“Sem direitos, sem Copa! No rights, no World Cup”, anunciava uma faixa feita pelos jovens.
“Se não tiver direitos, não vai ter Copa”. Sob esta consigna, milhares de manifestantes se reuniram no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp) para protestar contra a Copa do Mundo. O ato teve início às 18h do dia 25 de janeiro. O aparato repressivo foi reforçado na Avenida Paulista e, segundo informações veiculadas na imprensa, contou com 2 mil agentes. De todos os protestos deste dia, o que mais teve destaque foi o de São Paulo, tanto pela combatividade dos manifestantes como pela repressão desenfreada por parte da Polícia Militar.
Nas palavras de ordem, os manifestantes não pouparam críticas aos megaeventos da grande burguesia e ao gerenciamento Dilma/Lula/PT/FMI: “Dilma, vê se me escuta, na Copa do Mundo vai ter luta!” e “Brasil, vamos acordar, o professor vale mais do que o Neymar”.
No trajeto da passeata teve início um confronto. Os jovens enfrentaram com paus e pedras as bombas e balas de borracha da PM. Várias grandes lojas, agências bancárias e uma viatura da Guarda Civil foram atingidas.
O resultado da repressão policial foi 146 manifestantes presos, a primeira prisão em massa do ano. Um vídeo publicado no Youtube mostra alguns soldados entrando num estabelecimento, prendendo jovens de forma violenta e, inclusive, disparando balas de borracha contra pessoas rendidas no chão.
Os presos foram liberados na madrugada do dia 26. Segundo a Polícia Militar, será aberto inquérito para individualizar a conduta de cada um durante o protesto. Entre os presos, 12 tinham menos de 18 anos. A Secretaria de Segurança Pública afirma que as prisões ocorreram por “furto”, “dano”, “localização e apreensão de objetos”, “resistência”, “porte de armas”, “porte de drogas”, “lesão corporal” e “dano qualificado”.
E as cenas de covardia não pararam por aí. Um rapaz de 22 anos, identificado como Fabrício Proteus Nunes Fonseca, foi baleado na região de Higienópolis. Ele foi encontrado com dois tiros e rodeado por um grupo de PMs na esquina da Rua Sabará com a Piauí. A versão policial alega que o jovem portava um artefato explosivo feito em meia lata de cerveja.
Imagens de câmeras de segurança exibidas pelo programa ‘Fantástico’, da Rede Globo, mostram dois PMs perseguindo o rapaz. Quando foi pego, ele se volta contra um dos soldados, que cai. O jovem então cai sobre o PM, mas não é possível saber se ele tentou agredi-lo ou se já estava baleado. Também não é possível verificar se ele portava um estilete como afirmaram os policiais. O comando da PM disse que os agentes agiram em “legítima defesa”. Contrariando tal versão, testemunhas afirmaram que o jovem não reagiu à abordagem policial. Fabrício passou por uma operação na Santa Casa e teve que remover um dos testículos devido aos ferimentos.
A conhecida truculência da PM de São Paulo não intimidou os manifestantes.
Bastante emocionada, a mãe do rapaz deu uma declaração à imprensa na porta da Santa Casa. Registramos o depoimento e a imensa dignidade de uma mãe trabalhadora diante da covardia do Estado:
— Eu tomo doze remédios e só quero desabafar. Se quiserem fazer pergunta, só em outro dia que responderei com todo prazer. Meu filho é trabalhador, acorda 5h da manhã. Eu acordo todos os dias, faço a marmita dele. Ele leva a mochila com a roupa do serviço. Ele tem que chegar 7h no serviço… Eu fiquei sabendo no domingo que meu filho estava no hospital machucado e eu nem sabia do que era. Falaram que ligaram para minha casa, eu passei a noite toda esperando meu filho. Eu não posso nem ver televisão mais, porque não posso ver meu filho daquele jeito.
Eduardo Magrão, do comitê de apoio ao AND em São Paulo, conversou com o Dr. André Zanardo, do grupo Advogados Ativistas, que atua dando suporte jurídico aos manifestantes presos e criminalizados pelo Estado:
— Segundo o hospital, um dos tiros atingiu o tórax, provocando uma hemorragia interna, e o outro atingiu o pênis do rapaz. O hospital diz que foi preciso remover um dos testículos da vítima por causa dos ferimentos. Fabrício continua internado em estado grave, sob observação, na Unidade de Terapia Intensiva.
Para o Dr. Zanardo o caso do jovem Fabrício é bastante misterioso, pois tentaram de todas as formas não divulgar seu estado, até mesmo para sua família:
— Ontem, domingo, a família teve o conhecimento que o Fabrício estava no hospital através de um jornal, não foi concedido à família do Fabrício o direito de saber anteriormente, seja pelo hospital, seja pela Polícia Militar. Isso já demonstrou um primeiro ocorrido da dificuldade que iríamos encontrar pela frente. O Estado estava omitindo o direito da família do Fabrício… Estava difícil encontrar o boletim de ocorrência que deu pra ele, os advogados não conseguiram ter acesso – disse o advogado.
— É um absurdo ver que hoje em dia as arbitrariedades da PM sejam justificadas… Ele [Fabrício] não é Black Bloc primeiramente. Ele saiu da manifestação, inclusive estava de roupa branca, e estava longe da manifestação. Ele é um garoto trabalhador. Trabalha na região da 25 de Março de segunda a segunda. Saiu às 17hs do sábado para a manifestação. Inclusive eu queria deixar bem claro que ele é um adepto das lutas da rua. Sim, ele é um protestante. Primeiro por que ele é garoto sonhador, queria ser um engenheiro mecânico, ele quer ser um engenheiro mecânico, se Deus quiser vai ser… Estudava numa ETEC e sonhava entrar na faculdade… E quando ele viu a dificuldade de se transportar para uma ETEC e conciliar com o trabalho, começou a se envolver com as causas sociais, seja do MPL, a causa das tarifas, e todas essas, por isso que ele estava no protesto. É legítimo isso! Eu como advogado estou em todos os protestos, atuando como Advogado Ativista, assim como muitos outros coletivos. É assim que agente tem de caminhar, não é criminalizar a população, não é sair dando tiro – concluiu o Dr. Zanardo.
No dia seguinte, numa espúria tentativa de criminalizar o protesto, os abutres do monopólio da imprensa divulgaram em larga escala as imagens de um fusca pegando fogo. Antes de a verdade vir à tona, os jornais e telejornais do monopólio acusaram os manifestantes de terem incendiado o veículo. Porém, imagens que circularam na internet provaram o contrário. Um senhor dirigia um fusca levando sua família quando, por nervosismo, tentou atravessar o fogo de uma barricada com um colchão pegando fogo. O colchão ficou preso embaixo do veículo e, sem se dar conta do ocorrido, ele não desceu do carro para ver o que ocorria. Quando repararam que o senhor não respondia aos avisos de perigo, fotógrafos e manifestantes retiram a família do fusca. Ou seja, na verdade, tentaram salvar a família das chamas.
Esta manipulação dos fatos pela imprensa burguesa foi largamente denunciada nas redes sociais. Aos poucos e sorrateiramente, devido ao aparecimento de imagens, o monopólio dos meios de comunicação foi recuando e mudando as versões, claro, sem fazer nem menção de uma autocrítica.