Jirau: operários são sequestrados pelo Estado

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Jirau: operários são sequestrados pelo Estado

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A greve dos trabalhadores da Usina de Jirau acabou em 02 de abril. Mas as condições de trabalho dentro da obra ainda continuam precárias. Além disso, as empreiteiras que fazem parte do consórcio construtor da Usina e as empresas terceirizadas acumulam dívidas em Porto Velho e região.

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Audiência dos trabalhadores abandonados pela WPG no TRT, em Porto Velho, Rondônia

Apesar da propaganda da volta à normalidade em Jirau, nossa reportagem verificou in loco que a situação não é tão pacífica quanto o governo e o monopólio da imprensa tentam mostrar.

Durante todo o mês de abril, a Força Nacional de Segurança e a Polícia Militar continuaram dentro da usina. Segundo Paulo Marcelo Rodrigues, trabalhador da Camargo Correa e membro da comissão eleita para negociar com as empresas, o tratamento que recebiam da polícia continuou tão humilhante quanto antes da greve:

— A polícia continua na Usina e o trabalhador segue se sentindo constrangido. Os trabalhadores continuam sendo escoltados. Ali só tem gente querendo garantir o sustento da família. Qualquer ato ou movimentação pode desencadear uma repressão. Muitos funcionários foram espancados na portaria da empresa e fizeram boletins de ocorrência.

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Polícia Federal cerca prédio do TRT durante protesto dos trabalhadores

No fim de abril, a Agência Nacional de Energia Elétrica aprovou a antecipação em um mês para a entrada em operação das primeiras unidades da hidrelétrica, que deve começar em 1º de janeiro de 2013. Por mais que o consórcio construtor tenha afirmado que vai acelerar o ritmo de trabalho dentro da usina para garantir a conclusão das obras, o número de demissões na Usina é muito grande. A Carmargo Correa não revela o número de funcionários demitidos pela empresa e que se desligaram voluntariamente do canteiro de obras.

Enquanto nossa reportagem esteve em Porto Velho, verificou que vários trabalhadores continuavam vivendo em hotéis da capital e da região, já que os alojamentos queimados ao fim da greve, no dia 3 de abril, ainda não haviam sido refeitos. Por isso, uma parte deles também não comparecia ao canteiro de obras. A suposta volta “à normalidade” em Jirau era, na verdade, um retorno ao trabalho a passos bastante lentos.

Após vários dias de negociação com as empresas Energia Sustentável do Brasil e Camargo Correa — uma das empresas que fazem parte do consórcio construtor da obra — os trabalhadores conseguiram arrancar: 13% de aumento salarial e um aumento de R$50 na cesta básica, que passará de R$220 para R$270, a partir de maio. Mas ainda restam várias reivindicações: a saída da polícia do canteiro de obras, a melhoria do plano de saúde, etc.

Trabalhadores seqüestrados e incomunicáveis

Com o nome de “Operação Volcano” a polícia de Porto Velho montou uma mega-operação para prender 24 trabalhadores que participaram da greve em Jirau. Eles foram acusados pela empresa e pela policía de liderarem o grupo de trabalhadores que não aceitava o fim da paralisação e que supostamente teriam ateado fogo a uma parte dos alojamentos no dia 03 de abril. Após esse episódio, o velho Estado, através do Secretário da Presidência, Gilberto Carvalho, fez declarações criminalizando os operários e, junto com a empresa, exigiu uma caça às bruxas, com a apresentação dos “responsáveis” pelo “ato de vandalismo”.

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Polícia Federal cerca prédio do TRT durante protesto dos trabalhadores

A caçada prosseguiu com o sequestro dos operários em diferentes locais, como hotéis, e sua manutenção em cárcere privado, sem alimentação e incomunicáveis, por dois dias no interior do canteiro de obras. Apenas no dia 9 de abril a polícia apresentou os 11 operários juntos, com toda pompa e circustância, sob acusação de formação de quadrilha, dano ao patrimônio, etc. Soube-se depois que a alguns foi imputado o crime de tráfico de drogas e outras acusações infundadas, na clara tentativa de aumentar seu calvário pelo sistema prisional.

Eles foram levados para o presídio Urso Branco e permanecem presos no anexo “Pandinha”, na capital Porto Velho. O processo segue com o ministério público, que deverá oferecer denúncia contra os 24 acusados. Alguns dos encarcerados estavam incomunicáveis, sendo que Jhonata Lima Carvalho tinha paradeiro desconhecido. A reportagem de AND não conseguiu contato direto com os operários presos, mas no dia 2 de maio, quando encerrávamos a edição, conversamos por telefone com o advogado Ermógenes Jacinto de Souza, que representa alguns dos operários presos:

— Estive hoje no presídio e falei com todos os 11 operários. Eles estão muito abalados, sofrem muita pressão e receberam apelidos pejorativos dos policiais e carcereiros, como “vagabundos” e “comedores de calango”. Não tem colchões e dormem todos no cimento e não têm acesso a material de uso pessoal, de higiene e limpeza. As visitas não estão autorizadas e eles já estão presos há quase um mês sem notícias da família.

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Dez dos onze operários presos. No dia 9, todos foram para o presídio Urso Branco

Porém, há denúncias de que a Camargo Correia seria a principal interessada em um evento das proporções do incêndio no dia 3 de abril, porque receberia um seguro que pode chegar a R$ 1 bilhão. Nada mal para a empresa que já extrapolou todos os prazos para a construção e que praticamente dobrou o orçamento da obra através de aditivos contratuais exigidos e aceitos pela gerência Roussef. O valor estimado para conclusão da obra era de R$ 8,9 bilhões, mas atualmente está em mais de R$ 15 bilhões.

Caminhoneiros se levantam

A greve já havia acabado, mas os caminhoneiros que levam todo tipo de material para dentro da usina ameaçavam uma nova mobilização para exigir direitos. Os caminhoneiros permaneceram com os caminhões paralisados no pátio da empresa durante a greve dos operários, já que não podiam entrar para descarregar as mercadorias. Mas, após o fim da greve, ninguém quis assumir a responsabilidade:

As transportadoras não se manifestam, as empresas dizem que não tem nada a ver com isso. Uma empresa passa o problema para a outra e ninguém assume. A gente fez um protesto pacífico na frente da portaria para que alguém tome uma providência. Nós queremos que seja solucionado — explica Vantoir Gasparetto.

Segundo o caminhoneiro Rafael Robson de Oliveira, a situação é crítica:

— O nosso Sindicato já está tentando negociar e tem que resolver o problema porque nossas famílias já estão passando por necessidades. Tem 37 caminhões parados esperando uma solução.

A empresa solicitou que eles descarregassem  os caminhões, mesmo sem fazer o acerto pelos dias parados. Diante da recusa, chegou oferecer cerca de R$350 por dia. Os caminhoneiros recusaram a proposta e permaneciam mobilizados no pátio exterior da empresa. Mas na última semana de abril, os caminhoneiros foram surpreeendidos com uma liminar da justiça de Porto Velho que os obrigava a descarregar as mercadorias na usina.

Segundo o caminhoneiro Rafael Robson de Souza, que trabalha para a Ebmac, alguns caminhoneiros aceitaram a proposta da empresa de receber apenas R$9.500 pelos dias parados, descarregaram e já haviam saído de Jirau. Mas ele e outros companheiros continuavam em Jirau e precisariam se defender das acusações feitas no processo, já que não assinaram o acordo oferecido pela empresa. Até o fechamento dessa edição, eles ainda não haviam recebido nada pelos dias parados durante a greve dos operários.

WPG: continua a luta

Os que enfrentam a situação mais complicada são os ex-funcionários da WPG. Os oitenta trabalhadores permaneciam alojados em um hotel de Porto Velho, esperando o julgamento de uma ação judicial que exige o cumprimento dos direitos trabalhistas. No dia 27 de abril foi realizada a última audiência do caso. O juiz afirmou que o caso seria julgado no dia 03 de maio e não deu maiores informações.

Os trabalhadores começaram a solicitar o desligamento das empresas, mesmo sem saber se receberão os direitos devidos. O Sticcero (Sindicato dos trabalhadores na construção civil de Rondônia) prometeu arcar com os custos da viagem de volta para casa dos operários que não residem na região. Mas não concedeu nenhum outro tipo de auxílio aos 80 trabalhadores. A maioria deles não tinha nenhum centavo para custear a volta para casa. Segundo os operários, eles pediram o apoio do sindicato até a audiência de maio, mas o sindicato se negou e os deixou praticamente na rua.

Como AND noticiou na última edição, eles foram contratadas pela WPG e subcontratados pelas empresas Dominante e TPC. O proprietário da WPG desapareceu sem rescindir o contrato de trabalho e sem realizar o pagamento dos trabalhadores, fornecedores e empresas terceirizadas.

A situação dos trabalhadores era bastante crítica, pois recebiam apenas alojamento e alimentação, garantidos via decisão judicial que obrigava o Sticcero a garantir a estadia dos trabalhadores na capital. Sebastião Inácio da Silva, contratado pela TPC, conta que a maior preocupação dos trabalhadores era com suas famílias: 

Tem gente com mandado de prisão por dever pensão alimentícia. Mas a situação mais complicada é a dos trabalhadores que moram fora de Rondônia. Nós ainda estamos comendo, dormindo, o problema é a nossafamília que está passando necessidade.

Um dos trabalhadores havia trazido a família para Porto Velho, pois já não tinha como mantê-los no interior. No dia 11 de abril, o trabalhador Helvécio Elídio sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Segundo um médico que acompanhou nossa reportagem ao hospital, o AVC sofrido pelo trabalhador tinha ligações com a situação social em que ele vivia.  

Para os trabalhadores, o que estava emperrando o processo é o fato de haver duas ações tramitando, uma movida pelo Ministério Público do Trabalho e outra movida pelo Sticcero:

O Sindicato diz que não temos nenhum vínculo, mas nós estamos aí com as carteiras em aberto, sem saber o que fazemos da vida. Então, o Ministério Público entrou com uma ação, pedindo todos os direitos que são garantidos por lei aos trabalhadores: reconhecimento da continuidade do vínculo empregatício, indenização por danos morais e pedido de prisão para os diretores da Energia Sustentável conta Joel da Costa Correa, que trabalhava na WPG.

A reportagem de AND acompanhou uma audiência realizada pelo Tribunal Regional do Trabalho, em Porto Velho, entre os trabalhadores, o MPT, O Sticcero e a Energia Sutentável do Brasil. Como haviam duas ações tramitando, o juiz solicitou que os trabalhadores decidissem quem deveria representá-los: o MPT ou o sindicato. O advogado que representava o Sticcero avisou-os  de que se escolhessem o MPT como representante teriam a alimentação e alojamento cancelados. Mesmo assim, os trabalhadores optaram pela representação do MPT. Ao final da audiência, o juiz invalidou a votação por entender que prejudicaria os trabalhadores. A ação movida pelo Sindicato solicita o pagamento somente dos dias trabalhados em 2011. Já a ação do MPT-RO solicita o reconhecimento da continuidade do vínculo empregatício até a atualidade, uma vez que a empresa não deu baixa na carteira de trabalho de nenhum funcionário.

Os trabalhadores não perdoam a atuação do Sindicato:

O sindicato quer ver a gente longe, eles nem vem aqui. Nós estamos com medo de uma hora aí eles nos dizerem para sair do hotelrelata Ivanildo Ribeiro.

E a previsão de Ivanildo se confirmou no dia 27 de abril, quando o sindicato informou ao gerente do hotel que cancelaria o pagamento do alojamento e alimentação a partir do dia seguinte, após a audiência que julgaria o processo. Os operários estão na rua desde o dia 28. Alguns voltaram para seus estados de origem com a passagem fornecida pelo sindicato, mas sem nenhum centavo para se alimentarem durante a viagem. Até o dia 30 de abril, um grupo permanecia na entrada do hotel, com as malas feitas, mas sem dinheiro. Eles dizem que o sindicato não aceitou alojar nem mesmo uma pequena comissão que aguardará o julgamento da ação, marcado para dia 3 de maio.

Crise de representatividade

Com o fim da greve, o descontentamento com o Sticcero é maior entre os trabalhadores vinculados à WPG. Mas há vários relatos da falta de representatividade do sindicato junto à categoria durante a greve. Nos últimos dias da paralisação, os trabalhadores chegaram a expulsar o sindicato de uma assembleia. Procurado por nossa reportagem, o vice-presidente do Sticcero, Altair Donizete, deu sua própria versão para os fatos, culpando os trabalhadores:

Os trabalhadores aceitam sim o sindicato como representante da categoria. No interesse de retomar as negociações, você acaba pedindo demais para o trabalhador retornar ao trabalho e ele acha que o sindicato está do lado da empresa. Mas é isso mesmo, o trabalhador não entende o sistema sindical.

Não bastasse essa conduta dos sindicalistas junto aos trabalhadores, alguns diretores do sindicato e da CUT (que deslocou a direção nacional a Rondônia para acabar com a greve em Jirau) tentaram impedir o trabalho da reportagem de AND, ameaçando e intimidando a repórter numa reunião de negociação entre os trabalhadores e a empresa (veja vídeo no blog de AND).

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