Jogos Olímpicos de 2016 – O que o Massacre de Tlatelolco tem a nos ensinar?

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Jogos Olímpicos de 2016 – O que o Massacre de Tlatelolco tem a nos ensinar?

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Em 1968 no México, há dez dias do início das Olimpíadas que ocorreriam na capital mexicana, tanques, metralhadoras e atiradores de elite cercaram a Praça das Três Culturas, em Tlatelolco, e abriram fogo contra a multidão. Mais de 300 pessoas foram covardemente assassinadas, alguns falam em mais de mil mortos, centenas foram espancados e foi imposto o terror contra os que ousavam protestar em meio aos Jogos Olímpicos.

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Grandes manifestações evocam os estudantes assassinados

A Matança de Tlatelolco, como o episódio ficou conhecido no México, pode nos dar uma importante lição sobre o que os governos são capazes de fazer para manter a aparência de controle social nos períodos que antecedem os Jogos Olímpicos ou outro evento internacional qualquer. A invasão das favelas cariocas com a justificativa de “pacificação” demonstrou o primeiro esforço nesse sentido. Como tropas de um exército inimigo, impuseram o terror, romperam com qualquer resquício de legalidade, invadiram casas, roubaram, extorquiram, destruíram. É claro, como sempre, “todos os mortos eram traficantes”. Tudo com o apoio incondicional da imprensa e da manipulação do sentimento de insegurança.

Esses ingredientes não faltaram em 1968: desrespeito aos direitos do povo por parte do Estado, massacre premeditado, terror de Estado e apoio incondicional da imprensa reacionária.

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O ano de 1968 foi um período emblemático para a geração que tinha por volta de 20 anos. Foi o ano das famosas rebeliões estudantis e operárias em diversos países pelo mundo afora. Foi um ano de radicalização do movimento negro nos Estados Unidos, de enormes protestos contra a Guerra do Vietnã e muito conhecido pela rebelião estudantil na França.

No México, os estudantes do Instituto Politécnico e da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) se rebelariam contra diversas medidas repressivas do governo mexicano, reclamariam liberdade política e procurariam utilizar a visibilidade que o México ganharia no mundo com os jogos olímpicos para protestar.

Foi formado um Comitê Nacional de Greve e várias universidades e escolas no país aderem à greve. A UNAM se transforma em centro da rebelião juvenil. Um estudante declararia no megafone: “UNAM, território libre de la America Latina!“. Muitos estudantes dormiam nas salas de aulas para não perder sequer uma assembleia. A universidade fervilhava. O auditório da UNAM seria rebatizado com o nome de Ernesto Che Guevara e diversos estudantes participariam de brigadas de panfletagem nas ruas, entre os operários e moradores de bairros populares.

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O governo reprimia os atos e mantinha presos os estudantes. Quanto mais o governo reprimia, mais volumosas se tornavam as manifestações.

A Matança de Tlatelolco.

02 de outubro, 18 horas. Dia e hora marcados para um protesto na Praça das Três Culturas, em Tlatelolco. Para reprimir o ato, o exército infiltrou atiradores de elite nos prédios que cercam a praça. Trezentos tanques foram mobilizados e helicópteros sobrevovaam a área.

Devido ao clima de repressão, um estudante anuncia o cancelamento do protesto. Já era tarde, às 18:10, fachos de luz sinalizadora verde são lançados de um helicóptero autorizando o massacre. Policiais infiltrados atiram em direção aos soldados, a fim de justificar o ataque, e em pouco tempo os estudantes estão cercados. Começa a saraivada de tiros. No início, imaginavam ser balas de festim, mas logo começam a cair os corpos, os tanques avançam sobre a multidão, uns correm sobre os outros, as tropas avançam e os que não são atingidos pelos atiradores, são espancados barbaramente.

O massacre não termina. Seguiria pela noite adentro, com mais espancamentos e invasões de apartamentos nos prédios que circundam a praça.

Muitos foram levados para a penitenciária de Lecumberri, outros tiveram de atravessar um corredor polonês de pontapés e socos, suas roupas são rasgadas, suas calças arriadas e outros simplesmente desaparecem.

No dia seguinte ninguém falava do massacre. Nada. Nem uma palavra nos jornais, nem uma denúncia.

Passados alguns dias, os jornais começariam a noticiar o ocorrido em Tlatelolco, mas à semelhança de muitos episódios de repressão brutal, as vítimas apareceriam como causadoras de suas mortes.  O jornal Novedades colocaria a seguinte manchete no dia 4 de outubro: “O exército mantém a tranquilidade e informa oficialmente 29 mortos. O senado condena a agitação e diz que existem nacionais e estrangeiros com propósitos antiamericanos e muito perigosos!”

Calados os estudantes, as Olimpíadas de 68 ficariam conhecidas pelo mundo como a Olimpíada Black Power, pelo protesto de atletas norte-americanos negros contra o racismo. Dois atletas negros eternizaram a imagem dos punhos cerrados, com luvas características do grupo revolucionário Panteras Negras, no pódio olímpico.

Poucos foram responsabilizados mais de 40 anos depois. Não se sabe ao certo o número de mortos e muita coisa ainda falta descobrir sobre os acontecimentos de 2 de outubro de 1968.

Foi construído um memorial e um monumento em homenagem às vítimas, mas o maior legado deixado pelos que lutaram em 1968 foi a manifestação que acontece todos os anos no dia 2 de outubro, data de rebeldia, de luto e de protesto popular no México.

2 de outubro não se esquece

Ao som de palavras de ordem “2 de octubre no se olvida!” (não se esquece, em português), milhares de mexicanos marcham por cerca de 3 quilômetros, indo de Tlatelolco até o Zócalo capitalino, em frente ao Palácio Nacional, sede do governo mexicano. A manifestação de 2 de outubro já chegou a reunir mais de 3 milhões de pessoas.

Nesse dia, os estudantes ficam mais ousados, escrevem mensagens rebeldes pelas ruas, os professores parecem mais orgulhosos da profissão, os eletricistas ostentam suas faixas e protestam contra as recentes privatizações. Os bravos camponeses trazem Zapata e Pancho Villa em suas faixas, relembram as conquistas e lutas, animando-se para as que virão.

 

No Brasil o Massacre de Tlatelolco é quase desconhecido, mas nos mostra o que as classes dominantes são capazes de fazer para passar ao mundo uma imagem de tranquilidade e controle social que garanta os gordos lucros que, olimpíadas, copas do mundo de futebol e outros eventos podem trazer.

Tlatelolco nos alerta que os massacres, as repressões e o desrespeito aos direitos do povo, que ocorreram recentemente sob o nome de “pacificação” no Rio de Janeiro, é somente o início do que virá.

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* Felipe Deveza é doutor em História pela UFRJ.

 

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