O dia ainda dormia com a noite quando os pescadores do bairro de Jurujuba, em Niterói, entraram com seus barcos nas turvas águas da Baía de Guanabara. A incerteza de uma labuta que depende dos humores da natureza, com seus climas e correntezas, só não é maior do que a determinação com que aqueles homens superam as próprias superstições para trazer, ao fim do dia, o único sustento de suas famílias. Uma vida dura, igual a de tantos trabalhadores do campo e das cidades; vida de quem luta diariamente contra um sistema que insiste em oprimi-los e discriminá-los.
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Fiscalização ambiental atrapalha os pequenos pescadores de Guaratiba
Além da poluição que os empurra para mares cada vez mais distantes, ultimamente os pescadores artesanais de Niterói vêm sofrendo uma insólita fiscalização feita pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea). De acordo com o relato de vários pescadores, o instituto estaria proibindo a captura de vários tipos de peixe e ampliando de forma aleatória o período do defeso de várias espécies de peixe, o que inviabiliza o desenvolvimento da atividade pesqueira. Além disso, eles agora exigem que toda pessoa, pescador ou não, que queira pegar uma simples linha para pescar na região, apresente uma carteirinha criada pelo próprio Inea autorizando a atividade. Esta exigência está gerando enormes prejuízos aos milhares de pescadores que sobrevivem da atividade na cidade, e constrangendo aqueles que praticam a pesca esportiva ou recreativa, pois virou rotina a proibição da pesca em traineiras, da pesca de rede, e até mesmo a pesca na areia, para quem não apresentar essa carteirinha.
– O Inea agora está exigindo dos pescadores, qualquer pescador, na praia, no costão, na embarcação, a carteirinha de permissão para pesca que eles criaram. E se você não tiver eles recolhem todo seu material de trabalho, e ainda te multam! Essa carteirinha você tira pela internet, e paga uma taxa anual referente à modalidade de pesca que escolher, que pode ser a pesca de praia, a pesca de costão ou a pesca embarcada – afirmou Paulo Roberto, presidente da Associação União dos Pescadores de Jurujuba.
Cobrindo os rombos da quadrilha Cabral
Criado em 2007, pelo corrupto governo de Sérgio Cabral, o Inea tem a missão de proteger, conservar e recuperar o patrimônio ambiental do estado do Rio de Janeiro, e promover a agenda do desenvolvimento sustentável. Mas para os pescadores de Niterói a única coisa que o Inea tem feito é criar diversos obstáculos para a prática da pesca, e a exigência de uma carteirinha, cujo único objetivo parece ser arrecadar dinheiro para os falidos cofres públicos do velho Estado, é apenas mais uma delas.
Em matéria publicada em março deste ano no jornal “A Tribuna”, alguns pescadores reclamaram da arbitrariedade das ações do Inea. “Quando o cardume encosta nós temos que ir logo garantir o nosso trabalho. Agora se tivermos que passar por uma bateria de procedimentos para conseguir trabalhar, perdemos o peixe”. Outra reclamação foi sobre a própria qualidade da carteirinha exigida e da dificuldade em tirar uma segunda via: “Tem pescador com mais de 50 anos de profissão e que não tem mais a carteira. Parece que é algo para impedir o trabalho, a pessoa tem que perder um dia, ir ao órgão, pedir segunda via e depois voltar para pegar”.
Antes dessa invenção do Inea, a única carteira que formalizava a atividade dos pescadores artesanais no Brasil era a Carteira de Pescador Profissional, conhecida como carteira POP, oferecida pela Marinha do Brasil. Mas para que o pescador tenha direito a essa carteira, é necessário a sua participação no curso ministrado pela Marinha do Brasil, em parceria com as Capitanias dos Portos de cada região. Nesse curso, o pescador tem aulas de primeiros socorros, navegação, estabilidade, combate de incêndio, poluição, marinharia, entre outros. Após um mês de curso, os pescadores ficam habilitados a tirar a Caderneta de Inscrição e Registro (CIR), exigida pela Marinha para exercer a profissão de pescador em alto mar. Estima-se que em todo país exista mais de um milhão de pescadores artesanais, a maioria trabalhando de forma ilegal, e sem nenhuma proteção para exercer o seu trabalho. Assim, seria extremamente positiva a criação de programas e ações que desenvolvessem a pesca artesanal, pois ela é a que mais sofre com os impactos socioambientais provocados pelas políticas criminosas de subjugação nacional que atingiram, por exemplo, a indústria naval e a indústria petrolífera no Brasil. No entanto, não é isso o que acontece com a carteirinha do Inea…
Como não oferece nenhuma atividade para qualificação profissional em pesca, ou orientações sobre educação ambiental, saúde ou segurança, a carteirinha do Inea nada mais é do que um instrumento inventado pela quadrilha que comanda o velho Estado inventou para explorar ainda mais a população. Num estado em que os últimos quatro governadores estão presos ou acusados de estarem envolvidos em bilionários casos de corrupção, não é de se admirar o vergonhoso papel desempenhado pelo Inea, e a sua perseguição aos pescadores artesanais de Niterói.
Resistir é preciso
A pesca artesanal se baseia na estreita relação entre o homem, o mar e todo o ecossistema ao redor. Por isso essa relação naturalmente inclui grupos familiares e comunitários. E na comunidade costeira de Jurujuba não é diferente. Além de verem a sua comunidade sofrer com o descontrole habitacional característico das grandes cidades, fruto de políticas excludentes que há décadas criminaliza as camadas mais pobres da nossa população, os pescadores artesanais de Jurujuba agora são obrigados a superar os entraves colocados por diversas esferas de governo, para poderem exercer o seu trabalho. Algo que já vimos acontecer em outros setores da nossa sociedade, e que serve apenas para demonstrar a irreversível crise que atravessam os órgãos do velhoestado e todo seu aparato burocrático em nossas praias. Nem mesmo a intervenção militar no estado, cujo fracasso se amplia a cada dia, com sua política de guerra contra o povo, consegue calar a insatisfação da sociedade. E a comunidade pesqueira de Jurujuba é apenas mais um exemplo.