imperialismo, e levá-los em conta nas lutas por emancipação.