Os operadores do Direito, abaixo assinados, vêm a público reafirmar a necessidade da realização de um profundo processo de reforma agrária no Brasil, como forma de minimizar a miséria e o sofrimento dos trabalhadores rurais sem terra e de democratizar o acesso da população do campo aos meios de produção e à riqueza nacional. A Constituição Federal, no seu artigo 184, impõe ao Presidente da República a obrigação de desapropriar as terras que não estiverem cumprindo sua função social. Elas devem ser destinadas à reforma agrária.
Para cumprir a função social da propriedade da terra, o proprietário está obrigado a aproveitá-la de modo racional e adequado, a cumprir obrigações trabalhistas, a preservar o meio ambiente e a explorar a terra de maneira a favorecer o bem estar dos proprietários e trabalhadores (artigo 168 da Constituição Federal). A sociedade brasileira exige o cumprimento dessas obrigações.
Em que pese a urgente necessidade da sua realização, a reforma agrária sempre foi postergada pelas pressões espúrias de forças conservadoras. Sua necessidade, contudo, é de tal monta que ela sempre volta à agenda política do país, como está acontecendo agora. Isto se deve, em grande medida, à legítima pressão que os trabalhadores rurais sem terra vêm exercendo sobre o governo e sobre toda a sociedade, através de uma atuação organizada e disciplinada, e também — por que não dizê-lo? — através das ocupações pacíficas de propriedades que mantém as terras ociosas sub-exploradas, mal exploradas, em afrontoso descumprimento do preceito constitucional.
Em decisão paradigmática, prolatada em hora oportuna, o Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência sobre a necessidade de distinguir uma forma legítima de pressão democrática com qualquer tipo de figura delituosa: “A conduta do agente do esbulho possessório é substancialmente distinta da conduta da pessoa com interesse na reforma agrária.” (HC 4.399-SP)
Em outro aresto, também paradigmático, o mesmo Superior Tribunal de Justiça decidiu: “… Movimento popular visando a implantar a reforma agrária não caracteriza crime contra o patrimônio. Configura direito coletivo, expressão da cidadania, visando a implantar programa constante da Constituição da República. A pressão popular é própria do Estado de Direito Democrático.” (HC 5.574 – SP)
E para firmar ainda mais, na consciência jurídica dos nossos operadores do Direito o direito dos trabalhadores do campo à terra, o Superior Tribunal de Justiça decretou: “A manutenção de líderes do Movimento dos trabalhadores Rurais Sem-Terra — MST — sob custódia processual, sob a acusação de formação de quadrilha, desobediência e esbulho possessório afronta o preceito inscrito no art. 5º, LXVI da Constituição.” (HC 9.896 – PR)
Os signatários deste manifesto — juízes, promotores de justiça, advogados, professores de direito — esperam que essa jurisprudência, calcada no melhor Direito e na verdadeira Justiça, seja mantida.
Assinaturas:
Afonso Henrique de Miranda
Procurador de Justiça no Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Alberto Silva Franco
Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Antônio Aurélio Santos
Promotor de Justiça em Minas Gerais
Antonio Maffezolli
Procurador do Estado de São Paulo
Bertoldo Mateus de Oliveira Filho
Procurador de Justiça do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Darci Frigo
Advogado, membro da RENAP e da Terra de Direitos
Dyrceu Aguiar Dias Cintra Júnior
Juiz do Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, membro da Associação Juízes para a Democracia
Eros Roberto Grau
Advogado e Professor da USP
Fabio Konder Comparato
Advogado e Professor Universitário na USP
Flávia Piovesan
Procuradora do Estado de São Paulo e Professora de Direito Constitucional na PUC/SP
Hélio Bicudo
Advogado, Jornalista, Ex-Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, Presidente da Comissão Municipal de Direitos Humanos de São Paulo
Jacques Távora Alfonsin
Advogado, Professor de Direito da UNISINOS/RS
João José Sady
Advogado, Professor de Direito, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP
José Carlos Garcia
Juiz Federal de Niterói/RJ
José Damião de Lima Trindade
Procurador do Estado de São Paulo, Presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo
Juvelino Strozake
Advogado, Membro da RE NAP, Professor de Direito
Kenarik Boujukian Felippe
Juíza de Direito em São Paulo
Luiz Antonio Sasdelli Prudente
Promotor de Justiça em Minas Gerais
Luiz Edson Fachin
Advogado, Professor de Direito na PUC/PR e na Escola de Magistratura do Estado do Paraná
Luiz Eduardo Greenhalgh
Advogado, Deputado Federal e Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara dos Deputados Federais
Marcelo de Aquino
Procurador do Estado de São Paulo, Secretário Geral do Sindicato dos Procuradores do Estado de São Paulo
Marcelo Lavenére Machado
Advogado em Brasília, Ex-Presidente da OAB, Professor de Direito da UNB
Marcelo Sotelo Felippe
Ex-Procurador Geral do Estado de São Paulo
Maria Inês Rodrigues de Souza
Promotora de Justiça em Minas Gerais
Nilo Batista
Advogado, Professor Titular de Direito Penal na Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Plínio de Arruda Sampaio
Advogado, Ex-Deputado Constituinte, Consultor da FAO para a Agricultura
Sergio Mazina Martins
Juiz de Direito, Professor de Direito Penal, Conselheiro da Associação Juízes para a Democracia, Diretor do IBCerim
Sergio Salomão Shecaira
Advogado, Professor de Direito Penal da USP
Sueli Aparecida Bellato
Advogada e religiosa
Vitore André Zílio Maximiano
Procurador de Estado de São Paulo