Substituição de Márcio Pochman por Marcelo Neri na presidência do IPEA elimina último e frágil contraponto à hegemonia burocrático-financista no Executivo federal.
Marcelo Neri, na cerimônia de posse à frente do IPEA
Em mais um afago à imprensa mercantil monopolista, a senhora Roussef nomeou Marcelo Neri para a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), pondo fim ao interinato de Vanessa Petrelli e selando a vitória do ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Moreira Franco, na queda de braço travada, desde que assumira o cargo, em 2010, com Marcio Pochman, presidente do instituto de 2007 até julho deste ano.
A troca de Pochman por Neri significa a substituição de um intelectual respeitável, autor de valiosos estudos sobre a dimensão econômica do trabalho e da proteção social no Brasil, por alguém funcional aos interesses da alta finança e à destruição das garantias sociais da Constituição de 1988.
Representativa disso é a última discussão pública entre os dois, quando Pochman, ainda à frente do IPEA, desmontou a patranha de que uma “nova classe média” surgida das bondades do decênio petista constituiria, hoje, a maioria da população brasileira. Neri é um dos mentores dessa impostura, baseada no artifício de atribuir tal condição a qualquer pessoa com renda familiar entre R$ 291 e R$ 1.019 per capita, ainda que se trate de uma mãe solteira que sustente, com um salário mínimo, a si e a seu filho (R$ 622 ÷ 2 = R$ 311). Na edição extraordinária do Fórum Nacional programada para 19 e 20 de setembro, Neri falará sobre ela na condição de convidado especial.
Além de desconectados da realidade, esses critérios prestam-se à legitimação do arrocho e do desmanche de direitos relacionados ao trabalho e à Previdência. Afinal, se R$ 291 mensais situam uma pessoa na classe média e se quem ganha R$ 70 por mês não pode ser considerado extremamente pobre (outra invenção de Neri e de Ricardo Paes de Barros, assessor de Moreira Franco na SAE), para que aumentar salários e benefícios do INSS ou manter a equiparação entre aposentadoria mínima e salário mínimo?
O desfecho da sucessão no IPEA sela também a transição entre dois estilos de gerência do aparato estatal. Lula optou sempre por um equilibrismo sem equilíbrio: ao mesmo tempo em que entregava as chaves dos cofres do Estado a um assalariado do Bank Boston (Henrique Meirelles, Banco Central) e a um comensal da burguesia burocrática paulista (Luciano Coutinho, BNDES), mantinha à frente do IPEA – que não decide o destino de um único centavo – alguém sinceramente identificado com bandeiras de defesa e ampliação dos direitos das classes trabalhadoras. A senhora Roussef, uma burocrata por excelência, não concebe que sua gestão possa ter algum contraponto interno – nem mesmo decorativo.
Pochman terminou como todos os que, em algum momento, tentaram exercer cargos no governo petista de forma coerente com suas ideias de toda a vida. Não tendo poder para afetar os bilionários interesses contrariados por Carlos Lessa na presidência do BNDES ou por Waldir Pires no ministério da Defesa, durou mais tempo que os dois. Mas terminou igualmente substituído por um homem de confiança do Fórum Nacional após cinco anos sob fogo cerrado do monopólio Globo/Folha/Abril. E, também a exemplo deles, realizou uma gestão merecedora de reconhecimento pelo que impediu que se fizesse, mais que pelo que fez.
Pochman desmontou a trincheira construída pelo PDMC no IPEA para propagandear a contra-reforma da Seguridade Social. Para tanto, devolveu aos órgãos de origem quatro economistas que não integravam o quadro de pessoal do instituto. Um deles, Gervásio Rezende, sustentava inexistir trabalho escravo nos latifúndios brasileiros. Outro, Fabio Giambiagi, pregava que aposentadorias e pensões deveriam ser menores que o salário mínimo e tinha o hábito de publicar, com o timbre do IPEA, trabalhos em que apontava como necessidade inevitável a privatização do sistema previdenciário. Simultaneamente, trabalhava como consultor de bancos e corretoras interessados em abocanhar o dinheiro do INSS.
Condicionada pela correlação de forças interna ao governo, a gestão Pochman não foi capaz de organizar um núcleo de reflexão sobre esse tema a partir de uma perspectiva nacional, democrática e popular. O afastamento dos intelectuais orgânicos do setor financeiro (liberais) deu-se ao preço do reforço da posição de economistas afins à burguesia burocrática (conservadores), reproduzindo a configuração de poder existente no Instituto de Economia da Unicamp, origem de Pochman e vários de seus auxiliares. A diretoria de Estudos Sociais, à qual cabe o acompanhamento e análise da Seguridade Social, foi entregue a um desses personagens, desconhecedor do assunto e entusiasta da política de favorecimento aos monopólios, empreendida desde o BNDES pelo mesmo Luciano Coutinho que agraciou Giambiagi com um importante cargo de chefia após seu afastamento do IPEA.
Paulo Schilling, num de seus livros, relata, em tom autocrítico, o jogo duplo do governo JK, que publicava seus estudos em defesa da produção nacional de trigo e, ao mesmo tempo, a arruinava. Não se sabe se Pochman fará um dia avaliação similar de sua passagem pelo IPEA face ao contexto dos governos em que ela se deu. Mas, com todas as fraquezas de sua gestão, ele impediu, durante 5 anos, o uso da instituição como caixa de ressonância para o desmanche de garantias sociais – papel que, agora, ela voltará a cumprir.