José Duarte: um maquinista da história

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José Duarte: um maquinista da história

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Luiz Momesso, autor de José Duarte: um maquinista da história

“A Rádio Tirana, em sua transmissão de ontem, deu uma notícia que deixou a todos muito tristes. Foi preso em Salvador o camarada José Duarte. Trata-se de um autêntico revolucionário, um ferroviário valente e o mais antigo militante do Partido. Deve estar sendo barbaramente torturado em São Paulo, para onde foi enviado. Mas nada dirá. É homem que não se verga. Preso e espancado inúmeras vezes no passado, sempre se portou com honra e altivez, jamais capitulando. É fervoroso partidário da luta armada e deve estar exultando com a resistência no Sul do Pará. Os guerrilheiros do Araguaia prestam sua homenagem ao velho lutador proletário.” (8 de dezembro de 1972 – Diário de Maurício Grabois)

As palavras registradas no diário do comandante das Forças Guerrilheiras do Araguaia se cumpriram integralmente. José Duarte, preso em Salvador, foi “barbaramente torturado”, mas nada disse. Aos 65 anos, Duarte mais uma vez derrotaria a tortura. Nas dependências da famigerada Operação Bandeirantes, em São Paulo, declamou para seus companheiros um poema de sua autoria enaltecendo a luta guerrilheira do Araguaia: O Sul do Pará é o Norte para os brasileiros.

Maurício Grabois, aos 60 anos, comandava a mais importante experiência de luta armada dirigida pelos comunistas em nosso país. Morreu em combate na selva amazônica, em dezembro de 1973, em circunstâncias ainda desconhecidas. José Duarte sobreviveu à tortura. Assim que saiu da prisão mergulhou na clandestinidade e seguiu a luta incansável contra o sistema capitalista e o regime militar.

Grabois tornou-se mais conhecido pelo destacado papel de direção no movimento comunista internacional e nacional, mas falta a este grande revolucionário uma biografia à altura de sua saga. José Duarte, ao contrário, apesar de menos conhecido pelas novas gerações, tem na obra de Luiz Momesso um retrato preciso de sua vida extraordinária.

José Duarte: um maquinista da história, publicado em 1988, está sendo reeditado pela Editora 8 de Março. O jornal A Nova Democracia teve o prazer de conversar com o autor, em sua sala no Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.

A história de um maquinista

José Duarte, “o mais antigo militante do Partido” militou na causa comunista até o fim de sua vida, no início dos anos 90. Nestes quase 70 anos de luta revolucionária participou ativamente da luta de classes no Brasil e da luta de linhas no interior do Partido Comunista do Brasil, como uma destacada liderança de massas, um disciplinado organizador e incansável propagandista. Em sua larga trajetória foi preso trinta e seis vezes, totalizando quase dezessete anos de encarceramento. A repressão, no entanto, nunca abalou sua convicção na revolução e no povo.

A vida deste militante revolucionário se confunde com a história dos principais acontecimentos políticos de nosso país, sua trajetória revolucionária é um verdadeiro índice da luta de classes em nossa pátria. Luiz Momesso afirma na apresentação da 1ª edição do livro: “Há fatos sobre a vida de pessoas que se assemelham mais à ficção que à realidade. É o caso da vida deste homem que mais parece um romance de ficção ou lendário”. De fato, esta é a sensação de quem conhece a história deste grande revolucionário nascido em Portugal, que ainda criança, com apenas 10 anos de idade, acompanhando o pai, deu sua contribuição infantil à greve geral que parou São Paulo em 1917.  Alguns anos depois, já como ferroviário em Bauru ingressou no partido no 1º de maio de 1924.

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No início de sua militância, Duarte se destaca como um destemido líder operário, ativo defensor dos direitos dos trabalhadores. Lidera a formação do sindicato na ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) e encabeça a greve de 1934 exigindo a redução da jornada de trabalho. Foi um corajoso lutador contra o regime fascista de Vargas e como liderança sindical enfrentou as tentativas estatais de intervenção e controle dos sindicatos, sendo por isso preso diversas vezes.

Propagandista revolucionário

Profundo conhecedor das massas trabalhadoras, Zé Duarte conseguia, de forma ousada e criativa, transmitir o programa do Partido de maneira clara e acessível. Em 1945, nas comemorações da derrota do nazifascismo, participou do rebatismo da Praça Tietê, em São Paulo, como Praça Stalin, enfeitada com uma estátua de 400 kg do marechal que comandou a URSS na vitória sobre a Alemanha hitlerista na II Guerra Mundial.

Duarte sempre criava formas de atrair as massas para a propaganda revolucionária. Em certa ocasião, num comando de venda do jornal do partido, A Classe Operária, um camarada levou um galo aleijado com três pernas. Enquanto a multidão se aglomerava para ver o galo, Duarte fazia a agitação revolucionária. Naquele dia foram vendidos quase 9 mil exemplares.

Organizador disciplinado e firme

Zé Duarte também se destacou como um dedicado dirigente partidário, honesto e fiel aos princípios do marxismo-leninismo. Em 1942, enquanto se encontrava preso em Ilha Grande, assistiu a visita de uma comitiva de deputados ianques, que vinha ao Brasil em apoio à luta pela anistia dos presos políticos do Estado Novo de Vargas.

Nesta comitiva, apesar de não ser deputado, participou o revisionista Earl Browder, secretário-geral do PC do USA, que defendeu sua tese de dissolução dos partidos comunistas sob o pretexto de facilitar a ampliação da frente antifascista. Zé Duarte foi um dos poucos presos políticos que se posicionou contra a posição liquidacionista de Browder, que foi então apoiada por dirigentes de peso como Carlos Marighela e Joaquim da Câmara Ferreira.

Luta contra o revisionismo

Em sua trajetória de militante comunista participou ativamente na luta interna no partido comunista, combatendo o revisionismo e defendendo a essência revolucionária do marxismo. Por conta de suas posições, por duas vezes foi afastado da direção do partido, em 1960 por Luis Carlos Prestes e em 1988 por João Amazonas.

Em 60, Prestes foi pessoalmente ao diretório do PCB do Tatuapé propor o afastamento de Duarte da direção, que não aceitava a posição defendida na Declaração de Março de 58, na qual a direção do PCB, em adequação às resoluções do XX Congresso do PCUS, defendia a via eleitoral como caminho para transformação da sociedade. A proposta de Prestes não foi aceita pelo diretório do Tatuapé. Em 1961, Duarte foi signatário da Carta dos 100* e no ano seguinte participa da Conferência Extraordinária de reconstrução do partido.

No fim dos anos 70, ao sair da prisão se contrapôs a direção de Amazonas, que desde a Albânia defendia a estratégia de “fingir-se de morto” para sobreviver ao regime militar. Duarte, ao contrário, propunha uma luta ativa para derrotar o regime militar, tendo reestruturado o partido na cidade de São Paulo. Com o retorno de Amazonas do exílio, em 79, a ação de Duarte começa a ser boicotada pela direção do PCdoB. Duarte criticava a linha eleitoral do PCdoB, a tendência exclusivista no movimento sindical e levantava muitas dúvidas sobre João Amazonas: “Como um dirigente como ele, em todo este tempo de militância nunca foi preso?”.

Diversas pessoas próximas a Duarte foram expulsas do PCdoB, diante desta situação ele pediu afastamento da direção por não confiar em seus dirigentes. João Amazonas, a propósito, entendeu isto como um afastamento do partido e comunicou sua expulsão aos 81 anos. No 1º de maio de 88, Zé Duarte publica uma carta direcionada “aos comunistas e ao povo brasileiro” onde desmascara a direção revisionista de Amazonas: “O Partido não tem dono. Pertence à classe operária e ela saberá reconstruí-lo”. Palavras proféticas de um bravo combatente do povo brasileiro, que no final da vida encontrou forças para travar sua derradeira batalha ideológica.

Uma máquina de contar história

José Duarte: um maquinista da história é um livro que carrega um claro objetivo: levar a saga deste brasileiro, como parte da saga de todos os brasileiros, para as massas trabalhadoras. Capítulos e frases curtas de uma história longa reunida em pouco mais de 200 páginas. Nele há um balanço histórico, um balanço ideológico profundo, que engata na locomotiva deste ferroviário e leva o leitor ao interior paulista, ao presídio de Fernando de Noronha, à zona leste de São Paulo, ao Ceará, às masmorras do regime militar.

O Professor Luiz Momesso, está longe de ser o típico doutor e professor universitário. Já próximo de se aposentar da cátedra, guarda um porte esguio, cabelos pretos e uma voz baixa e firme. Mas o que mais chama a atenção em sua figura são as mãos nada acadêmicas. Mãos grandes e fortes, de gente trabalhadora. Momesso nasceu em Taiaçu, interior paulista. De origem camponesa, tornou-se operário nos anos 60, trabalhando como ajudante geral na Philips e como eletricista na Aço Vilares. Orgulha-se de ter sido anistiado como “eletricista de manutenção”.

Muitos foram os caminhos que levaram Luiz Momesso a José Duarte. No início dos anos 70, os dois encontravam-se no Ceará construindo a resistência armada ao regime militar. Duarte no PCdoB, Momesso na APML. Mas não foi nas terras nordestinas que os dois se conheceram. Também, não foi nas dependências do DOPS-SP, onde ambos foram torturados, que tiveram a oportunidade de travar conhecimento. Será no final dos 70, que os dois se conhecerão. Libertados das masmorras do regime militar trabalharão juntos no movimento contra a carestia e depois na mesma organização: o PCdoB.

Luiz Momesso iniciou sua militância na Ação Popular, foi preso em 68 quando panfletava na greve de Osasco, mas logo foi solto. Caiu na clandestinidade e foi deslocado para o nordeste. Foi preso na região do Cariri, Ceará, quando fazia trabalho de investigação para área de guerrilha. A reação conhecia pouco de sua história, foi levado para São Paulo pelo famigerado delegado Fleury na tentativa de arrancar informações. Nada conseguiram.

Após a sua libertação, se instalou com sua companheira, Socorro Abreu, também militante da APML, na cidade do Recife, sobrevivendo do artesanato. Com a avaliação da impossibilidade de seguir a resistência armada naquele momento, mudam-se para São Paulo no intuito de organizar o trabalho operário. Os dois entram para o PCdoB e atuam muito próximos a José Duarte. Em 1988, Momesso então na direção distrital do PCdoB na Penha, também será expulso desse partido, por razões semelhantes às de Zé Duarte.

Hoje, Momesso coordena o Núcleo de Documentação dos Movimentos Sociais da UFPE. Encarou e encara a publicação de biografias dos revolucionários como um dever. Preocupado em transmitir a história de Duarte, no início dos anos 80, propôs a José a publicação de um livro que relatasse a sua vida, ao que Duarte respondeu: “autobiografia me cheira a autopromoção. Eu dou os depoimentos que vocês acharem necessário e vocês realizem aí algumas pesquisas, façam o que acharem importante.”

Anos de pesquisas, entrevistas e viagens ao interior de São Paulo, muito trabalho e o livro ficou pronto. Segundo o autor, o elogio que mais o contentou foi dos velhos conhecidos de José, que diziam: “Ficou a cara do Duarte”.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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