Pressionado pelo consulado do USA, Ministério Público do Rio de Janeiro abre processo criminal contra estudante mineira que participou de manifestação antiimperialista. Ao mesmo tempo, movimentos populares em todo o Brasil exigem fim do processo e denunciam a ingerência ianque no poder judiciário nacional.
A estudante Bárbara Flores teve o rosto queimado pela ação de policiais em manifestação do
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Num processo de caráter eminentemente político aberto pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em abril deste ano, a estudante mineira Bárbara de Almeida Flores, 22 anos, integrante do MEPR (Movimento Estudantil Popular Revolucionário), está sendo acusada de três crimes: formação de quadrilha, porte de material explosivo e depredação de patrimônio.
Em 29 de março de 2003, Bárbara e mais 80 estudantes (entre universitários e secundaristas) do Rio, Belo Horizonte, Montes Claros, Uberlândia e Goiânia participaram de uma manifestação antiimperialista na capital carioca, organizada em resposta a invasão do território do Iraque promovida pelo USA dias antes. Ao passar em frente ao consulado deste país, no centro da cidade, o grupo se deteve, gritando palavras-de-ordem contra o genocídio do povo iraquiano. O trânsito na região foi parcialmente interrompido e se formou um tumulto, provocado pela chegada da polícia militar e da guarda municipal, que imediatamente entraram em confronto com os manifestantes, reprimindo com violência o protesto.
Presa em manifestação antiimperialista
Segundo depoimentos, ao mesmo tempo em que isso ocorria, diversos populares — que haviam aderido ao ato durante seu transcorrer — atacavam a sede da representação diplomática do USA com pedras e coquetéis molotov, e procuravam apoiar os estudantes de todas as formas. Agências bancárias das proximidades e uma lanchonete McDonalds também foram atingidas. A PM, nesse mesmo instante, deu início a perseguição, espancamento e detenção de estudantes e transeuntes, transformando algumas das mais movimentadas ruas e avenidas do Rio em praças de guerra. Bárbara Flores, que teve o rosto queimado pela ação dos soldados que a prenderam — eles a atiraram sobre as chamas de um molotov — e mais quatro outros estudantes (Marcelo Ribeiro Siqueira, 24 anos; Pollyana Ladeia, 25; Maria Aparecida de Souza, 27, e o secundarista Jonathan C., 17) foram presos de forma truculenta, sendo levados para delegacias da cidade.
Ingerência ianque
Nas dependências da Polinter (Polícia Interestadual), quando os estudantes detidos ainda prestavam os depoimentos de praxe, o gerente do McDonalds atingido e membros do consulado norte-americano apareceram para registrar queixa contra os manifestantes e pressionar os órgãos de segurança do país. Depois disso, a atitude dos policiais em relação aos estudantes mudou completamente, “revelando uma verdadeira ingerência imperialista no país”, segundo afirmaram os próprios estudantes em diversas entrevistas veiculadas em jornais, rádios e TVs, à época. Ao invés de serem liberados rapidamente, como costuma acontecer em casos do mesmo tipo, os universitários mineiros permaneceram encarcerados por cinco dias — as mulheres na unidade prisional de Bangu 6 e Marcelo na própria sede da Polinter, dividindo a cela com mais 60 detentos.
Liberados na sexta-feira seguinte, dia 2 de abril, os estudantes retornaram a seus locais de origem, sempre denunciando em entrevistas e depoimentos o que viram e passaram nas cadeias cariocas. Semanas depois, qual não foi a surpresa de Bárbara Flores, uma das mais agredidas pela PM do Rio, ao ser notificada pelo Ministério Público mineiro de que corria contra ela um processo criminal, aberto pelo MP carioca.
Para a montagem do processo, as principais testemunhas ouvidas no caso são os próprios policiais militares que agrediram e prenderam os estudantes no Rio. E as provas existentes para a acusação contra Bárbara são um coquetel molotov apreendido no dia da manifestação (que não era portado por ela) e os depoimentos de soldados e funcionários do consulado do USA. Apesar do processo, até agora nada de concreto existe contra a estudante mineira, que só será ouvida em juízo no dia 25 de fevereiro de 2004, uma data bastante longínqua para processos desta natureza.
Movimentos populares exigem fim do processo
Uma verdadeira campanha de solidariedade vem se construindo em torno da luta dos estudantes antiimperialistas do MEPR. Diversas entidades estudantis e populares vêm se manifestando no sentido de exigir o fim imediato do processo contra Bárbara Flores. Corre em muitas escolas e universidades um abaixo-assinado que, os organizadores esperam, recolha 100 mil assinaturas e mobilize muitas pessoas contra esta ingerência imperialista nos assuntos internos do país.
Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia, Rio de Janeiro e Petrolina, em Pernambuco, são cidades em que já foram realizados debates em universidades sobre a situação da estudante Bárbara. Uma das principais palavras-de-ordem do MEPR, “Não seremos prisioneiros dos ianques em nosso próprio país!“, dá o caráter desses debates e da campanha que vem se organizando contra a ingerência ianque no país. Mesmo sob pressão, os estudantes não deixam de lutar.