O protesto da juventude do Reino Unido agigantou-se de maneira retumbante no início de agosto para enfrentar a truculência do aparato repressivo mobilizado para garantir à bala a vigência das novas leis antipovo. Desde o início deste ano os britânicos vêm lutando nas ruas contra as políticas fascistas que o primeiro-ministro David Cameron colocou em prática para tentar salvar o Estado e os monopólios britânicos agonizantes.
Em Bristol, no sudeste da Inglaterra, manifestantes enfrentaram a polícia
O estopim do novo e reforçado levante da juventude do Reino Unido foi o assassinato de um trabalhador de 29 anos, Mark Duggan, pai de quatro filhos, morto pela polícia no dia 4 de agosto, uma quinta-feira, durante um protesto no bairro londrino de Tottenham.
A morte de Duggan foi a centelha que fez explodir uma nova onda de revoltas na Grã-Bretanha, e não o motivo em si da rebelião, como o monopólio dos meios de comunicação tenta fazer crer, escamoteando o caráter classista das ações contra instalações da administração estatal em franca ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e de grandes empresas, maiores beneficiárias das políticas antipovo.
O alastramento dos protestos começou no próprio bairro de Tottenham no sábado, dia 6 de agosto, espalhando-se para o bairro vizinho de Walthamstow no domingo, dia 7, e para os bairros de Peckham e Lewisham na segunda, dia 8. A partir de então, o levante chegou às cidades de Birmingham, no centro da Inglaterra, Liverpool, no noroeste, e Bristol, no sudeste, com jovens corajosamente enfrentando a polícia com pedras e pedaços de pau, incendiando carros, prédios e ônibus vazios, levantando barricadas nas ruas e atacando lojas de luxo e agências bancárias.
A rota dos protestos coincide com um rastro de crimes de morte contra gente do povo. Em março, o músico Smiley Culture foi morto durante uma batida policial em sua casa, em Londres; em abril, um jovem negro, Kingsley Burell, foi assassinado pela polícia em Birmingham; em maio, outro jovem, Demetre Fraser, foi morto na mesma unidade policial de Birmingham.
Na manhã da terça-feira, dia 9 de agosto, a Scotland Yard informou que todas as celas das cadeias de Londres já estavam lotadas e que novos detidos seriam levados para prisões de cidades vizinhas. Mais de 1.500 manifestantes foram presos em um intervalo de uma semana. Os tribunais foram postos para funcionar em regime extraordinário para expedir o maior número possível de condenações. Crianças de 11 anos foram mandadas para o xadrez. Entre os presos dois brasileiros, Leandro Santos de Vasconcelos, de 21 anos, e Anderson Fernandes, de 22, são acusados de saques na cidade de Manchester.
Campanha difamatória da mídia
O comando do aparato repressivo do Estado britânico classificou a rebelião que tomou conta da ilha como “a maior de que se tem memória”, superando mesmo as escaramuças da década de 1980 entre a polícia de Margareth Thatcher e os trabalhadores organizados em sindicatos outrora combativos, aos quais a antiga “dama-de-ferro” havia declarado guerra total.
No mesmo dia, manifestantes atearam fogo a um centro de distribuição de mercadorias da transnacional do setor de tecnologia Sony, destruindo completamente as instalações. Os bombeiros disseram que não tinham mais carros para combater os incêndios.
O monopólio da imprensa, apavorado, logo desencadeou uma campanha de difamação da juventude rebelde, preparando o terreno para mais repressão. No Brasil, as emissoras da facção dominante do monopólio dos meios de comunicação – corporação sempre esmerada em não deixar as massas inflamarem – não se cansaram de repetir a palavra “vândalos” para se referir aos manifestantes britânicos. Um “jornalista” da emissora paga da mesma facção cacarejou a seguinte patranha sobre a situação em Londres: “policias de um lado, baderneiros do outro”.
O monopólio dos meios de comunicações também não tardou em associar delitos comuns à onda rebelde. Noticiou-se que um assalto a um famoso restaurante do bairro londrino de Notting Hill foi feito por “jovens mascarados”, como os jovens manifestantes que escondem o rosto com camisas para não serem identificados e jogados no xadrez.
A reação do Estado veio forte. Cameron voltou das férias de que gozava em praias da Itália para anunciar que colocaria 16 mil policiais nas ruas para reprimir os protestos. Em seu primeiro pronunciamento após regressar, ele classificou a rebelião da juventude britânica como “nojenta”, dizendo que “isso é criminalidade pura e simples”. O Parlamento em recesso foi convocado a realizar reunião extraordinária.
A administração britânica reacionária comunicou ainda que quem enfrentasse a polícia nas ruas poderia ser preso, enquadrado em tentativa de homicídio. Ameaçou prender também quem publicasse mensagens na internet incentivando os “distúrbios”, no que foi ajudado pela empresa RIM, fabricante do famoso celular Blackberry, que se comprometeu a “colaborar” com as autoridades e que a empresa “está em conformidade com a legislação sobre a interceptação de comunicação”. Isto porque divulgou-se que o programa de mensagens do celular foi usado para convocar as manifestações. Além da RIM, as redes sociais Twitter e Facebook foram chamadas para reuniões e cogitou-se limitar o acesso a internet. Afinal, uma coisa é o norte da África se rebelar e outra completamente diferente é o Reino Unido. Chegou-se a divulgar fotos de “suspeitos” cujo crime foi enfrentar o Estado fascista, seu aparato repressivo e seus arautos da desinformação. Cameron mandou a Scotland Yard usar balas de borracha pela primeira vez na história e prometeu botar o exército nas ruas contra o povo. Chega-se a conclusão que o que é “revolução” na Líbia é baderna e vandalismo na Inglaterra.
Uma voz da rebelião
Uma prova contundente do caráter político das manifestações na Grã Bretanha é o depoimento que Darcus Howe, migrante da Índia e morador da periferia de Londres, deu à rede BBC, deixando a repórter desconcertada, tentando cortá-lo e mesmo armar as tão conhecidas armadilhas que a grande imprensa faz com seus entrevistados rebeldes.
O primeiro choque que a pretensa jornalista toma é o fato de um senhor não estar chocado com os acontecimentos. Howe afirma que o que está acontecendo é uma coisa muito séria que nem os líderes políticos nem a polícia tinham ideia, mas se prestassem atenção nos jovens, seria entendido o que acontece no país.
A entrevistadora, já meio aturdida, insiste em perguntar se ele não condena o que aconteceu. Howe afirma então que o que o preocupa é a morte de Mark Duggan, que tinha uma família e foi assassinado pela polícia.
A repórter prontamente sai em defesa do Estado e, ao contrário do que vinha fazendo em relação aos manifestantes, interrompe o senhor e afirma que há de se esperar a conclusão do inquérito para se afirmar uma coisa dessas. Dracus volta a denunciar a polícia e seu racismo quando revista jovens negros sem qualquer motivo e a entrevistadora insiste:
— Mas isto não é motivo para sair fazendo desordens.
A resposta é contundente:
— Eu não chamo isso de desordem, isto é uma insurreição popular. Está acontecendo na Síria, em Clatton, está acontecendo em Liverpool. E esta é a natureza do momento histórico que estamos vivendo.
Frente a isto é jogada a casca de banana final:
— Sr Dowe, estou lhe perguntando se o senhor não está preocupado com os distúrbios. Então? O senhor tomou parte nos tumultos?
Dracus Dowe não se intimida e exige um mínimo de respeito a um velho imigrante e que ela pare de chamá-lo de desordeiro.