Criado por um grupo de estudantes, em 1996, com o propósito de divulgar a cultura do Vale do Jequitinhonha através do teatro, o Ícaros do Vale fala do cotidiano do povo simples do lugar, utilizando-se do artesanato local para compor seus cenários e figurinos. Juntamente com o coral Araras Grandes, que nasceu a partir do grupo, o Ícaros tornou-se uma referência na região pela forma como trabalha a cultura popular.
Ícaros do Vale em dois momentos do espetáculo Maria Lira:
figurinos inspirados nas bonecas de D. Isabel, artesã do Vale do Jequitinhonha
— Desde que surgimos, ainda alunos do ensino médio, pesquisamos junto à comunidade os possíveis espetáculos, para que através dessa pesquisa fossem surgindo peças feitas sobre nós e para nós. Assim o grupo foi criando corpo, e já estamos no sétimo trabalho, sempre variando entre teatro de rua e palco — explica Luciano Silveira, diretor e ator do Ícaros.
— Estreamos com A filha que bateu na mãe sexta-feira da paixão e virou cachorra , um texto de cordel que falava da questão da religiosidade popular. Em 1998, montamos Olhos mansos , sobre a mortalidade infantil no Vale. Depois encenamos No caroço do Juá , falando de Minas Gerais, baseando-se nos causos de uma escritora da região — conta.
Para esse espetáculo o grupo convidou o compositor ‘da terra’ Josino Medina, que escreveu uma trilha sonora especial para a peça. Essa parceria consolidou o trabalho do grupo, que montou em seguida De mala e cuia .
— Apresentamos o espetáculo em 23 comunidades rurais por onde passa o rio Calhauzinho, falando de suas próprias vidas, fruto de uma pesquisa no local. Em 2003 remontamos Olhos mansos , desta vez usando a linguagem de Guimarães Rosa. O espetáculo que na primeira montagem era de rua, passou a ser de palco — diz Luciano, acrescentando que todos são gratuitos, e que todos os componentes do Ícaros e Araras têm outras profissões, incluindo ele, que é professor de História e teatro.
— Viajamos para 15 festivais de teatro no Brasil, e em todos ganhamos prêmios. Provavelmente ainda iremos remontá-lo outras vezes, porque cada vez que trabalhamos esse tema, novas informações aparecem, e uma nova forma de pensar essa situação da mortalidade infantil e a miséria no Jequitinhonha, como é divulgada — afirma.
Em 2006 o Ícaros desenvolveu uma oficina de iniciação teatral, destinada à rede estadual de ensino. Desta ficaram quinze adolescentes, que montaram História de pescador , baseado na obra de Dorival Caymi.
— Queríamos saber porque o Vale, uma região seca, tem tanto cântico que fala do mar. E descobrimos que é porque os canoeiros vieram da Bahia, trazendo as mercadorias todas através do rio, e também a sua cultura — explica.
Em 2006 o grupo falou sobre Maria Lira Marques, uma grande artesã do Jequitinhonha.
— Ela foi a primeira mulher a pesquisar a cultura daqui. ‘Maria Lira…’, contou a sua vida e através da sua história abordamos a situação das mulheres do Vale. Para dirigi-lo convidamos João das Neves — conta, acrescentando que com a peça representou Minas na III Mostra Latino Americana de Teatro de Grupo.
Como queriam continuar falando da situação da mulher, em 2009, pela primeira vez o grupo montou um espetáculo de fora, porém, adaptado dentro da realidade do Jequitinhonha.
— Escolhemos A mais forte, do irlandês August Strindberg. A peça é o primeiro monólogo montado no Vale, um outro tipo de teatro, para que o povo conheça. Por ser bem mais barato, circulamos muito com ele. E já iniciamos, em dezembro passado, as pesquisas para o espetáculo deste ano — avisa.
— Terra falará sobre reforma agrária, a luta pela terra por aqui e pelo país. Para isso estamos começando a visitar assentamentos e a recolher depoimentos. Normalmente os nossos espetáculos, principalmente de rua, tem participação do público, e neste pretendemos usar ainda mais esse recurso — acrescenta.
— Quanto à estrutura, trabalhamos sempre o artesanato do Vale como referência. Na ‘Maria Lira’, por exemplo, inspiramos todo o figurino nas bonecas de dona Isabel, de Santana do Araçuaí — continua.
O teatro cantado em coral
A partir do surgimento do Ícaros, no ano seguinte, nasceu o coral Araras Grandes.
— O Araras criou uma forma cênica musical de se apresentar. É uma mistura de música e teatro. Aos poucos foi formando seu repertório e atualmente tem tanta música que não dá nem para cantar tudo. Conta com 28 pessoas, a maioria populares, com idades variando de 12 a 60 anos, incluindo todos os componentes do Ícaros — diz Luciano, que também dirige o coral.
— Fomos pegando depoimentos de pessoas da região e montando shows temáticos a cada dois anos. Este ano, por exemplo, estamos trabalhando Na terra como no céu , falando sobre o costume que o pessoal daqui tem de esperar muito do governo, dessas bolsas auxílio, que acabam deixando as pessoas acomodadas — comenta.
— Tanto os espetáculos do Ícaros quanto o do Araras são críticos, procurando fazer as pessoas pensarem de forma transformadora. Acreditamos que através da cultura somos capazes conseguir isso, fazendo com que reflitam a situação em que vivem — acrescenta.
— A nossa região é muito rica culturalmente e também em minério e na agricultura, mas só falam da miséria que existe aqui, é o ‘vale da miséria’. E cremos que as pessoas daqui precisam ajudar a mudar isso — continua.
O Araras Grandes conseguiu gravar, em 2007, um cd reunindo 15 músicas de domínio público, a maioria de trabalhadores em sua labuta: as lavadeiras na beira do rio, o boiadeiro, o canoeiro; também festejos populares. E em 2009, juntamente com Ícaros, criou em Araçuaí o ‘Labirinto Cultural’, a casa de artes e ofício, sua sede.
Atualmente, além de nos reunirmos no local, estamos recebendo outros artistas para shows , apresentações diversas. O espaço propõe a valorização dos artistas do Jequitinhonha, e faz com que as pessoas da cidade tenham acesso a essa cultura que cremos ser verdadeira e popular — conclui Luciano Silveira.
Contatos para shows: www.onhas.com.br/icaros, tel. (33) 9139-2645 / (33)3731-3553.