Joel toca colorido, os outros em preto e branco

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Joel toca colorido, os outros em preto e branco

Compositor e bandolinista, conhecido como um dos maiores chorões em adividade, o carioca Joel Nascimento, 73 anos, nasceu e cresceu na Penha, célula maior do choro entre os subúrbios da Leopoldina. Participou do Camerata Carioca, tocou com Radamés Gnatalli, fundou o famoso bar Sovaco de Cobra, e apesar do sério problema auditivo, permanece compondo e tocando, sozinho ou com outros importantes artistas.

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— Minha infância foi muito boa, brincando de bola na rua, entre outras brincadeiras, andando livremente por aqui. Nunca fiquei doente, apesar de ser uma criança do subúrbio, onde não tinha esgoto. Contudo, se encontravam coisas muito boas por aqui: carne, frutos do mar, leite e seus derivados, hortaliças em geral, tudo fresco, algo difícil de se achar hoje em dia; isso tudo além de, é claro, muito choro – lembra Joel.

— A Penha era um reduto de chorões, afinal um bairro onde morou Pixinguinha não podia ser diferente. Inclusive, grandes compositores e músicos moraram nos subúrbios da Leopoldina. Tínhamos aqui um pátio enorme onde Pixinguinha, Jacob do Bandolim e muitos outros se reuniam para tocar – acrescenta.

— Também tinham aquelas bandas de choros, aqueles conjuntos fantásticos, além das festas juninas de rua, e um carnaval lindo, famoso mesmo. Em 1950, era copa do mundo no Brasil, e fizeram um carnaval espetacular na Penha, com muito perfume, confetes, serpentinas, uma coisa maravilhosa, que nunca esqueci – continua.

Influenciado por todo esse ambiente, Joel começou a estudar música ainda menino, aprendendo a compor através do choro. Logo depois, passou a fazer bailes e tocar em vários lugares. Mas o problema auditivo, surdez total do ouvido direito, era uma ameaça para sua carreira musical. Mas esse problema também foi enfrentado com mais música.

— Aos 22 anos de idade tive que interromper meus estudos de piano no Conservatório Brasileiro de Música. A essas alturas já tocava cavaquinho e violão, que aprendi sem professor, como autodidata. Parei com tudo, me formei em técnica radiológica, e passei a trabalhar em diversos hospitais daqui do Rio – conta Joel.

— Fiquei quase 10 anos sem a música, mas acabei voltando e me dedicando à carreira de bandolinista. Na verdade, costumo dizer que o bandolim foi uma espécie de acidente na minha vida: me deram um, comecei a tocar, disseram que eu tocava bem e estou aí até hoje – brinca.

— O problema auditivo continua atrapalhando bastante, principalmente na hora de compor. Mas estou na ativa, viajando, fazendo shows, trabalhando, me dedicando ao que gosto. Agora mesmo toquei em um festival – continua.

O velho Joel tem muitos discos gravados, participações em CDs de outros artistas e homenagens. Também obras registradas em partituras: A Flauta (para flauta e piano), Bangô, Caminhos, Cantilena e Contraste (todas para piano), e Congada do Sino (para bandolim e piano).

— Tenho essas obras comigo, porém ainda não editei. Considero-me um chorão autêntico, mas não radical, por não compor essencialmente choros. Claro que amo o choro. Ele é clássico e se mantém num alto patamar, renovando-se sempre – declara.

Amizades e muita música

Joel participou do famoso conjunto Camerata Carioca, e teve uma grande amizade com Radamés Gnatalli. Certa vez Radamés declarou: “Joel Nascimento toca colorido enquanto os outros tocam em preto e branco”.

— A época em que participei do Camerata Carioca, é a fase que considero auge na minha carreia, da minha história. Me orgulho muito de ter sido amigo de uma figura tão importante para a nossa música. Entre outras, Radamés me dedicou um concerto para bandolim e orquestra, e um trio para bandolim e dois violões – comenta.

O Camerata Carioca foi criado em 1979, por músicos de choro, com arranjos e direção musical de Radamés Gnatalli (piano), Joel Nascimento (bandolim), Raphael Rabello (violão de 7 cordas) e Maurício Carrilho (Vilão de 6 cordas), entre outros.

— Conheci Raphael e o Maurício ainda bem garotos. Também tenho conhecido e orientado outras gerações do choro, mais recentes que a deles. Tem gente que vem de outras cidades para pedir explicações quanto a música, e até fazer trabalhos. Recebi uma moça de Campinas, que veio buscar mais informações para o seu trabalho de doutorado – fala Joel, que também dá aulas de músicas.

— E o chorão de hoje continua sendo o mesmo de ontem, só que com muito mais estudo, porque já tem até choro na universidade. Contudo estão longe dos holofotes. Mas isso não altera o seu caminho e seus adeptos. Basta ver o filme Brasileirinho, no qual participo – continua.

No filme, Joel aparece diante da porta fechada do bar onde funcionava o lendário Sovaco de Cobra, décadas de 60/70, que fundou ao lado de seu irmão, Joyr Nascimento.

— O Sovaco foi um dos últimos redutos de choro da Penha, inclusive, conhecido internacionalmente. Aqui perto da minha casa, era um ponto de encontro da rapaziada. Eu tocava cavaquinho e meu irmão violão, e vinha chegando o pessoal. Meu irmão era um boêmio seresteiro e foi trazendo um monte de gente. O lugar ganhou nome, ficou famoso na cidade – conta.

— E foi aí que um ‘sabido’, um ex-policial, chegou aqui, e sem que ninguém percebesse, registrou, patenteou o nome Sovaco de Cobra e abriu bares. Imagina só. O pessoal aqui nunca tinha pensado nisso. Ninguém registrou nada, era uma coisa folclórica, patrimônio do povo, e aconteceu isso. É claro que o bar acabou – continua Joel, acrescentando que hoje tem uns poucos lugares que tocam choro na Penha.

— Mas o ‘esperto’ não teve o sucesso que imaginou. No começo o pessoal frequentava, porque não sabia. No Sovaco não era nada cobrado, era tudo feito naturalmente, e ele passou a cobrar. Também começou a botar algumas coisas que não tinham nada a ver, e o povo o abandonou – finaliza Joel Nascimento.

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