I. Juros
1 Fez-se grande alarde da suposta pressão da presidente para que os bancos reduzissem um pouco as taxas de juros, acompanhando as baixas recentes na taxa SELIC, determinadas pelo Banco Central para os títulos do Tesouro Nacional.
2 Houve polêmica, com alguns enaltecendo a iniciativa governamental, e a grande mídia veiculando, junto com os usuais economistas a serviço dos bancos, as tradicionais advertências de que seria perigoso diminuir as taxas de juros. Na essência, tudo não passou de teatro.
3 O fato é que os juros praticados no Brasil são os mais usurários do Planeta, e as finanças da grande maioria dos brasileiros vai mal, pois os devedores perdem, cada vez mais, a capacidade de quitar as prestações.
4 Em suma, atuais taxas de juros são incompatíveis com a manutenção do volume do crédito no País. Ou seja: se elas não baixarem, grande número de pessoas físicas e empresas não-oligopolistas não mais terão condições de tomar crédito, e os bancos verão cair muito seu volume de negócios.
5 Ademais, os bancos foram compensados pelo BACEN com a diminuição dos depósitos compulsórios sobre os depósitos a prazo. Além disso, o BACEN permite-lhes elevar em 10% (R$ 18 bilhões) o volume de seus financiamentos de automóveis e veículos comerciais leves.
6 Assim, o governo prossegue privilegiando dois dos setores poderosos, ambos controlados por grupos concentradores, o dos bancos – em que a participação estrangeira segue crescendo – e transnacionais estrangeiras montadoras de veículos.
7 O governo petista continua favorecendo essas montadoras com repetidas baixas e isenções de impostos, como voltou a fazer, há pouco. Parece querer, de qualquer maneira, fazer com que essas transnacionais prossigam remetendo ao exterior lucros oficiais (sem falar nos disfarçados) em montantes recordes, o último dos quais foram os US$ 5,58 bilhões em 2011, com aumento de 36,1% em relação a 2010.
8 Estimula, de todos os modos, a compra de automóveis, enquanto a infra-estrutura de transportes públicos urbanos é cada vez mais insatisfatória, as rodovias também se deterioram e inexistem transportes ferroviários e aquaviários. Desse jeito, os veículos automotores, sonho de consumo, se atravancam nas vias urbanas e, quando chegam ao destino, começa o sofrimento para estacionar, acompanhado de tarifas extorsivas.
9 Com efeito, como temos demonstrado em vários artigos, as transnacionais e uns poucos grandes grupos locais, em geral associados a elas, comandam a política econômica do Brasil, há muitos decênios. Isso é verdade tanto em relação à chamada economia produtiva, como no que se refere à financeira, como ilustram, entre outros, estes instrumentos destinados a assegurar que a economia brasileira seja sangrada em favor de banqueiros estrangeiros e locais:
a) juros reais elevados;
b) prioridade a alocar recursos para o “superávit primário”;
c) a emenda constitucional da Desvinculação das Receitas da União (DRU), pela qual se desviam vultosíssimos recursos tributários, inclusive os da seguridade social, para o serviço da dívida;
d) a Lei de “Responsabilidade” Fiscal;
10 Muita gente tem a ilusão de que, nos últimos anos, houve mudanças significativas na redistribuição da renda, mas isso só se deu em relação a estratos marginalizados pelo sistema produtivo. Este prossegue oferecendo poucos empregos em geral e ainda mais raros quando se trata dos mais qualificados e bem remunerados, a não ser no topo dos executivos financeiros.
11 A redistribuição que se faz é a recomendada pelo Banco Mundial e visa ao objetivo irrealista de manter acomodados os mais destituídos. De outra parte, praticamente nada mudou quanto ao favorecimento aos concentradores financeiros mundiais, como exemplifiquei acima nos parágrafos 6 a 9.
12 Alterou-se somente a retórica, supostamente mais à esquerda em relação a governos anteriores, o que serve para alimentar a oposição por parte da grande mídia e montar a encenação de que as instituições políticas oferecem alguma alternativa por ocasião das eleições.
II – Camisa de força estrutural
13 O sistema de poder imperial amarrou a política econômica “brasileira” numa camisa de força, uma vez que estabelece a meta de inflação associada à ideia (falsa) de que os juros funcionam contendo a alta dos preços.
14 Acontece que houve, ao longo dos últimos decênios, acentuada decadência estrutural da economia, causada pela desnacionalização. A desindustrialização, associada também à abertura ao comércio mundial, é apenas uma das facetas dessa decadência.
15 Isso implica cada vez maior dependência de produtos importados, especialmente os de maior conteúdo tecnológico e maior valor agregado.
16 A população mal alimentada ou incorretamente alimentada, além de explorada por carteis transnacionais nas sementes, fertilizantes e alimentos industrializados, submetida a stress por dificuldades financeiras, transportes precários, precariedade nos empregos etc. é grande consumidora de exames médicos em aparelhos importados e enorme quantidade de drogas (chamadas de remédios), cujos insumos principais são importados.
17 Além disso, impostos altos, tarifas absurdas, como a dos pedágios indecentes nas rodovias paulistas, as da eletricidade privatizada etc. Ademais, os produtos industriais encontrados no mercado são dominados, na maioria, por carteis e empresas em oligopólio.
18 Assim, tanto a produção local, nas mãos das transnacionais, como as importações têm preços elevados, e tudo isso leva a pressão inflacionária. Então, a pretexto de conter essa pressão, os juros no Brasil têm-se mantido incomparavelmente altos (são atualmente negativos na Europa, EUA e outros).
19 Fundos e outros aplicadores estrangeiros tomam, no exterior, recursos a juro zero para aplicá-los no Brasil, em títulos públicos e outros instrumentos financeiros. Isso faz o câmbio do real sustentar-se em patamar alto e tornar menos competitiva a produção realizada no Brasil. Junto com a decadência estrutural, isso causa, nas contas externas do País, déficit de transações correntes dos mais altos do mundo, em proporção do PIB.
20 Portanto, o modelo econômico leva forçosamente a crises e assegura que o País não realize o tão falado e jamais alcançado desenvolvimento. É o modelo da dependência, adotado desde meados dos anos 50 e radicalizado, a partir de 1990, com a adesão subalterna à globalização dirigida pelas potências imperiais.
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* Adriano Benayon é Doutor em Economia e autor de “Globalização versus Desenvolvimento” [email protected]