No dia 28 de fevereiro último, os índios Tapebas, que habitam o município de Caucaia, na região Metropolitana de Fortaleza, fizeram uma manifestação cujo objetivo era denunciar aos cearenses a falta de assistência que as comunidades indígenas vem sofrendo por parte da Funai, do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e do Ibama. Todos estes órgãos federais se dizem responsáveis pela proteção ao índio no Brasil. O protesto tinha como causa imediata o confronto com as polícias militar e civil e com os pistoleiros, todos a serviço dos latifundiários e “posseiros" que disputam as terras indígenas.
Fortaleza – Ao chegarem, em passeata, no núcleo da Funai, no município de Caucaia, CE, se depararam com a sede fechada. Os Tapebas tomaram, então, a decisão de ocupar o prédio totalmente vazio porque, na calada da noite, o núcleo havia se transferido para Fortaleza. Ao mesmo tempo em que reclamam a ação dos órgãos "competentes" eles vão retomando suas terras e organizando a produção e os serviços comunitários sob o seu controle, conquistando cada vez mais autonomia, apesar da Funai.
—A passeata e a manifestação na Funai foram os principais instrumentos para que nós da Chapa 2 pudéssemos vencer as eleições da Associação dos Índios Tapeba no último 9 de abril com 744 votos —afirmou Weibe, o presidente eleito da Associação das Comunidades dos Índios Tapeba. Weibe é um jovem de 20 anos, que, entre outras atividades, coordena as escolas da comunidade Tapeba e o Curso de Magistério Indígena do Ceará. Ele desponta, hoje, como uma das lideranças deste povo e dos indígenas cearenses. Weibe concedeu entrevista a AND, na qual aponta o centro da luta que os Tapebas desenvolvem e quais os inimigos que eles enfrentam para se afirmarem como povo indígena.
Weibe — A falta de fiscalização na área indígena era um dos principais problemas que a comunidade estava enfrentando. Tivemos, e ainda estamos tendo, problemas com posseiros. As polícias militar e civil estão sendo um dos grandes problemas para as lideranças indígenas porque, hoje, em vez de dar segurança, o que a polícia faz é agredir os próprios índios. Então, essa manifestação reivindicava basicamente isso: que a Funai se reestruturasse, onde o setor de fiscalização pudesse realmente funcionar dentro das comunidades indígenas, pois nos deparamos com o desrespeito total por parte da instituição. Quando chegamos na então sede da Funai que funcionava no Município de Caucaia, nos deparamos com um núcleo de apoio local fechado e o chefe da Funai, que é o Alexandre Cronner, tinha levado a sede para funcionar em Fortaleza. Então decidimos pegar um transporte e levar os índios que estavam na manifestação para a atual sede em Fortaleza e, chegando lá, novamente o Alexandre Cronner não se encontrava presente. E fomos para saber o porquê da Funai sair de Caucaia e conversar sobre os pontos de reivindicação, cujo aspecto principal é a questão da terra, que é a agilidade no processo de demarcação na terra indígena Tapeba, que continua emperrada na mão do antropólogo chefe do grupo técnico da Funai, em Brasília.
Weibe — Na realidade, já estava previsto que a Funai teria sua sede em Fortaleza, porém, não foi comunicada às lideranças nenhuma data da mudança. O planejamento que tínhamos feito foi executado, que era fazer uma caminhada até o centro de Caucaia. Chegando lá, a imprensa fez a cobertura testemunhando o nosso desapontamento. Foi aí que decidimos ir a Fortaleza. Soubemos depois que a prefeitura de Caucaia deixou de pagar o aluguel aonde vinha funcionando a instituição federal. Isso, também, é uma irregularidade. Afinal, uma prefeitura, que tem problemas com as comunidades indígenas, pagar um aluguel onde funciona a instituição responsável pela assistência dos índios…
Weibe — Isso é histórico no Brasil inteiro, o Estado, através da Funai tem dentro de seu contexto alguns pontos que caracterizam a sua atuação no território brasileiro e o principal deles é a tutela. Dentro da lei 6001, no Estatuto do Índio, ele é tido como incapaz. Então a Funai é a tutora dos índios, quer dizer: nós somos tutelados.
Muitas lideranças indígenas, quando vêem irregularidades, quando crescem dentro do movimento indígena e passam a ter uma certa autonomia junto com as comunidades indígenas, entram em choque com a Funai, por não permitir que ela continue mandando e manipulando. Hoje a Funai, não só no Ceará, mas no Brasil inteiro, patrocina essa divisão entre as lideranças. As lideranças que têm uma visão muito mais ampla de futuro das próprias comunidades, não aceitam aquela visão integracionista que a Funai tenta implantar. Então, essa é a essência da Funai, trabalhar com a tutela e com a relatividade da incapacidade das comunidades indígenas; não dá condição para que as comunidades tenham autonomia.
Weibe — Aqui na comunidade da Lagoa 2, a qual pertenço, desde que se iniciou a luta indígena, foi a comunidade que mais teve retomada de terra. Então a maior área indígena, hoje, em posse dos índios, é justamente a comunidade da área da Lagoa 2. Algumas retomadas foram feitas no entorno da Lagoa 1. Temos uma, recentemente, lá no trilho, também, e assim uma das discussões da nossa comunidade é essa questão do plantio, da agricultura, para as pessoas realmente cultivarem a terra e dali tirarem seu próprio sustento. Sempre sustentamos a linha de sermos muito humanitários: acolhemos índios de outras comunidades, claro que respeitando a organização social de toda a comunidade. Tem que passar por uma reunião e toda a nossa área é uma área de plantio extensa, que os índios cultivam e, depois que nos organizamos, reivindicamos e recebemos, da Fundação Nacional do Índio, ferramentas de trabalho e arames.
Weibe — Toda área retomada é destinada a construção de escolas, construção de posto, construção de área de lazer, famílias construírem suas casas, reunião, área de plantio. Por exemplo, o local que estamos agora é uma área retomada, o local mais sagrado para o povo tapeba que é os Paus Brancos, nas margens da Lagoa dos Tapebas, é uma área de retomada. Essa área que nós temos hoje, dentro de nossa comunidade, é o resultado de um processo de retomada da terra. Então é necessário que todas as comunidades indígenas pensem, vejam, analisem e trabalhem nesse ponto, nessa linha de retomar a terra e ela seja destinada realmente para o beneficio das famílias, da comunidade.
Weibe — Essa tentativa da Funai do Ceará, de fracionar todo o movimento estadual, cooptando algumas lideranças dos Tapebas para confrontar umas com as outras, isso ela não vai conseguir, porque estamos procurando a cada dia unificar. Está crescendo até mesmo com as próprias criticas oriundas da Funai mesmo, de ir até uma outra liderança indígena, para que estas críticas e estes pontos, que são negativos, possam futuramente se transformar num crescimento para todas as comunidades indígenas. Um dia, com certeza, a politização vai aumentar e vai ficar claro na cabeça de cada liderança que o poder público hoje só está querendo engolir as comunidades indígenas. Hoje nós não estamos tendo assistência alguma, praticamente. Por exemplo, eu falei anteriormente sobre a área da educação e da saúde, onde está havendo bom desempenho. Mas a Funai está querendo ter essa responsabilidade, novamente… E aí o movimento indígena vai deixar? Então, são algumas análise que nós podemos começar a fazer, discutir na nossa própria comunidade para que essa discussão vá muito mais adiante, que o movimento indígena, ao nível nacional, ganhe uma posição uniforme em relação a isso.
Weibe — Como qualquer outro povo, o Tapeba tem problemas na organização social da própria comunidade, justamente por conta da tutela oriunda da Funai. Mas que fique bem claro, a cada dia que passa algumas lideranças vem se fortalecendo e o povo Tapeba, hoje, é uma referência no movimento indígena também. Algumas vezes levamos representantes para encontros, seminários, congressos internacionais representando até o próprio Brasil. Então, o povo tapeba sempre esteve à frente, levantando a bandeira da luta pela terra, embora hoje a gente venha muitas vezes, segmentando demais o movimento indígena. Temos o segmento da educação, o segmento da saúde. Aí, a terra, fica esquecida e é justamente uma política que deve ser fortalecida por todos. Mesmo quem trabalha na área da saúde e da educação, tem que estar inserido na terra, porque ela é a essência de toda a luta indígena do Brasil.
Weibe — Muitas vezes a entidade propõe o desenvolvimento econômico e aí, não discute com a comunidade a política econômica que a comunidade deseja. Outras, procuram atuar como se fossem a representação da própria comunidade indígena, como se a comunidade indígena não tivesse respaldo, não tivesse base para se defender, para se auto-representar, para se manifestar da sua forma. Então, diante de algumas entidades que vêm trabalhar com a gente a comunidade indígena tem que estar muito atenta. Se a entidade vier — como foi falado aí — só cooptar algumas lideranças, hoje nós temos como nos defender e dizer que não é bem assim.
Então, a liderança indígena, principalmente por ser referencial, por representar a comunidade, ela não pode tomar partido de instituição nenhuma, tem que ficar sempre ao lado do povo, da maioria, pois ela representa a comunidade e quando a comunidade tem o desejo de estar manifestando contra posições que algumas instituições tomam, não é cabível que uma liderança vá lá tome posição da própria instituição, ou até ficar em cima do muro, por exemplo. É necessário que ela tenha os pés no chão e reflita o que quer, e aí todo mundo tem que dar as mãos para lutar.
Weibe — Dia 20 de abril, após o Dia do Índio, tomamos conhecimento que o presidente da Funai articulou a ida de uma delegação de 30 lideranças indígenas de vários estados, menos a do Ceará para, em Brasília, solicitar a volta dos recursos da educação e saúde sob o seu controle. Em protesto, levamos uma delegação de 100 lideranças de várias comunidades à sede da Funai-Ce. Chamamos a imprensa local e lemos um pronunciamento no qual pedíamos mais respeito da Funai de Brasília para com nossas organizações e defendemos a manutenção dos recursos de saúde e educação sob o controle da Funasa e do MEC. Aproveitamos ainda para cobrar as demarcação de nossas terras, que é o papel principal da Funai.
No dia 6 de maio, aconteceu na aldeia Lagoa1, uma Audiência Pública, pela Assembléia Legislativa. Nesta oportunidade, denunciamos a agressão policial contra os índios e a demora na demarcação de nossas terras. Setecentos índios mostraram aos representantes do governo estadual, dos municípios, do Ministério Público, da Funai, das Ongs e aos deputados, a força de sua organização e a sua disposição de luta através da fala dos líderes: Lúcia, Dourado,Adelson, Sônia e Weibe.
Weibe — O presidente sou eu, Ricardo Weibe Nascimento Costa. A vice é a Sônia Maria da Cunha Rodrigues; o primeiro secretário é o José Adelson da Silva Sousa; a segunda secretária é a Iracema Matos Mesquita; o primeiro tesoureiro é o Antonio Paulo de Alencar; e o segundo tesoureiro é o Gabriel de Abreu Domingos; o Conselho Fiscal ficou composto, pela ordem, os companheiros Sebastião do Nascimento, Cleuma da Cunha, José Ribamar Teixeira, José Nascimento e Raimundo Nascimento da Cruz.
Weibe —Temos como meta trabalhar vários objetivos como a saúde, a educação, o meio ambiente, a nossa sustentabilidade, etc. Entretanto, o que nos unifica mesmo é colocar tudo isso subordinado à luta pela terra.