No último dia de julho, Washington confessou ter feito o pagamento de US$30 milhões a um alcaguete como recompensa para denunciar o local onde se encontravam Qusay e Uday, filhos do presidente Saddam Hussein. Eles se encontravam no norte do Iraque e, tudo indica, foram torturados a ponto de ficarem inteiramente irreconhecíveis, depois, assassinados. O crime, perpetrado em represália à resistência e anunciado orgulhosamente pelo governo ianque, entretanto, não conseguiu deter o avanço da resistência iraquiana, enquanto as informações oficiais aproximavam para 150 o número de ianques abatidos.
Já o assassinato do microbiólogo David Dr. Kelly, que havia denunciado o ardil anglo-ianque de que o Iraque não dispunha de armas de destruição em massa, traz novos desdobramentos que continuam incriminando os governos inglês e ianque.
O USA retira 65 mil barris de petróleo por dia do Iraque.
A resistência ali é forte, tanto que o comandante ianque das forças terrestres, o general McKierman, anunciou que posicionaria tropas extras na região. Foi palco, em abril, de confronto entre as tropas invasoras e manifestantes iraquianos desarmados que protestavam contra a presença militar do USA. Três semanas depois da queda de Saddam Hussein, outra manifestação de protesto organizada pelos Irmãos Muçulmanos Iraquianos terminou também em matança. O grupo é de tendência fundamentalista moderada e de vocação pan-islâmica. Após o massacre, iraquianos ameaçavam ataques suicidas. No enterro das vítimas, entre as quais estavam crianças, o 1º Batalhão do 325º Regimento de Infantaria da 82ª Divisão US foi atacado com pedras. Um chefe tribal advertia: “Com seus crimes no Iraque os norte-americanos abriram as portas do inferno.”
Granadas e fuzis resistentes vitimam soldados da 101ª Divisão aerotransportada, atacada até mesmo em seus postos militares e no QG das tropas de ocupação, que registram derrubada de helicópteros US. O confronto não poupa blindados ianques, destruídos por mísseis antitanque. Franco-atiradores se encontram ali munidos com armas automáticas e lança-mísseis. Em 17 de julho, dia em que se comemorava, antes da invasão, a data maior da Pátria, manifestantes desafiavam o toque de recolher aos gritos de “com nosso coração, nosso sangue, nos sacrificaremos”. Na vizinha Ramadi, a noroeste de Bagdá, morteiros da resistência iraquiana vêm saudar a manhã de um domingo, com o incêndio do quartel das tropas ocupantes, depois de terem atacado, na madrugada, as tropas US que guardam a central elétrica de Fallujah e detido caravanas militares com explosão por detonadores a míssil RPG. Por lá não escapam os colaboracionistas das delegacias erguidas pela Administração Provisória: uma explosão de bomba acionada por controle remoto matou, em julho, sete policiais iraquianos.
Ao sul da capital, o centro histórico da civilização árabe e islâmica, no dia 8 de maio um franco-atirador mata soldado ianque da 3ª Divisão de Infantaria. “Ainda há ambiente perigoso no Iraque”, declarava, na ocasião, o general Tommy Franks, comandante norte americano da guerra. Em junho, a 1ª Divisão blindada ianque conta seus mortos na zona sul e sudoeste da capital. Mais tarde, próximo a Universidade, no centro e em plena luz do dia, outros militares são mortos. Um quando uma bomba caseira explodiu, dois outros em ataque com lança-granada, enquanto na primeira semana de julho, mais cinco soldados estadunidenses são feridos e blindados de transporte de tropas destruídos. O confronto atinge a zona norte, onde patrulhas ianques são confrontadas em Azamiya. A resistência na capital ataca no bairro de Al Mansour, na estrada que leva a Fallujah.
Desde o fim de maio, as forças paramilitares iraquianas vêm atacando comboios militares ianques. A ocupação ianque tem despertado vigoroso sentimento nacionalista e reafirmado ações armadas da resistência. Ianques e britânicos não esperavam por isso, não nessa região. Declararam, então, que ficarão no Iraque por tempo indeterminado. O anúncio produziu efeito devastador sobre a combatividade invasora, que assinala baixas em Samarra, a 125 Km de Bagdá e em Al-Quaim, pequena cidade e posto de controle, já na fronteira com a Síria.
O alvo é a 4ª Divisão de Infantaria US, cujos comboios vêm sendo atacados esporadicamente por míssil antitanque, até que, em 17 de julho, uma série de explosões de míssil balístico com granadas veio festejar o aniversário da chegada ao poder de Saddam Hussein, há 26 anos. Há, na região, bolsões de resistência formados por combatentes “leais a Saddam Hussein, dirigidos por membros da guarda republicana do extinto partido Baath”, segundo autoridades invasoras. A área, difícil para o combate devido à vegetação e aos acidentes do terreno entre planícies e montanhas, situa-se na bacia dos rios Tigre e Eufrates, e inclui regiões pantanosas e lacustres. Existe aí um grande projeto de barragem, que deveria chamar-se Saddam.
Nesse sítio, no começo de junho, com manobras “agressivas e letais”, denominadas Ataque à Península, as forças invasoras iniciavam a maior operação militar desde o “fim” da guerra. O objetivo, segundo o Comando Central do USA (Centcom), era “capturar ou liquidar elementos terroristas”. São mais de quatro mil soldados ianques, comandados pelo general McKierman, muitos deles pertencentes à unidades de elite, apoiados por caça-bombardeiros F-18. Três dias depois, unidades da 101ª Divisão Aerotransportada entravam em combate contra a resistência em uma península sobre o Rio Tigre, 150 Km ao norte de Bagdá, onde assaltaram um campo de treinamento. A operação península matou 113 iraquianos e 400, pelo menos, foram presos.
Ao fim de junho, explode o sexto oleoduto em duas semanas. Desta vez em Fatha, às margens do Tigre. O oleoduto danificado une a capital à cidade de Bayi. Em 12, do mesmo mês, o principal oleoduto que une o Iraque à Turquia foi explodido na altura de Bayi, entre Bagdá e Mossul, que fica a 400 Km da capital, perto da fronteira síria. Outras quatro explosões em oleodutos e gasodutos ocorreram por aí.
Milhares de iraquianos se manifestam pela saída das tropas britânicas e o fim da ocupação estrangeira. Najaf, 50 Km ao sul de Amarah e a 200 ao norte de Basrah, é uma cidade xiita, conservadora, como quase todo o sul e que foi palco de incidentes causados pelos métodos usados pela ocupação. Foi para protestar contra a intrusão à procura de armas que os iraquianos de Najaf se manifestaram aos milhares. Descontroladas, as forças britânicas atiraram balas de plástico e os fuzis Kalachnikov iraquianos ripostaram matando seis soldados e ferindo oito outros. Basrah, é bom lembrar, ainda hoje é um reduto anti Saddam Hussein.
Quem resiste?
O último balanço divulgado pelo Pentágono em 18 de abril sobre seus soldados mortos apontava 127 militares vitimados depois do 20 de março, início do conflito. Sobe hoje para mais de 80 o número de soldados ianques que perderam a vida depois do 1º de maio, quando Bush declarou terminada a guerra. Até meados de julho, os telegramas do Departamento de Defesa anunciaram aos pais a morte de 82 jovens militares. Desse modo, em novas circunstâncias, os iraquianos infligem a mesma perda que em tempo de conflito declarado da guerra do Golfo. O general Abizaid, de origem libanesa, que assume o Comando Central, já não sabe o que fazer a despeito de toda sua excelente formação militar em West Point: enviar mais reforços, substituir soldados ou utilizar diferentes tipos de tropas para o combate à resistência. O Pentágono estaria estudando recurso à Guarda Nacional e aos marines para substituir os 146 mil soldados, face ao descontentamento e ao cansaço de suas tropas. O moral delas vai mal. Por sua parte, Blair anunciou o envio de mais homens ao Iraque: Serão milhares de soldados, de “19 ou 20 países”, diz ele, que devem chegar para fazer face a uma situação de resistência reconhecida e julgada “grave”. Poloneses, os primeiros, já lá estão.
Há três grandes facções hostis às forças mobilizadas pela coalizão: os curdos, os xiitas e os muçulmanos sunitas. Uma das forças competindo por influência no país é o Conselho Supremo da Revolução Islâmica, com o apoio do Irã e cujo líder voltou após anos de exílio em Teerã. Outra dirige unidades paramilitares denominadas Fedaynes de Saddam. Sobre curdos, pouco se sabe.
Para o chefe da administração provisória, Bremer, “há claros indícios da existência de terroristas internacionais no país”. Bush é afirmativo: “há membros do grupo Ansar el Islan, associados à Al-Qaeda”. Mas, já sabemos, ele é mentiroso, ainda que um grupo que se diz ligado à Al-Qaeda tenha reivindicado, em Dubai, a autoria de ataques contra o exército de ocupação no Iraque.
O The Washington Post, em 22 de junho noticiava existir a rede chamada “Retorno”, criada por partidários de Saddam Hussein para recrutar combatentes estrangeiros responsáveis por muitas das ações armadas. Quatro mil deles, segundo autoridades colaboracionistas, teriam chegado ao destino antes de 9 abril – data comemorada pelos fascistas pelo que chamam queda de Bagdá. À maneira tradicional das organizações de guerrilha, a rede seria formada por grupos de 5 a 10 membros. Seus responsáveis, membros do Baath, a polícia secreta e os serviços de inteligência, mantêm conexões e os ataques quase diários às forças coligadas demonstram que os autores estão cada vez mais preparados.
A Organização para a Libertação do Iraque anunciou, fim de abril, o início de resistência armada, reivindicando a eliminação de mais de vinte soldados ianques. O grupo, chamado Combatentes Muçulmanos da Seita Vitoriosa, vem assumindo responsabilidade por inúmeros enfrentamentos. Outra organização recente é a das Brigadas da Resistência Iraquiana. Mais novo ainda, o conhecido Movimento da Jihad Iraquiana jura que multiplicará atentados.
Quando as ações da resistência se fizeram diárias, uma nova organização começou a assinar os ataques, é a Frente Comando Nacional Independente. O confronto urbano no país tornou-se realidade e o pesadelo americano parece não ter fim. Face à instabilidade na região, Bush volta suas armas para a África. No Iraque, a superpotência imperialista conseguiu ocupar o território. Jamais conseguirá controlá-lo.