Juros e “reforma” da Previdência

Juros e “reforma” da Previdência

Que têm a ver os juros da dívida pública com o deficit da Previdência? Tudo. A conta de juros em 2002 é quase três vezes maior do que a confessada pelo Banco Central (R$ 113,9 bilhões) e no Orçamento da União, “Encargos financeiros” (R$ 108,4 bilhões). Esses encargos passaram de R$ 300 bilhões. Como entender a incrível diferença de R$ 200 bilhões? Houve desvio de verbas da seguridade, e de outras contribuições sociais, para pagar juros.

Documento da Secretaria do Tesouro Nacional comprova que os encargos da dívida interna mobiliária do TN foram 45% em 2002, média na qual pesou a desvalorização cambial e a existência de mais de 40% de títulos indexados ao dólar. Alguns o são ao IGP-M. Conforme o Boletim do BACEN, o valor médio, em 2002, do estoque de títulos do Tesouro no mercado, foi de R$ 539,4 bilhões – 45% disso significam R$ 242,9 bilhões. Há ainda os títulos do Banco Central, cujo saldo médio de R$ 100 bilhões, a 25% aa., resulta em R$ 25 bilhões. Isso eleva os juros da dívida mobiliária interna para R$ 267,9 bilhões.

Na dívida externa, somando a do “setor público não financeiro” (US$ 106,7 bilhões em novembro de 2002) e parte da do “setor financeiro privado e público”, os juros correspondem a, no mínimo, 60% da total: US$ 9,2 bilhões. Ao câmbio de R$ 3,00 por dólar, R$ 27,6 bilhões. Isso eleva para R$ 295,5 bilhões os juros da dívida externa e da mobiliária interna.

Note-se que não incluí as dívidas: a) contratual securitizada, cujo saldo era R$ 16,2 bilhões, em março de 2002; b) outras contratuais; c) depósitos compulsórios; d) depósitos de poupança; e) FGTS; f) FAT. Nem a carteira de títulos do TN no BACEN. Ainda assim, encontrei R$ 295,5 bilhões de encargos. Estarrecedor, pois os R$ 113,9 bilhões admitidos pelo BACEN já causam horror. Que crédito, pois, merecem os dados propalados sobre o suposto deficit da Previdência?


A conta de juros em 2002 é quase três vezes maior
do que a confessada pelo Banco Central e no Orçamento da União


Considerando o prejuízo do Banco Central, de R$ 17,2 bilhões em 2002, os encargos financeiros da União chegam R$ 312,7 bilhões. O prejuízo do BACEN decorreu, em parte, de swaps de câmbio, por ele transado para tentar deter a desvalorização do real, dando lucros a bancos privados e estrangeiros. As improdutivas despesas financeiras levam ao inexorável subdesenvolvimento. R$ 312,7 bilhões são 84,8% das receitas da União (R$ 368,9 bilhões) e 131% de suas receitas fiscais (238,1 bilhões). Mesmo adicionando as receitas dos Estados e dos Municípios, os encargos consomem 68,4% do total.

O desvio de verbas é inconstitucional. Não obstante, por medidas provisórias e na Lei Orçamentária, a Administração colonial obteve a desvinculação das receitas da União (DRU). As contribuições foram aumentadas, não para servir a suas finalidades, mas a fim de arranjar recursos para pagar juros, como documentam estudos das Associações dos Auditores Fiscais da Receita Federal e da Previdência, baseados em dados oficiais. O mesmo houve com a CPMF, criada para atender à saúde. O projeto de “reforma” da previdência é a continuação dessa política, comandada pelo FMI e seus mentores do “mercado”, os que destroem a economia e o mercado brasileiro.

Só uma auditoria poderia dizer porque as estatísticas não mostram grande aumento da dívida de 2001 para 2002, com a capitalização de encargos, tal o seu vulto. Outra lei colonialista, a de “Responsabilidade Fiscal” (LRF), obriga o setor público a cortar gastos quando faltam recursos para as despesas financeiras. Mas, mesmo assim, há rombos, em parte cobertos por emissões e pela colocação de títulos do Tesouro Nacional na carteira do BACEN. A auditoria é necessária também para verificar o montante dos juros pagos pelo TN ao BACEN, pois, seu prejuízo, excluída a receita com títulos, pode ser bem maior que os R$ 17,2 bilhões acusados em seu balanço. A carteira do BACEN cresceu de R$ 21,7 bilhões, no final de 1996, para R$ 202,8 bilhões em 2002.


O desvio de verbas é inconstitucional.
Não obstante, por medidas provisórias e na Lei Orçamentária,
a Administração colonial obteve a desvinculação das receitas da União


Ainda que a dívida tenha aumentado, em 2002, a ritmo menor do que de 1994 a 2001, a União se exauriu, como acontecia antes. Com a ditadura dos juros altos, a exaustão se dá de um modo ou de outro, e se estende à economia como um todo, pelo efeito combinado de: 1) queda da renda disponível, dada a elevação dos tributos; 2) míngua dos investimentos.

A política econômica tem feito no Brasil o que os mísseis fizeram no Iraque. O orçamento da União previa, para investimento, 3% das receitas, mísero percentual que cairá ainda mais, por obra dos cortes feitos pelo PMD (Palocci, Meirelles ou Mantega e Dirceu), para aumentar o superavit primário. Traduzindo, para pagar juros, a mando do FMI. “Reforma” tornou-se sinônimo de pilhagem. De há muito, os contribuintes da Previdência são sacrificados. Já se estrangulou além do tolerável a demanda agregada. Com as “reformas” perdem mercado os empresários brasileiros que ainda labutam, massacrados por juros extorsivos (de 120% e mais) e por contribuições sociais (COFINs e outras) cujos recursos são desviados para o Caixa Único do Tesouro.

Resultado: mais desemprego. Este e os salários reais em queda é que têm feito estagnar as receitas da previdência pública. Ainda assim, ela não tem deficit , apesar de o País, nestes 30 anos, por causa do modelo econômico, ter crescido quinze vezes menos do que seu potencial lhe permite (Em 30 anos, crescimento de 10% aa. faz multiplicar por 17,4 o valor do ano base).


*Adriano Benayon, Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo, Alemanha. Autor de Globalização versus Desenvolvimento. [email protected].
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