No fim de setembro deste ano foi lançada a primeira campanha “oficial” para o indulto de Alberto Fujimori, ex-gerente federal peruano. Bastou uma sarcástica frase de Ollanta Humala para que os meios de comunicação peruanos colocassem o assunto na agenda de discussão do país.
Fujimori receberia o benefício com a alegação incorreta de sofrer de câncer
Subitamente, uma espiral de opiniões começou a circular na imprensa escrita, na televisão, rádio e internet. Políticos locais, renomados juristas, autoridades clericais, intelectuais e médicos vêm circulando pelos estúdios de rádios e televisões convertendo o assunto num reality show.
O debate sobre esse indulto, aprovado ou não, finalmente deixa claro que crimes de lesa humanidade — como o massacre de presos políticos nos cárceres peruanos, os desaparecimentos forçados de estudantes universitários da Universidad de La Cantuta, o massacre de Barrios Altos e o sequestro do jornalista Gustavo Gorriti — podem ficar impunes. Está claro que as classes dominantes peruanas estão dispostas — pelo menos — a discutir a redenção de Fujimori de todos os seus crimes comprovados com sentença executória. Assim, percebe-se que são capazes de prever o compasso dos cálculos dos custos e benefícios políticos aos direitos humanos, convertendo em uma ingenuidade — ou numa hipocrisia —, aquela frase que indica “os direitos humanos são a ética da democracia”.
Os ecos da possibilidade do indulto a favor do ex-ditador rondavam há mais de um ano, principalmente no desenvolvimento do segundo turno eleitoral, em junho de 2011, enquanto se enfrentavam a filha de Fujimori, Keiko Fujimori, e Ollanta Humala. Nesse momento, apontou-se não só a ideia do indulto ao ex-gerente, mas também o de Antauro Humala, irmão de Ollanta. Assim que o segundo turno acabou, o assunto foi silenciado, deixando algo claro: a importância das relações de parentesco em um país governado pelas elites políticas corruptas e envolvidas em crimes de todo o tipo, sintoma inequívoco do ar viciado que flui nas esferas palacianas do país andino.
Uma vez instalado o assunto no debate, e entrando na instituição jurídica do indulto, recordemo-nos que o indulto é o perdão da pena de um condenado por motivos legais ou humanitários. O exemplo mais conhecido talvez seja aquele retirado da passagem bíblica na qual é concedido o indulto ao delinquente Barrabás — em lugar de Jesus de Nazaré — no mundo hebreu antigo.
Retornando ao caso peruano, a constituição política reserva exclusivamente para o presidente a decisão do indulto. Recordem que a constituição peruana vigente foi aprovada em 1993, durante o fujimorato. Sem maiores problemas, a aplicação dessa faculdade presidencial não é irrestrita, dado que em uma disposição final da constituição se indica que a norma constitucional deve ser interpretada em conformidade com os tratados e decisões internacionais.
Assim não procederia o indulto em casos de violação aos direitos humanos, como torturas, execuções sumárias ou desaparecimentos forçados. Além disso, a lei peruana nº 28760 — promulgada também pelo mesmo congresso dominado pelo fujimorismo — impõe restrições ao indulto, em especial nos casos de crimes de sequestro e extorsão. Depois desse breve resumo, fica claro que Fujimori não pode receber o indulto em razão dos delitos pelos quais foi processado e condenado.
Outro dos caminhos é o indulto por motivos humanitários. A família de Fujimori argumenta esse tipo de razões, afirmando que ele sofre de câncer. Esse benefício, geralmente, é concedido a condenados que sofrem de doenças terminais graves e as condições carcerárias poderiam colocá-los em risco de morte.
Mas, Fujimori não padece de uma doença terminal, pois a leucoplasia oral com a qual foi diagnosticado não se trata de câncer, mesmo que os pacientes que são acometidos por essa doença tenham o risco de adquiri-lo. O tratamento sugere que nos casos de leucoplasia oral se deve “excluir o tabaco e o álcool, eliminar qualquer fator de irritação mecânica, etc”. Além disso, se sugere que os pacientes tenham uma revisão periódica a cada seis ou doze meses, ou seja, uma ou duas vezes por ano, nos casos mais extremos.
Os meios de comunicação que defendem Fujimori dissimuladamente expõem argumentos infantis tais como apelidar a quem se opõe ao indulto de Fujimori de gente envolvida com a concessão de indultos a condenados por crimes de terrorismo e traição à pátria durante o governo de Alejandro Toledo, entre 2001 e 2006. Esquecem que o próprio governo de Fujimori foi quem iniciou esse processo de indultos com a Lei nº 26655, em 1996, não porque tenha considerado as razões humanitárias ou legais ou qualquer tipo de filantropia — inimaginável nestas pessoas — mas pelas pressões internas e externas.
Assim, fica claro que o governo de Fujimori manejou o Poder Judiciário e a Justiça Militar do Peru e os empurrou a condenar e processar centenas de pessoas baseados em provas insuficientes e sem que nenhum tipo de vinculação com as partes beligerantes da guerra interna no Peru.
Fica claro que no Peru nenhum presidente dá indultos por razões humanitárias ou legais — ainda que aparentemente estes tenham que ser os motivos fundamentais —, pelo menos não no caso de personagens conhecidos como Fujimori, dos processados por terrorismo, sem que previamente se faça o cálculo dos custos e benefícios políticos, seja na cena nacional peruana ou atendendo aos agentes externos.
O tempo dirá se Fujimori sairá ou não garboso da negociata política que implica sua liberdade. Enquanto isso, pessoas como Víctor Zavala Cataña, teatrólogo peruano, precursor do teatro do realismo camponês andino, condenado por delito de terrrorismo, diagnosticado com uma doença terminal, continua preso, sem que os meios de comunicação e os politicastros — disfarçados de filantropos — se preocupem ou imaginem seu indulto.