A crise que assola as estruturas do capitalismo vem provocando o acirramento das tensões entre os países imperialistas. A afirmação de Lenin, no texto Sobre a palavra de ordem dos Estados Unidos da Europa, segundo a qual "No capitalismo são impossíveis outros meios de restabelecimento de tempos a tempos do equilíbrio alterado que não sejam as crises na indústria e as guerras na política". Tem, nos dias de hoje, a sua confirmação prática.
De um lado, o USA, o Japão e a União Européia (principalmente as potências que compõem o seu eixo: Grã-Bretanha, Alemanha e França). De outro, a Rússia, a China, o Irã e a Coréia do Norte. Não são exatamente grandes blocos de aliados incondicionais, mas é assim que vai se formando o arranjo de forças militarizadas que já se esmeram nesta nova fase de partilha do mundo, da qual a recente ofensiva sobre a Faixa de Gaza é um dos primeiros sinais, assim como o incremento da invasão ao Afeganistão. É neste cenário que Obama e seus aliados reforçam a aposta militarista no âmbito da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
No dia 11 de março o presidente da França, Nicolas Sarkozy, anunciou que o país voltaria ao comando militar da Otan, ou seja, ao chamado "núcleo duro" da aliança transatlântica, 43 anos depois de o general Charles De Gaulle solicitar ao então chefe do USA, Lyndon Johnson, que retirasse as bases norte-americanas do território francês. Foi a cereja no bolo de uma espécie de refundação da Otan, processo que foi lançado há um ano na cúpula de Bucarest, e que foi ratificado na cúpula de Kehl e Estrasburgo, no início de abril deste ano, tudo depois de as novas diretrizes para a relação entre a União Européia e a Otan terem sido aprovadas pelo Parlamento Europeu, também no início de março.
É bom lembrar que, assim como sua fama de nutrir antipatia pelas empresas privadas, o chamado "anti-americanismo" da elite política, representante da classe dominante francesa não passa de um mito. A França foi um dos membros fundadores da Otan, em 1949, quando o pacto do pós-guerra se deu sobre bases imperialistas e anticomunistas. Quando De Gaulle decidiu retirar o país do comando militar da aliança, não o fez em protesto contra sua natureza e seus objetivos, mas sim para relançar o expansionismo francês de forma independente.
Agora o cenário é outro. O acirramento da resistência dos povos de todo o mundo ao fascismo e ao neocolonialismo obriga as potências imperialistas a unirem certos esforços. No caso da França, primeiro politicamente, reforçando seu papel na própria União Européia, e agora militarmente, voltando a integrar o "núcleo duro" da Otan.
Quase que simultaneamente à reviravolta capitaneada por Sarkozy, o Parlamento Europeu aprovou a Estratégia Européia de Segurança e a Política Européia de Segurança e Defesa (PESD), diretrizes que prevêem a militarização do espaço europeu, o aumento das despesas militares em meio à crise econômica, e a adaptação das forças armadas de cada país da UE às demandas e estratégias da Otan.
Demandas e estratégias que se delineiam e são levadas a cabo sob o palavrório das "guerras preventivas" e da "responsabilidade de proteger", sob o qual se esconde os crimes de ingerência. Está claro que o objetivo dos imperialistas europeus mancomunados com os ianques é acelerar e acentuar os processos de recolonização, colocados na ordem do dia por causa da grave crise do sistema capitalista. Esta foi a prioridade sacramentada na cúpula de Kehl e Estrasburgo, onde a trupe comemorou os 60 anos de sua aliança, reforçando-a.
E se, pelo lado europeu, a Otan se reforça exatamente pela volta da França à sua direção, a qual compartilha com a Alemanha (não por acaso os dois países compartilharam também, em duas cidades fronteiriças, a sede da cúpula) e Grã-Bretanha, pelo lado do USA o incremento vem pela figura do demagogo Barack Obama. Poucos dias antes da cúpula de Kehl e Estrasburgo, Obama recebeu na Casa Branca o então secretário-geral da Otan, Jaap de Hoop Scheffer, para discutir os interesses das grandes potências, e não dos povos. De todos os compromissos que cumpriu na Europa entre o início de março e o início de abril, foi justamente a cúpula da Otan o que realmente interessava ao chefe do imperialismo, mais do que o convescote do G20 e o encontro na República Tcheca com líderes da Europa do capital.
O genocídio sob nova direção
Na reunião, Obama, Scheffer e o novo secretário-geral da organização, o dinamarquês Anders Fogh Rasmussen, trataram mais especificamente de como a Otan exercerá o papel auto-reclamado há um ano em Bucarest de "provedora de segurança claramente mais eficaz em um mundo cada vez mais globalizado e perigoso", ou seja, como o braço militar do imperialismo transatlântico pode ajudar seus signatários neste contexto atual, no qual a partilha do mundo já começou. Mesmo antes da cúpula Obama já se valia da chantagem para conseguir que mais soldados europeus fossem enviados para o Afeganistão. "É muito mais provável que a Al-Qaeda lance um ataque terrorista sério na Europa do que nos Estados Unidos, por causa da proximidade", disse. Arranjou mais cinco mil homens.
A bem da verdade, o incremento da violência da Otan praticada além das fronteiras da Europa já pôde ser constatada ao longo do ano passado. No Afeganistão, as tropas da aliança transatlântica mataram 40% a mais de pessoas em 2008 em relação a 2007. Foram milhares de homens, mulheres, velhos e crianças trucidados pela Otan. E o horror tende a aumentar. Em 2009, a previsão é que mais 25 mil soldados estrangeiros reforcem as forças invasoras. Enquanto isso, o USA dá conta do tipo de democracia que alega "exportar": Obama e seus comparsas europeus estão planejando criar do nada, e de fora, o cargo de primeiro-ministro afegão, a fim de reduzir os poderes do presidente, o corrupto e capacho Hamid Karzai, colocado onde está pelo próprio imperialismo, mas que hoje é visto como incompetente por não conseguir rechaçar os talibãs.
USA e UE tiveram sua confraternização abalada pelo lançamento norte-coreano de um foguete lançador de satélite que para os sócios da OTAN mais o Japão e a Coréia do Sul significou uma verdadeira afronta. Em caráter de urgência levaram o caso ao Conselho de Segurança da ONU propondo sanções severas, o que não aconteceu frente à negativa de Rússia e China, os mesmos que se opõem, com o seu poder de veto, às sanções contra o Irã, diante do desenvolvimento de seu programa nuclear.
Tudo o que está acontecendo agora serve, pelo menos, para desmentir certos mitos de que a União Européia é uma comunidade fundada em princípios pacíficos e humanistas, que o USA, sob Obama, acabaria sua aventura belicista e que e Rússia e China não têm pretensões imperialistas. Tratam-se de países imperialistas em pugna e conluio com vistas a nova partilha do mundo.
Imperialismo arma seus cães de guarda
Uma das principais armas utilizadas por Israel na mais recente ofensiva de aniquilação movida contra os refugiados da Faixa de Gaza foram os caças F-16. As toneladas de bombas lançadas destes aviões nos últimos meses arrasaram a maioria das casas, escolas e demais prédios públicos palestinos que estão sendo reduzidos a pó desde dezembro do ano passado, matando centenas de pessoas e ferindo outras milhares. A força aérea israelense conta com 362 destes caças. Cinquenta deles foram dados de presente pela Força Aérea do USA como recompensa pelo esmero dos comandantes sionistas em cumprir seu papel de cúmplices dos crimes do imperialismo ianque no Oriente Médio.
Pois o imperialismo bateu palmas para os vôos rasantes e outras acrobacias realizadas com caças F-16 e aviões de combate Mirage com que os organizadores da 9ª Exposição e Conferência Internacional de Defesa inauguraram o evento, também conhecido como salão de armamentos Idex, que aconteceu entre os dias 22 e 26 de fevereiro em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Noves fora a embromação economicista que aparece nos materiais de divulgação, tratou-se mesmo de mais uma edição desta bienal da indústria bélica promovida pelos gigantes do setor exatamente ali, no Oriente Médio, onde a inquebrantável resistência dos povos da região às agressões militares estrangeiras obriga os agressores a se armarem até os dentes com o que há de mais moderno e mais letal no mercado.
Gerentes e generais dos Estados imperialistas e semicoloniais, e executivos e vendedores de transnacionais correram para Abu Dhabi tanto para comprar quanto para vender armas e demais equipamentos militares, dado o estado de tensão ao qual a corrida imperialista, o neocolonialismo e o fascismo alastrado por toda parte submeteram o mundo atual. Nos 110 mil metros quadrados da exposição, negociou-se desde pistolas de baixo calibre até veículos comandados à distância. Foram 900 expositores de cinquenta países que receberam um público de nada menos do que 45 mil pessoas.
E não há crise que contenha o ímpeto da indústria bélica, dada sua relação de promiscuidade – para dizer o mínimo – com os aparelhos partidários que se alternam no comando dos países expansionistas e daqueles que avalizam a corrida imperialista nas mais diversas regiões do planeta. Ministros da Defesa e seus asseclas se apressam em torrar os orçamentos militares dos seus países, enchendo o bolso dos acionistas e dos executivos das transnacionais das armas. Tudo a título de "combate ao terrorismo", de resguardo quanto à possibilidade de uma bomba nuclear iraniana ou, no limite, argumentando que "é tudo para defender o povo".
Em Londres, ‘Bienal da Guerra’
Foi este otimismo o que deixou transparecer o agente de vendas da Raytheon no Oriente Médio quando garantiu que a região, "incluindo o Golfo, continua sendo um mercado muito viável e credível". Dito e feito. A Raytheon, maior conglomerado da indústria bélica ianque, que abastece a marinha do USA, fechou um contrato bilionário com os Emirados Árabes Unidos para a venda de 224 mísseis AIM-120C-7. A disposição dos governantes dos Emirados Árabes para "modernizar" suas forças armadas rendeu ainda acertos com fabricantes francesas e britânicas.
Aliás, as petromonarquias que compõem o Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Emirados Árabes, Kuwait, Bahrein, Qatar e Omã), aliadas do imperialismo ianque na região e patrocinadas por ele, gastaram nada menos do que US$ 60 bilhões em armas e equipamentos militares. Outro homem de negócios animado era o diretor da empresa sueca de armamentos BAE Systems, que disse não ter notado "qualquer aumento ou diminuição das despesas" com os armamentos por parte dos países do Oriente Médio.
As empresas brasileiras vendedoras de armas aumentaram sua presença nesta edição do Idex. Em 2007, elas eram duas. Neste ano, foram quatro, e a idéia é crescer ainda mais. "A feira tem um potencial muito interessante para as empresas brasileiras. Com certeza deverão vir mais empresas na próxima edição", disse o vice-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Segurança e Defesa (Abimde) à Agência de Notícias Brasil-Árabe (Anba). E disse mais: "O mercado árabe é importante estrategicamente. Estamos aqui para fortalecer o nosso relacionamento com o Oriente Médio, que tem um potencial muito forte".
A Exposição e Conferência Internacional de Defesa de Abu Dhabi chamam a atenção pelo fato de estarem sendo exibidas e vendidas, como se fossem carros ou televisões, as armas que as petromonarquias mancomunadas com o USA em breve usarão para mutilar e assassinar a gente que resiste à usurpação das suas terras pelas potências estrangeiras. Mas o salão Idex é o segundo maior do mundo no seu feitio. O grosso das negociatas armamentistas costuma ser feito mesmo na Feira Internacional de Sistemas e Equipamentos de Defesa de Londres, a chamada "Bienal da Guerra". Neste ano, o convescote de assassinos acontecerá na capital britânica entre os dias 11 e 29 de setembro. Em 2007, foram 1352 "expositores", por assim dizer.
O militarismo na América do Sul
E os eventos deste tipo não param por aí. Pouco depois do Idex 2009 aconteceu na cidade indiana de Bangalore o Aero India 2009, mais uma feira onde se comprou e vendeu instrumentos de morte. Em novembro é a vez do Dubai Air Show, onde, como o nome diz, serão vendidos MIG russos, Mirages franceses e F-16 ianques, como aqueles utilizados por Israel para exterminar nossos irmãos palestinos.
Entre os dias 14 e 17 de abril o Riocentro, no Rio de Janeiro, sediou a LAAD (Latin America Aerospace and Defence), a mais importante feira latino-americana de equipamentos para forças armadas, onde vendedores de armas recebem, adulam e fecham negócios com generais que têm poder de decisão sobre as compras militares de diversos países. Na América do Sul, onde a Colômbia há tempos já se abriu ao exército ianque e onde a Venezuela vem fazendo o mesmo em relação ao exército russo, Luiz Inácio anda empenhado em promover o que chama de estratégia de defesa comum no âmbito da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). O objetivo, claro, é abrir mercado para a indústria bélica que opera em nosso país.
Uma das novidades que foram apresentadas na LAAD 2009 foi o novo Urutu, veículo de transporte de soldados produzido no Brasil pelo grupo Fiat. Pode vir a ser uma espécie de caveirão internacional desta nova onda de militarismo imperialista, e talvez Luiz Inácio repita o que disse sobre nosso país ajudar a financiar as políticas de arroxo do FMI: "Vocês não acham chique?".